terça-feira, 12 de julho de 2011

Novo ciclo velhas políticas

Dizer que em Portugal se iniciou um novo ciclo político, como temos ouvido e lido, é confundir de forma consciente a opinião pública com ardis de linguagem e comunicação. Afinal o que foi que se alterou no quadro político nacional nos últimos meses!?
A assinatura, pelo PS, com o aval do PSD e do CDS, do “memorando de entendimento” com o FMI, UE e BCE, um acto eleitoral do qual resultou uma nova arrumação das forças políticas que tradicionalmente têm assento parlamentar e, de onde resultou um governo de coligação entre o PSD e o CDS. Bem! Não posso negar. Houve alterações, porém mais do que a mudança de protagonistas interessa-me olhar para o projecto político e perceber se existem ou não diferenças com o passado recente.
Quanto a resgates financeiros do FMI vamos no terceiro (1977, 1983 e 2011), quanto a governos do PSD com ou sem o CDS já lhes perdi o conto, as novidades a havê-las não são por aqui. Viajar em económica (a TAP oferece as passagens aos membros do governo), utilizar as viaturas do Estado só para deslocações oficiais ou limitar os ordenados dos assessores e outras medidas avulsas deste teor tem mais de simbólico do que de poupança mas até posso reconhecer a importância do simbolismo, aliás o que não se percebe é porque assim não era.
Deste novo governo diz-se que é o mais liberal de todos os governos constitucionais o que significa, desde logo, que os anteriores também eram liberais mas nem tanto quanto este se anuncia. Direi que sim, a agenda política do actual governo e a fidelidade à doutrina económica de Milton Friedman de que Passos Coelho e os seus ministros são fiéis e confessos seguidores permite afirmá-lo, este será o governo mais à direita que Portugal já teve depois da Revolução de Abril.
A partir daqui podemos então começar a procurar as diferenças no projecto político que Passos Coelho está a protagonizar a mando do FMI.
Diminuição do investimento público, despedimentos na administração pública (1% na administração central e 2% na administração regional e local), redução dos rendimentos do trabalho por via do congelamento dos salários e do aumento dos impostos sobre o rendimento e do consumo, flexibilização das leis laborais, revisão da Lei das Finanças Locais e Regionais, privatização do sector público empresarial, estas são algumas das muitas medidas consagradas no “memorando de entendimento” agravadas com outras, como o imposto extraordinário equivalente a 50% do subsídio de Natal, da própria lavra do governo.
Quem acompanha a vida política percebe com toda a naturalidade que estas medidas não são novas e o seu objectivo é aprofundar um projecto político que pretende corporizar um modelo político a que designarei, de forma simples, do Estado mínimo. Modelo ancorado nas virtualidades do mercado onde ao Estado é reduzido a mero cobrador de impostos que redistribui, no essencial, aos privados a quem vai concessionar serviços públicos como a educação e a saúde. Claro que dos impostos cobrados vão sobrar umas migalhas para o tal “Plano de Emergência Social”, ou seja, para alimentar a crescente economia da desgraça.
Para quem não acompanha a vida política e não leu nem o “memorando de entendimento” nem o programa do governo há muito percebeu que as mudanças se verificam apenas no plano simbólico e, ainda assim já começam a surgir algumas dúvidas fundadas nas inverdades com que o primeiro-ministro já nos brindou.
Ponta Delgada, 11 de Julho de 2011

Aníbal C. Pires, In A União, 12 de Julho de 2011, Angra do Heroísmo

Sem comentários: