quarta-feira, 19 de outubro de 2022

O jardim de Borrell

imagem retirada da internet

Pela “Sala de Espera”* passou, recentemente, um texto que designei: “o mundo às avessas”. Hoje não tenho tanta certeza assim. Não sei se o mundo está prepóstero, se fui eu que ganhei consciência, se a máscara caiu, ou se os líderes do “mundo ocidental” ganharam coragem para dizer no espaço público o que verdadeiramente pensam e só se atreviam a dizer em privado, o que significa que o mundo não está às avessas, sempre assim foi. Eu é que me convenci que esta coisa das conquistas civilizacionais nos tinha tornado humanos, humanos em toda a dimensão do conceito.

Os exemplos para ilustrar o que atrás ficou dito podemos retirá-los das páginas dos jornais publicados nos últimos dias. As declarações de Marcelo Rebelo de Sousa sobre os crimes de pedofilia, as declarações, sobre o mesmo tema, de alguns clérigos da igreja católica portuguesa, os contornos da “crise governativa” inglesa, a hipocrisia do governo espanhol, subscritor das sanções à Rússia, mas nunca comprou tanto gás russo como este ano (não é o único governo da União Europeia a fazê-lo), as duas “ativistas” ambientais que vandalizaram o quadro de Vincent van Gogh, tendo o cuidado de mostrar bem a embalagem (a marca) da sopa de tomate que atiraram para o quadro, o envio, por Portugal, dos helicópteros Kamov (russos) para a Ucrânia, as notícias vindas a público sobre as vacinas da Pfizer, ou ainda as afirmações do inenarrável Josep Borrell ao considerar a Europa (mundo ocidental) um jardim e o resto do mundo uma selva. Alguma coisa de muito errada está a acontecer no “jardim” de Borrell, já que com o próprio Borrell há muito se percebeu que nada está certo, é apenas mais um lacaio da oligarquia financeira que domina o mundo, oligarquia responsável pela construção do “jardim” e pela manutenção da “selva”. 

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As afirmações de Borrell, se dúvidas houvesse, demonstram de forma clara e inequívoca o posicionamento político neocolonial da União Europeia ancorado na ideologia eurocentrista construída para justificar, de entre outras coisas, o colonialismo e o imperialismo europeu. O “jardim” a que Borrell se refere foi construído à custa da espoliação do mundo que ele designa por “selva” e, o bem-estar europeu só é possível pela continuada expropriação da “selva”. Mas os tempos não estão favoráveis ao “jardim”, a “selva” está a dar sinais de querer construir os seus próprios jardins e a recusar-se a manter o “jardim” de Borrell.

A União Europeia e os Estados Unidos estão a perder alguns dos tradicionais parceiros e a tentar encontrar outros, por via da reabilitação política. Alguns dos países que eram bons, passaram a ser maus e, alguns dos países que eram maus passaram a ser bons. A facilidade com que, o “mundo ocidental”, altera os parâmetros de catalogação dos países é diretamente proporcional à necessidade de satisfação dos seus interesses imediatos, mas nem tudo é, assim, tão simples. Os países da “selva” de Borrell já não estão pelos ajustes e exigem exercer a sua soberania, e exercem-na, ainda que, debaixo de grandes pressões e chantagens.

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O mundo está a mudar e a União Europeia, do alto da sua sobranceria, recusa-se a aceitar a nova realidade geopolítica. A Europa não é o centro do mundo, as políticas neocoloniais têm os dias contados, os tempos são de cooperação e de reconhecimento da multipolaridade mundial.

Se tudo isto se relaciona com a Ucrânia? Não. A Ucrânia é o espaço de um jogo ao qual nem sequer pertence, embora seja o seu povo a ser sacrificado e as suas infraestruturas produtivas devastadas.


O jogo que decorre no tabuleiro mundial tem vindo a ser desenhado, tem objetivos concretos e alguns dos contornos da sua preparação são conhecidos. Quem não se atém apenas à comunicação social e aos comentadores do “mainstream” e procura fontes alternativas de informação, mesmo sem sair do “jardim” de Borrell, consegue obter o esclarecimento que permite ter uma compreensão do conflito, no qual a Ucrânia e a Rússia, são os alvos instrumentais para evitar a emergência de uma nova ordem mundial multipolar, ou seja, o fim do domínio mundial pelos Estados Unidos e os seus subserviente aliados, ou se preferirem o fim da oligarquia responsável pela construção do “jardim” de Borrell que só foi possível com a criação e manutenção da “selva”.

A multipolaridade mundial corresponde à realidade observada, ou seja, o mundo é naturalmente multipolar, a unipolaridade é uma imposição da qual, mais tarde ou mais cedo, os povos tendem a libertar-se, apesar da oposição e do poder dos globalistas.

Quando Borrell expressou, na abertura de um programa universitário projetado para criar a próxima geração de diplomatas da União Europeia, a ideia do “jardim” e da “selva” não referiu as dificuldades que um número crescente de cidadãos do “jardim” estão a viver, complicações que tendem a agravar-se perigosamente. Não mencionou as dificuldades e a contestação por saber que o “jardim” é cada vez mais só para alguns e que a responsabilidade não é da “selva”, é dos cuidadores do “jardim”.

Arranhó, 17 de outubro de 2022

Aníbal C. Pires, In Diário Insular, 19 de outubro de 2022

* Nome da coluna do Diário Insular onde são publicados os textos de opinião.

terça-feira, 18 de outubro de 2022

o mundo segundo Josep

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Excerto de texto para publicação na imprensa regional (Diário Insular) e, como é habitual, também aqui no blogue momentos.





(...) Os exemplos para ilustrar o que atrás ficou dito podemos retirá-los das páginas dos jornais publicados nos últimos dias. As declarações de Marcelo Rebelo de Sousa sobre os crimes de pedofilia, as declarações, sobre o mesmo tema, de alguns clérigos da igreja católica portuguesa, os contornos da “crise governativa” inglesa, a hipocrisia do governo espanhol, subscritor das sanções à Rússia, mas nunca comprou tanto gás russo como este ano (não é o único governo da União Europeia a fazê-lo), as duas “ativistas” ambientais que vandalizaram o quadro de Vincent van Gogh, tendo o cuidado de mostrar bem a embalagem (a marca) da sopa de tomate que atiraram para o quadro, o envio, por Portugal, dos helicópteros Kamov (russos) para a Ucrânia, as notícias vindas a público sobre as vacinas da Pfizer, ou ainda as afirmações do inenarrável Josep Borrell ao considerar a Europa (mundo ocidental) um jardim e o resto do mundo uma selva. (...)

domingo, 16 de outubro de 2022

redundâncias

do arquivo pessoal

Vivo mais com o coração do que com a razão. Procuro, é certo, os aconselháveis equilíbrios, mas o saldo positivo está do lado dos afetos. No deve e haver do meu livro da vida, a racionalidade não está, de todo, arredada, mas o balanço tende para as emoções.

Aníbal C. Pires, (algures por aí), 16 de outubro de 2022


hábitos ou acasos

Aníbal C. Pires - foto by Madalena Pires

Falar com os meus botões. É assim que popularmente se designam os diálogos interiores com que, de forma mais ou menos metódica e sistemática, exercitamos a introspeção e a reflexão. E todos, por acaso ou pelo hábito, o fazemos. Seja naqueles instantes que queremos só para nós e olhamos no vazio, seja quando procuramos o horizonte e as razões que nos fazem continuar a viver e lutar pelas nossas convicções.

Aníbal C. Pires, (algures por aí), 16 de outubro de 2022


sexta-feira, 7 de outubro de 2022

Tudo tem o seu tempo

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A Europa tem votado na extrema direita. A América latina tem votado à esquerda. Em África, na Ásia e nos países árabes verifica-se um crescente desalinhamento com a dependência política, económica e financeira dos Estados Unidos. A Índia ultrapassou a Inglaterra e é atualmente a 5 economia mundial. O euro desvaloriza-se face ao dólar e até a forte libra esterlina caiu para mínimos nunca antes vistos. O rublo, face às novas parcerias e alteração das relações comerciais decorrentes da resposta russa às sanções ocidentais, tem vindo a valorizar-se face ao dólar e ao euro. No espaço da União Europeia, mas também nos Estados Unidos a inflação é galopante, o aumento das taxas de juro de referência e a crise energética e alimentar que se está a instalar empurram milhões de cidadãos para a pobreza, ou para o seu limiar, a revolta está a instalar-se face à inércia dos governos europeus que, de forma acrítica, continuam a cumprir a agenda dos Estados Unidos. Não faço a mínima ideia até onde vamos chegar, se houver onde chegar, mas havendo só pode continuar a correr mal para os trabalhadores e para os povos. Vejam-se os lucros obscenos de algumas empresas nacionais e a recusa sistemática, do governo e dos empresários, de aumentar os rendimentos do trabalho para garantir a reposição do poder de compra perdido nos últimos meses.

E o Brasil!? Tenho estado a acompanhar no sítio oficial a evolução dos resultados, neste momento, com quase 90% das seções apuradas o candidato Lula da Silva vai à frente com uma margem confortável, embora esteja, para já, desenhada a necessidade de se realizar uma segunda volta para apurar quem será o futuro presidente brasileiro. Os apoios e acordos para a segunda volta vão ser determinantes para esse apuramento, sendo que a maioria dos partidos políticos brasileiros são pouco confiáveis e pode haver flutuação de votos, ou seja, qualquer tentativa de prognóstico em função do apoio dos candidatos presidenciais (11), que disputaram a primeira volta e que terminam a sua candidatura por aqui, é um exercício arriscado. Já é oficial, vai haver segunda volta e regista-se uma acentuada polarização. O Brasil está politicamente dividido. Lula ganhou a Norte e Bolsonaro no Centro e no Sul.

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As eleições no Brasil interessam, desde logo e em primeiro lugar aos brasileiros, mas o mundo está de olhos postos no Brasil e nas eventuais alterações que esta potência económica mundial possa introduzir no complexo xadrez regional e mundial, se é que algo vai mudar, na política externa brasileira, mesmo que a presidência mude.

Os resultados eleitorais e a proximidade de votantes nos dois candidatos que vão disputar a segunda volta é preocupante. Não tenho grande proximidade política, nem uma particular simpatia por Lula da Silva (48,43%), mas não deixa de ser motivo para reflexão e estudo que, um personagem com Bolsonaro (43,20%) possa ter recolhido um apoio eleitoral tão expressivo depois do desastre que foi o seu governo. Se em 2018, ainda que com algum esforço, se conseguiu entender as razões dos eleitores para não votarem no candidato do PT, as acusações de corrupção, o impedimento forçado de Lula da Silva, o golpe que depôs a Dilma, a insegurança e um sem número de questões alimentadas pelas corporações mediáticas brasileiras, mas agora é inadmissível que mais de 50 milhões de brasileiros tenham dado o seu apoio eleitoral ao execrável Jair Bolsonaro. Mais do que inadmissível é perigoso pois, a semente do “bolsonarismo”, como outras, por esse mundo fora, que têm estado latentes tenham germinado e se estejam a enraizar. E isso sim, é preocupante.

Se os movimentos e partidos de esquerda têm responsabilidade, sem dúvida. As agendas políticas da maioria dos movimentos e partidos de esquerda é muito permeável, não é por acaso, à priorização de temas, que sendo importantes, deixam de lado propostas de solução para resolver questões básicas para a maioria da população, e isso tem os seus custos políticos e eleitorais. Os partidos da direita e da extrema direita ficam com o campo aberto para cavalgarem o descontentamento popular, alimentam-se na iliteracia social e política e na ausência da consciência de classe. 

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A defesa dos direitos dos animais, as questões identitárias, sexuais e de género, a eutanásia, são apenas alguns dos exemplos de agendas da “esquerda” que sendo importantes, pouco dirão a quem tem de viver com um miserável salário mínimo, com horários de trabalho desregulados, com a insegurança da precariedade laboral, a quem não tem acesso a água potável, ou a quem não tem acesso aos serviços básicos de saúde e educação. E estes, sim, são alguns dos problemas que urge resolver, no Brasil e no mundo. Tudo tem o seu tempo.

A construção de discursos e propostas políticas, de “esquerda” direcionadas para a classe média urbana em países e regiões pobres e com caraterísticas rurais é abrir alas à direita e à extrema direita. 

Ponta Delgada, 2 de outubro de 2022

Aníbal C. Pires, In Diário Insular, 4 de outubro de 2022


terça-feira, 4 de outubro de 2022

mesmo que





Excerto de texto para publicação na imprensa regional (Diário Insular) e, como é habitual, também aqui no blogue momentos.






(...) As eleições no Brasil interessam, desde logo e em primeiro lugar aos brasileiros, mas o mundo está de olhos postos no Brasil e nas eventuais alterações que esta potência económica mundial possa introduzir no complexo xadrez regional e mundial, se é que algo vai mudar, na política externa brasileira, mesmo que a presidência mude. (...)

sábado, 1 de outubro de 2022

povos originários - a abrir outubro

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Uma pequena homenagem à beleza das mulheres dos povos originários da América do Norte






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O momentos abre outubro prestando tributo às mulheres dos povos originários da América do Norte