sexta-feira, 27 de janeiro de 2023

há 78 anos

imagem retirada da internet

Hoje recorda-se, nem todos o desejam, o dia da libertação de Auschwitz.

Foi a 27 de janeiro de 1945 que um grupo de soldados do Exército Vermelho chegou a este complexo de tortura e morte.

As celebrações oficiais excluíram os representantes do povo que mais contribuiu para libertar a Europa da besta nazi. 

Mais uma hipocrisia, mais uma tentativa de reescrever a história.

E a besta nazi continua a despertar e a expandir-se com a cumplicidade das democracias do mundo ocidental.


quarta-feira, 25 de janeiro de 2023

“carne vale”

imagem retirada da internet
Ainda a recuperar da ressaca das festividades do Solstício de Inverno (Natal e Ano Novo) e eis que o calendário nos anuncia as folias de Carnaval, celebração com direito a um intenso período de preparação. Estão aí as quintas-feiras de amigos, amigas, compadres e comadres, entrementes “o Dia dos Namorados” e toda uma gama de atividades, conforme a tradição de cada lugar e cultura. É o tempo dos “excessos” que antecedem o “adeus à carne”, “carne vale” (do latim tardio). São as festividades que precedem o período de jejum e abstinência: a quaresma. Diferindo de lugar para lugar, de cultura para cultura, mas que se assinala um pouco por todo o mundo, mormente onde o cristianismo tem significado pois, sendo as festas de Carnaval de origem pagã, o calendário católico apropriou-se, até onde lhe foi possível, desta celebração, como de outras que fazem parte do ciclo anual e que assinalam eventos naturais que influenciam a vida das populações. 

Caretos de Podence - imagem retirada da internet

Os ritos pagãos que estão na origem do Carnaval têm antigas e diversas origens, mas fique o leitor descansado que não é da evolução histórica da celebração do Carnaval que este texto vai tratar, ou talvez sim. Eu ainda não sei qual será o tema, mas alguma coisa se vai arranjar. Não entenda “alguma coisa se vai arranjar” como uma leviandade minha. Não. Se assim entendeu, entendeu mal. Mesmo sabendo das caraterísticas da celebração do Carnaval, tempo em que ninguém leva a mal, mas, ainda assim, nunca teria qualquer atitude menos responsável e respeitosa para consigo que aqui entrou. Provocações, admito que sim. Descortesias, não.

Após este parágrafo que serviu para quebrar a direção que o discurso estava a tomar, recuperemos a essência do que vos quero deixar para, como é habitual, estimular alguma reflexão, quiçá, até uma saudável discussão sobre o ciclo anual dos rituais, celebrações e festas.

calendário azteca (Pedra do Sol) - imagem retirada da internet
O calendário, tal como o conhecemos e usamos, é relativamente recente. A necessidade de “medir” o tempo, não direi que é tão antiga como o “homo sapiens”, mas remonta, ao que se julga, ao período dos caçadores-recolectores, ou seja, ao período que antecedeu a revolução neolítica. A contagem do tempo, consagrada em calendários tem distintos referenciais (a lua, o sol, o ano; um misto dos dois, ou dos três), daí a (co)existência de calendários diferentes, embora o seu propósito seja, no essencial, comum e procure englobar a duração daquilo a que chamamos ano pois, os ciclos naturais (estações do ano) repetem-se a cada translação da Terra. 

Continuando a coexistir vários registos para medir o tempo, o mundo adotou como padrão, para o comércio e as relações internacionais, o calendário gregoriano que divide o ano em 365 ou 366 dias, 12 meses e o mês pode variar entre os 28 e os 31 dias. O calendário gregoriano pode, como outros, ser alvo de algumas críticas (por exemplo: as semanas não coincidem com os meses), mas, ainda assim, adequa-se às necessidades e ao propósito.

Ramadão (nono mês do calendário islâmico
imagem retirada da internet

Os calendários, todos eles, tiveram a sua génese em ciclos naturais (lua ou sol), alguns mantêm a sua forma original (hebreu, islâmico e chinês, por exemplo). O calendário gregoriano, herdeiro do calendário juliano é, como já referi, o calendário adotado para marcar o início do ano civil. Tendo origem na Europa a sua generalização fica a dever-se à exportação dos padrões europeus pelo mundo. A contagem do tempo, traduzida nos calendários de todos os tipos (lunar, solar ou lunissolar), fornecem informações fiáveis sobre os ciclos naturais que se repetem anualmente, embora as alterações climáticas estejam a introduzir algum ruído. Já nada é como era. 


Os calendários registam, também, o tempo dos rituais festivos que estão associados à cultura que lhes esteve na origem. Rituais que estão ligados aos ciclos naturais, mas também às crenças, à religião e outros aspetos particulares das diferentes culturas e que não coincidem no tempo, por motivos diferentes, o Ramadão é, tal como a Páscoa, uma celebração móvel. 

O calendário gregoriano é um anuário forjado no seio da Igreja católica e data de 1582. A sua adoção generalizada decorreu ao longo de vários séculos, a Turquia só o aprovou em 1926.

deusa Ísis - imagem retirada da internet
Muito antes da carga religiosa, seja ela qual for, que foi associada aos calendários já os grupos humanos, por todo o planeta, percebiam a repetição dos dias, dos anos e dos ciclos naturais (estações do ano) e associavam-lhes rituais de celebração, os chamados ritos pagãos. As diferentes religiões, em particular as monoteístas, absorveram esses ritos para os seus calendários litúrgicos procurando conferir-lhes um sentido divino. Nem sempre o conseguiram e o Carnaval, no mundo cristão, será um dos melhores exemplos. Apesar de todas as tentativas de proibição e a sua integração no ano litúrgico, o Carnaval mantém, no essencial, as caraterísticas das festividades pré-cristãs cujas origens remontam à celebração de Ísis e Ápis, no antigo Egipto, ou, as bacanais gregas e as lupercais e saturnais romanas, ou ainda, à festa gaulesa do Inverno.


Ponta Delgada, 24 de janeiro de 2023

Aníbal C. Pires, In Diário Insular, 25 de janeiro de 2023

terça-feira, 24 de janeiro de 2023

descortesias, não

foto by Tiago Redondo




Excerto de texto para publicação na imprensa regional (Diário Insular) e, como é habitual, também aqui no blogue momentos.







(...) Os ritos pagãos que estão na origem do Carnaval têm antigas e diversas origens, mas fique o leitor descansado que não é da evolução histórica da celebração do Carnaval que este texto vai tratar, ou talvez sim. Eu ainda não sei qual será o tema, mas alguma coisa se vai arranjar. Não entenda “alguma coisa se vai arranjar” como uma leviandade minha. Não. Se assim entendeu, entendeu mal. Mesmo sabendo das caraterísticas da celebração do Carnaval, tempo em que ninguém leva a mal, mas, ainda assim, nunca teria qualquer atitude menos responsável e respeitosa para consigo que aqui entrou. Provocações, admito que sim. Descortesias, não. (...)


quinta-feira, 19 de janeiro de 2023

Eugénio de Andrade

imagem retirada da internet



Texto sobre o centenário do nascimento de Eugénio de Andrade escrito para a edição especial do “Barbilho” dedicada ao poeta.







“Eugénio de Andrade viveu dentro das palavras. Ou delas. Talvez as duas coisas.” (…)

Eduardo Bettencourt Pinto(1)  


Eugénio de Andrade: um compromisso com o povo e a terra

A 19 de janeiro de 2023 o calendário das memórias regista o centenário do nascimento de José Fontinhas Neto, conhecido, honrado e agraciado, no país e no mundo da poesia, como Eugénio de Andrade.

E porque a geografia dos afetos determina muito do que viremos a ser, importa não olvidar que o beirão Eugénio de Andrade nasceu a Sul da Serra da Gardunha, na Póvoa da Atalaia, concelho do Fundão, onde viveu a sua meninice e ali retornava amiúde, se é que alguma vez dali se ausentou.

“Estive sempre sentado nesta pedra

escutando, por assim dizer, o silêncio (…)

(..) Estou onde sempre estive: à beira de ser água.

 Envelhecendo no rumor da bica

por onde corre apenas o silêncio.” (…)

(In Os sulcos da Sede)

Eugénio de Andrade cantou as gentes e a terra que o viu nascer. O amor pela Beira Baixa e pelo seu povo transbordam dos seus poemas. “Mulheres de Preto” e “Fim de Outono em Manhattan” são apenas dois exemplos onde podemos colher alguns versos que nos transportam para o sentir do seu povo, para os recantos da sua aldeia, para os sons, as cores, para a suave orografia dos campos que se estendem até à raia de Espanha, para as vertentes graníticas da Gardunha, ou para o pequeno monte onde se ergue Castelo Branco e “a passo largo se caminha para o Alentejo”.

“Há muito que são velhas, vestidas

de preto até à alma.


Contra o muro

defendem-se do sol de pedra;

ao lume

furtam-se ao frio do mundo.” (…) 

(excerto do poema “Mulheres de Preto”)


“Começo este poema em Manhattan

mas é das oliveiras de Virgílio

e da Póvoa da Atalaia que vou falar.

É à sombra das suas folhas

que os meus dias

cantam ainda ao sol.” (…)

(excerto do poema “Fim de Outono em Manhattan”)

Eugénio de Andrade viveu a maior parte da sua vida longe da Póvoa da Atalaia, mas esta aldeia beirã, as suas gentes, os seus labores e a paisagem moldaram o seu modo de sentir e estar na vida. É o próprio Eugénio de Andrade que o afirma: “A minha relação com as terras baixas e interiores da Beira é materna, quero dizer: poética. A tão grande distância do tempo em que ali vivi os primeiros oito anos da minha vida, o rosto de minha mãe confunde-se com a cor doirada do restolho e daquela terra obscura onde emergem uns penedinhos com umas giestas á roda, e alguns sobreiros de passo largo a caminho do Alentejo. (…) (…) camponeses na sua quase totalidade; e quando o não eram, o seu ofício era ainda o de uma relação privilegiada com as coisas da terra: pedreiros, carpinteiros, ferreiros. Fora destes mesteres, o restante da população lavrava, semeava, sachava, colhia. Ou pastava o gado, e fabricava queijo, azeite, vinho, pão. Lembro-me do cheiro dos lagares, das queijeiras, do forno, da forja - eram cheiros que entravam pelas narinas como tantos outros, mas só esses se infiltraram no sangue e aí ficaram, depositados em sucessivas camadas, para sempre, como ficou o aroma das estevas e do feno.” (…) (excertos do texto de Eugénio de Andrade, In Um Olhar Português)

A obra poética de Eugénio Andrade não sendo panfletária é, contudo, comprometida. Com algumas exceções, como por exemplo João de Mancelos (2), a maioria dos estudiosos eugenianos olha para a obra poética deste ilustre beirão apenas na sua faceta lírica vocacionada para o amor, o erotismo e a natureza. Mas a obra poética (de palavra preocupada) e a vida, (anti-institucional), de Eugénio de Andrade, talvez por isso arredada dos holofotes que projetam os encontros sociais e as tertúlias culturais, foi sempre de compromisso e de participação cívica. Os poemas a Chico Mendes e Vasco Gonçalves são, também eles, apenas dois exemplos desta faceta de compromisso cívico e político de Eugénio de Andrade.

(1) Eduardo Bettencourt Pinto, poeta de origem açoriana, nasceu em Angola, vive em Vancouver, Canadá. A epígrafe é um pequeno excerto do prefácio (pp 31) do livro de poemas Cântico sobre uma gota de água.

(2) “Uma palavra preocupada”: A escrita como ofício de cidadania em Eugénio de Andrade, de João de Mancelos.


Aníbal C. Pires, Ponta Delgada, 20 de dezembro de 2022


quarta-feira, 18 de janeiro de 2023

pelos 95 anos de Eduíno de Jesus

imagem retirada da internet

O poeta, dramaturgo, contista e ensaísta Eduíno de Jesus completa hoje 95 anos.

Parabéns e um abraço amigo.

Para os visitantes do “momentos” fica um dos poemas do aniversariante.



O SOPRO

1

Como tenuíssima espuma de luz

eco perdido

da primeira vibração


algures

no imo do infinito

Nada


2

como um fogo

ainda não e 

jamais acendido


frémito de nenhuma 

coisa ou alma

digamos


3

súbito

explode no âmago da Palavra

irrompe indomável

em todos os sentidos do Sentido


e

o corpo do poema

ergue-

-se


E s p l ê n d i d o !


Eduíno de Jesus (1992)


domingo, 15 de janeiro de 2023

breve registo sobre “O Quarto do Pai”

Maria Brandão - Imagem surripiada da página da própria 
Acompanho a escrita da Maria Brandão desde o tempo em que os blogues ganharam importância e projeção. O blogue da Maria Brandão era uma das minhas referências e seguia-o atentamente. Não conhecia a Maria, mas interagia virtualmente com ela. A sua escrita, talvez por ter uma não sei quê de provocatório, sempre me empolgou. 

Li todos os livros que já publicou e sobre eles tenho grafado sempre algumas notas. Terminei há uns dias a leitura da sua última publicação, “O Quarto do Pai”, e, não resisto a escrever algumas e simples palavras sobre este seu último trabalho literário.

O tema que dá mote à narrativa é de uma pungente atualidade, mas não é de fácil abordagem. As sociedades ocidentais estão a envelhecer, o envelhecimento e tudo o que isso carrega para quem vive as maleitas da velhice, mas também para os familiares próximos que acompanham o processo.

A estória de um debilitado e dependente octogenário é construída com realismo e a gravidade que caraterizam a situação, mas a autora não abdica de lhe introduzir um humor subtil que estimula o leitor e, confere à narrativa a necessária leveza conciliadora com o dramatismo da dependência no envelhecimento e as memórias do tempo em que o corpo a tudo dava resposta.

A sua leitura é aconselhável.

Maria Brandão, O Quarto do Pai, Lajes do Pico, Companhia das Ilhas, 2022

Aníbal C. Pires, Ponta Delgada, 15 de janeiro de 2023


Ana Belén Montes em liberdade

imagem retirada da internet
Ana Belén Montes foi libertada após ter cumprido 20 anos de uma pena de 25. Estava encarcerada numa prisão em Forth Worth, Texas, EUA.  

Ana Belén Montes, analista sénior da Defense Intelligence Agency (DIA), uma de diferentes agências de inteligência dos Estados Unidos, foi presa em setembro de 2001 e condenada no princípio do ano de 2002, acusada e julgada por espionagem a favor de Cuba.

Nas suas alegações de defesa Ana Belén Montes disse: "Considero que a política de nosso governo em relação a Cuba é cruel e injusta, profundamente hostil, considerei-me moralmente obrigada a ajudar a ilha a defender-se dos esforços para impor em Cuba os nossos valores e o nosso sistema político”.

Em declarações após a sua libertação Ana apelou a que as atenções não se centrassem nela pois, enquanto pessoa é irrelevante, e que os esforços se deviam focar nos problemas verdadeiramente importantes que afetam a nossa pátria comum.

Ficam os meus respeitos, admiração e votos de longa vida a Ana Belén Montes.  


quarta-feira, 11 de janeiro de 2023

linguagem e práticas

foto by Madalena Pires
Há uns anos o discurso público alterou-se adotando uma linguagem neutra, ou se preferirem inclusiva. Ao invés do tradicional: “Portugueses”; ou na versão regional:  - “Açorianos”; passou a ser dito: - “Portuguesas e portugueses”, ou “Açorianas e açorianos”, conforme a geografia; daí para “todas e todos”, foi um ápice. Também surfei esta onda, não em toda a sua plenitude, mas deixei-me ir com a corrente, apenas para não ter de ouvir apartes insidiosos pois, embora não considerasse necessária a utilização do feminino e do masculino para incluir os géneros, sejam eles quantos e quais forem, não queria perder tempo a dar resposta a comentários marginais. 

A utilização das palavras “todas e todos”, ou ainda “amigas e amigos” é uma redundância e, como tal, o seu uso é desnecessário. Quando ao “todas e todos” e ao “amigas e amigos” se acrescenta “todes” ou “amigues” não sei como classificar, há quem diga que é apenas ridículo.  Quando digo: - olá a todos, ou olá amigos; não estou a excluir ninguém independentemente do género dos destinatários da minha saudação, mas esta é uma discussão que deixo para os especialistas da língua, embora perceba qual o propósito que se pretende atingir e tudo o que lhe está a montante. E nesta delicada área do relacionamento humano, como em outras, nem tudo é tão simples como aparenta ser. Há sempre interesses obscuros que promovem e financiam “movimentos cívicos”, sejam eles de matriz sexual, de género, ambientais, económicos, culturais e políticos, com o propósito de daí retirar dividendos. Não quero, de modo algum, colocar em causa a militância genuína a que se entregam muitas pessoas na defesa do seu reconhecimento ou, das suas preocupações sociais e ambientais. 

(linguagem não binária)
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A esta distância temporal e face à evolução da linguagem neutra/inclusiva direi que foi um erro, sem qualquer efeito nocivo para mim ou para terceiros, ter adotado aquele discurso. Não há necessidade de “reinventar” a língua para ter práticas inclusivas. Ficar apenas pelas palavras é como se sabe, uma atitude anódina. A sabedoria popular é muito clara quanto a isso: “palavras, leva-as o vento”, mesmo quando se escrevem. Importante mesmo é o reconhecimento das diferenças que dão suporte a práticas inclusivas. Esta questão da linguagem neutra/inclusiva está diretamente ligada com as questões da identidade de género e não tanto com a orientação sexual. Quer a homossexualidade como as questões de género não resultam dos hodiernos tempos que vivemos. São questões tão antigas como a humanidade e aceites, ou pelos menos toleradas, na maioria das civilizações pré-cristãs e em todos os continentes. Alguns povos e civilizações reprimiam a homossexualidade e não aceitavam outro que não o género binário, mas esse não era o padrão. 

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A “evolução civilizacional” veio, por razões conhecidas, alterar e impor modelos de conduta sexual e a aceitar apenas o género binário. A repressão instalou-se, aliás como é norma quando se impõe um código de procedimentos às minorias. Se isto é válido para as questões de género e orientação sexual, aplica-se, do mesmo modo, a tudo o que é diferente da cultura dominante. A história dá-nos conta disso mesmo e, os exemplos são, infelizmente, muitos e conhecidos. O genocídio dos povos e a destruição das nações autóctones das Américas é, de todos esses atos, o menos enfatizado crime contra a humanidade, mas aconteceu e continua a subsistir, ainda que não faça manchetes nos jornais nem abra os noticiários das rádios e televisões.

imagem retirada da internet

A “evolução civilizacional” vai-se adaptando para perpetuar o domínio de poucos sobre muitos e as agendas sociais e políticas servem, bastas vezes, para assegurar essa estratégia. As prioridades sociais e políticas, nas sociedades ocidentalizadas, procuram dar resposta a questões e reivindicações que emergem no seio das classes médias urbanas, problemas cuja origem reside no próprio modelo de desenvolvimento que adotaram e do qual não querem abdicar. Não coloco em causa a importância dessas reivindicações, só estranho e lamento que outras, como a resolução dos problemas que estão na génese da exclusão social e da pobreza não mereçam a mesma atenção e prioridade, desde logo das classes médias, mas sobretudo dos decisores políticos que, consciente ou inconscientemente, surfam as ondas do que, nas sociedades ocidentalizadas, melhor satisfaz alguns movimentos sociais com acesso à comunicação, remetendo para a obscuridade dos guetos os excluídos e os pobres. Estas agendas políticas e sociais, ou melhor, as prioridades que lhe são conferidas são assumidas pela generalidade dos partidos e movimentos ditos de esquerda, incluindo o PS que não se sabe muito bem para que lado tomba, mas alimentam eleitoralmente a direita e engrossam as fileiras do populismo em Portugal e no Mundo. Discutir se nos textos legais a designação deve ser mulher ou “pessoa que menstrua” é inverter as prioridades políticas, adiar respostas ao combate à exclusão e à pobreza, alimentar o discurso da direita e, por conseguinte, contribuir para o crescimento do populismo.

Ponta Delgada, 10 de janeiro de 2023

Aníbal C. Pires, In Diário Insular, 11 de janeiro de 2023

terça-feira, 10 de janeiro de 2023

palavras (in)dispensáveis

foto by Madalena Pires



Excerto de texto para publicação na imprensa regional (Diário Insular) e, como é habitual, também aqui no blogue momentos.




(...) A utilização das palavras “todas e todos”, ou ainda “amigas e amigos” é uma redundância e, como tal, o seu uso é desnecessário. Quando ao “todas e todas” e ao “amigas e amigos” se acrescenta “todes” ou “amigues” não sei como classificar, há quem diga que é apenas ridículo.  Quando digo: - olá a todos, ou olá amigos; não estou a excluir ninguém independentemente do género dos destinatários da minha saudação, mas esta é uma discussão que deixo para os especialistas da língua, embora perceba qual o propósito que se pretende atingir e tudo o que lhe está a montante. (...)

domingo, 8 de janeiro de 2023

territórios literários

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(…) a poesia é, direi eu, o seu território literário (…), a afirmação é minha e foi feita durante a apresentação de um dos romances de Henrique Levy, quando me referia à sua vasta obra poética e ficcional.

Li, por estes dias, a última obra de ficção de Henrique Levy “Vinte e sete cartas de Artemísia”. Para além de outras apreciações que possa vir fazer, há uma que não posso deixar de partilhar já, este romance é, de toda a obra publicada pelo autor, a que mais me tocou. Estes são os mais sublimes e poéticos textos que, em minha opinião, o Henrique já publicou.

Tratando-se de ficção pode-se perguntar: Então e onde fica a tal afirmação (…) a poesia é, direi eu, o seu território literário (…)!? E eu direi que as “Vinte sete cartas de Artemísia” têm uma dimensão poética que em nada abala o que afirmei, o território literário do Henrique Levy é, continua a ser: a poesia.





As “Vinte sete cartas de Artemísia” são, no seu conjunto, o mais belo poema construído pelo Henrique Levy.

Aníbal C. Pires, Ponta Delgada, 6 de janeiro de 2023


quarta-feira, 4 de janeiro de 2023

Entrevista ao DI – 3 de dezembro de 2023

1 - Quais as grandes questões de São Miguel que transitam para o ano de 2023?

Não quero, nem pretendo, e, não sou, de facto, um cidadão que olha, e vê, apenas os aspetos negativos da realidade que observo. Sempre procurei, talvez por ser professor, o que de bom acontece e as transformações positivas que advêm da avaliação do “estado da arte” e das decisões, no caso vertente políticas, que são tomadas para responder ao que está menos bem.

Não há dúvidas que a democracia portuguesa e a autonomia regional alteraram substantivamente alguns indicadores sociais e económicos, melhoraram as acessibilidades e contribuíram para esbater o isolamento e o ostracismo a que os povos insulares estiveram sujeitos. Se esta constatação é uma evidência, não será menos verdade que subsistem algumas questões estruturais identificadas, até por fazerem parte da herança de um Estado centralista, às quais se juntam outras que, podendo ter uma matriz hodierna, agudizam os velhos problemas que desde os primórdios do povoamento caraterizam social e economicamente a ilha de S. Miguel.

A iliteracia, a pobreza, a emigração, a concentração da riqueza, o domínio de dois ou três grupos económicos, as assimetrias que se verificam entre os diferentes concelhos, a dependência externa, a tendência para centrar a atividade económica apenas numa atividade procurando, artificialmente, dar uma dimensão e uma escala que, mesmo a maior ilha do arquipélago não tem. Todas as questões que enumerei estão por resolver e não se vislumbra solução à vista, aliás a tendência, até pela conjuntura nacional e internacional, será para que a população micaelense continue a empobrecer e a emigrar, como sempre aconteceu. 

2 - Ao nível das perspetivas e perceções, como encaram os micaelenses o ano que aí vem?

Se na resposta à pergunta anterior poderei ter alguns micaelenses a acompanhar a minha opinião, a resposta a esta pergunta não reunirá muitos apoios pois, como sabemos, as leituras que visam antecipar o futuro próximo centram-se muito no que cada um deseja, para si e para os outros, e muito pouco na racionalidade da análise face aos dados disponíveis para perspetivar o ano que se iniciou, ainda assim sempre direi que é notório e transversal um sentimento de apreensão face ao contexto internacional e aos efeitos que está a produzir na economia e na vida das famílias.   


foto by Madalena Pires

3 - São Miguel vive problemas graves ao nível da pobreza, com índices de desigualdade de bradar aos céus. O problema é histórico. Vê saídas para uma situação tão dramática?

Aos poderes instituídos (económico e político) convém que assim seja, talvez por isso o problema da pobreza, do desemprego, da exclusão social e da educação/formação se perpetuem.

O aumento do rendimento do trabalho, o combate à precariedade laboral, a diminuição dos horários de trabalho e do limite da idade ativa são algumas das medidas, a par da educação e da qualificação profissional, que se afiguram como imperativas para por fim a esta situação que nos envergonha a todos e que contribui para o descrédito das instituições políticas e permite o avanço dos populismos de cariz neofascista.    

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4 - São Miguel está a perder população, acompanhando a tendência geral nos Açores. Embora sem estatísticas oficiais, é admitida uma forte emigração, quer definitiva, quer sazonal. Em paralelo há empresários que querem "importar" mão-de-obra". Como avalia esta dinâmica?

Parece um paradoxo. Os açorianos emigram para ir trabalhar fora da Região e do País e as empresas “queixam-se” da falta de mão de obra e até sugerem que a solução passa pela vinda de imigrantes.

Se é verdade que a demografia nos diz que a Europa e, em particular Portugal, necessitam de mais população, e que a solução imediata será forçosamente a atração de população estrangeira, não é menos verdade que os açorianos que saem do arquipélago (de S. Miguel ou qualquer outra ilha) só o fazem por não terem aqui as condições de trabalho e o rendimento que encontram noutras paragens.

Quanto aos “empresários” ao que parece continuam a ancorar as suas estratégias nos baixos salários, algumas vezes parcialmente pagos com fundos públicos, na precariedade laboral e na rotatividade dos cidadãos em estágios e programas ocupacionais. Assim será difícil estancar esta sangria de população, aliás também esta “válvula social” não é nova, a história da emigração açoriana ensina-nos isso.

Ponta Delgada, 2 de dezembro de 2023  

Aníbal C. Pires, In Diário Insular, 3 de dezembro de 2023



terça-feira, 3 de janeiro de 2023

Isadora Duncan - a abrir janeiro

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Isadora Duncan a bailarina libertária que por ser bonita, como são as mulheres que lutam, abre o mês e o ano do blogue momentos.


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Fica aqui a ligação para o trailer do filme "Isadora"