quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

Ser diferente é "fixe"(*)

Por estes dias, já noite, ao entrar na envolvente a Ponta Delgada, vindo da rotunda de Belém e ao encontro do ritual da refeição em família o meu filho mais novo, jovem de 17 anos, dizia-me: “Oh pai! Isto está a ficar fixe até parece a 2.ª circular em Lisboa. As duas bombas de gasolina e o Mcdonald’s”.
A iluminação artificial, os anúncios a colorir a noite e se relativizarmos o fluxo do tráfico viário, àquela hora menos intenso, diria que sim. Sim, tem de facto alguma semelhança. Daí até ser “fixe”, entendendo “fixe” como qualitativamente bom. Tenho, obviamente, algumas dúvidas. Dúvidas porquanto esta semelhança é sinónimo de descaracterização. As soluções encontradas enquadram-se em paradigmas de uniformidade. E isso a meu a ver não é “fixe”.
Até percebo o João! A urbanidade marca presença na matriz cultural que caracteriza as suas vivências e, conceitos como progresso, crescimento e desenvolvimento têm ainda as fronteiras indefinidas. Para o João, um confesso fã do hip-hop, é natural que o crescimento urbano e o desaparecimento de sinais de ruralidade da malha urbana e suburbana da cidade se confundam com desenvolvimento. Para isto contribui a sua juventude mas, sobretudo, a construção de representações induzidas pelos meios de comunicação, em particular pela televisão, que reproduz modelos de vida estereotipados com uma matriz cultural urbana e terciarizada.
Ao João nos seus 17 anos até aceito e compreendo aquela observação, embora tenha procurado elaborar um argumento para a desconstrução da ideia de que ser igual a este ou àquele lugar não é, necessariamente, “fixe” e muito menos indicador de desenvolvimento.
Ser diferente sim. Ser diferente é “fixe”! A diversidade é que torna a vida interessante e os lugares apaixonantes. E desenvolvimento não é sinónimo de volumetrias de betão que reduzem o horizonte, da pulverização do espaço urbano e suburbano por comércio franchisado ou de largas faixas de asfalto que nem sempre encurtam distâncias.
Não é fácil! Aliás, com o João o esforço foi inglório e não houve argumento que o fizesse mudar de opinião. Fiquei preocupado! Esta opinião de que assim é que é “fixe” não é, porventura, residual, bem pelo contrário será, com certeza, a posição dominante entre os jovens mas não só. Tenho ideia de que é também a opinião maioritária noutros grupos etários.
Sendo esta a opinião da generalidade da população não significa que o caminho que está a ser desenhado e apadrinhado pelos patrocinadores e decisores seja o do desenvolvimento. E se quanto aos patrocinadores, não fazem mais do que “vender” a ideia e concretizá-la, ou seja, este é o seu negócio, compreendo que invistam na promoção dos seus “produtos”, já no que concerne aos decisores é incompreensível que avalizem acriticamente tais modelos e optem por soluções que a prazo se irão revelar como profundamente erradas do ponto de vista do desenvolvimento e da qualidade de vida dos cidadãos.
Há quem opte por soluções e modelos de desenvolvimento urbano substancialmente diferentes com notórios reflexos na elevação da qualidade de vida dos seus habitantes e há quem insista em medir o conceito com o número de rotundas ou de fogos licenciados.
Eu, decididamente, fico-me pela “quiet city”. Opto pela tranquilidade e singularidade dos lugares.
Ponta Delgada, 11 de Outubro de 2007
* (Trago hoje um texto que já tem quase 5 anos mas que não deixou de ter atualidade. Escrito e publicado na imprensa regional em Outubro de 2007 e hoje republicado no Diário Insular)

Aníbal C. Pires, In Diário Insular, 29 de fevereiro de 2012, Angra do Heroísmo

segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012

Mais dia, menos dia vai chover

Acreditar é meio caminho andado. Acreditar incondicionalmente, por conseguinte, será ter fé e, a fé é o caminho para que tudo se explique e para que tudo se resolva, nem que seja segundo aquela velha máxima de que o que não tem remédio, remediado está.
A ministra Assunção Cristas é uma mulher de fé. Não chove mas vai chover! Assim podemos sintetizar a resposta da super ministra ao estado de seca generalizado que afeta todo o território continental. Posso até nem ser um homem de fé mas acredito que sim. Acredito que mais dia, menos dia vai chover.
O inverno seco que se está fazer sentir produziu entretanto graves prejuízos à agricultura, está na origem de ruturas no abastecimento de água às populações, contribuiu para a diminuição da produção de energia elétrica e os incêndios florestais deflagram como se fosse agosto. A resposta de Assunção Cristas a todas estas questões foi: “sou uma pessoa de fé, esperarei que chova.”
Ora aí está uma resposta à altura de um membro do governo para quem os portugueses são mercadoria para exportação e Portugal um protetorado da Alemanha, da França, quiçá, da União Europeia, nem sei muito bem se o Banco Mundial, a organização Mundial de Comércio e o Fundo Monetário Internacional também são nossos protetores, talvez sejam. Não nos faltam amigos dispostos a estenderem o seu braço protetor. Porque será!? Talvez pela seca, quiçá pela fé neste pequeno país que já foi império.
Tenhamos fé que um dia a crise acaba. Tenhamos fé que nos vão repor o valor do imposto extraordinário e dos subsídios de férias e de Natal, tenhamos fé... que um dia vamos ter horários de trabalho que nos permitam acompanhar o crescimento dos filhos e,  assim valorizar a família e, quem sabe, até aumentar a taxa de natalidade, tenhamos fé que um dia encontraremos a tal luz ao fundo do túnel, tenhamos fé...
Eu cá por mim estou como aquele que diz – “fia-te na virgem e não corras...”. Ou seja, por muita que acredite, por muita fé que tenha, julgo que o provérbio que melhor se adapta à situação será mesmo – “mais vale prevenir do que remediar”. E, como não sou pessoa para “esperar sentado” considero que só levantando a crista e lutando, e indignando-me, e insurgindo-me contra as “assunções”, com crista e sem crista, será possível prevenir pois, se assim não for, corremos o risco de, no fim, não haver luz ao fundo do túnel, corremos o risco de, no fim, não haver nada para remediar. No fim só as trevas da servidão e os néones do mercado a anunciar as vantagens do estado mínimo.
Não vou “esperar sentado”. Basta lembrar Brecht para perceber que nada temos a ganhar com a resignação e que nada é impossível de mudar.
Ponta Delgada, 26 de fevereiro de 2012

Aníbal C. Pires, In Jornal Diário, 27 de fevereiro de 2012, Ponta Delgada

quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

O Cantador


Haverá sempre muito para dizer de José Afonso, naõ vai ser hoje, no dia em que se assinalam 25 anos da sua morte mais que as palavras ditas por outros valem as sua próprias canções.
Aqui, aqui e aqui poderão ouvir algumas que o momentos já publicou.

Intolerantes tentações

Impor o dia de Carnaval como mais um dia trabalho aos portugueses não se afigura fácil. As notícias dão-nos conta de um país a “meio gás”, não se foi trabalhar por diferentes razões, ou porque está no acordo de empresa, ou porque se meteu um dia de férias, os motivos são diversos e a motivação é cultural.
Diria que, a esta imposição do Governo ao não conceder tolerância de ponto no dia de Carnaval, os cidadãos, ainda que sem mobilização sindical ou política, deram uma resposta no mínimo interessante. Os portugueses fizeram “greve” e não foram trabalhar no dia de Carnaval. Uma “greve” silenciosa mas, ainda assim, julgo que foi uma resposta adequada a um Governo que a cada dia, a cada decisão, a cada discurso, demonstra não conhecer este povo.
O Entrudo é genuinamente português, mesmo o mais famoso e mediático Carnaval do Mundo tem a sua génese neste povo que um dia, acossado pela Europa e sem outro espaço que não fosse o mar, partiu e encontrou outros povos e, miscigenou-se, e reencontrou-se. Acabar com o Carnaval por decreto, ou por falta dele, não é fácil.
O poder nunca gostou muito desta época do ano em que o povo aproveita para se exceder, em palavras e atos, e até existem alguns registos históricos onde essa tentação teve forma e letra mas, como se percebe e constata essas tentativas foram infrutíferas.
Não sei muito bem como se justificarão Passos Coelho e Paulo Portas perante os fiscais da sacra trindade (FMI, UE e BCE) que se encontram em Portugal para mais um momento de avaliação. Mas, por certo, não vai ser fácil explicar porque é que maioria dos portugueses não acatou a ordem. Bem vistas as coisas o que se passou hoje em Portugal configura uma situação de quase desobediência civil.
Não me divirto particularmente no Carnaval, no meu calendário não existem datas fixas para me recrear, procuro fazê-lo todos os dias do ano. Não é que seja um folião crónico mas, sempre que encontro uma oportunidade de me deleitar aproveito-a e, tal como procuro fazer de todos os dias Natal, também o Carnaval é quando eu quiser e puder. Isto tudo para dizer que não tenho uma particular apetência pelas folias carnavalescas, julgo que terá sido por algum trauma de infância mas, seja lá por que motivo for, as diversões do Carnaval passam-me ao lado, nem mesmo o Carnaval do Rio de Janeiro, com todos aqueles motivos de interesse, me deslumbra. Bem! Pensando melhor nem todos os carnavais me são indiferentes. O Carnaval de Veneza sim, esse sim seduz-me.
E depois temos os Bailinhos da Terceira! Já defendi publicamente que esta manifestação da cultura popular terceirense merecia uma candidatura a património cultural e imaterial da humanidade, aqui fica de novo o desafio.
Ponta Delgada, 21 de fevereiro de 2012

Aníbal C. Pires, In Diário Insular, 23 de fevereiro de 2012, Angra do Heroísmo

quarta-feira, 22 de fevereiro de 2012

(Des)emprego

O Diretor Regional do Emprego, Dr. Rui Bettencourt, afirma que o desemprego nos Açores está inflacionado, segundo o próprio porque a metodologia utilizada pelo Instituto Nacional de Estatística não é a mais apropriada.
Até poderá ser assim mas a informação que me é transmitida confirma que os números não estão inflacionados, bem pelo contrário.
A dificuldade de demonstrar a situação de desempregado é muito exigente, isto para não falar nos inúmeros cidadãos que, por diferentes razões, não estão inscritas nos Centros de Emprego.
Nos últimos meses o desemprego na Região aumentou dramaticamente e não são necessários sequer os Boletins do INE. Todos percecionamos esse fenómeno sem fazer um grande esforço.
Meter a cabeça na areia, desculpando-se com a metodologia utilizada pelo INE, é não assumir a dimensão do fenómeno e, quando não se assume o problema procurando explicações espúrias para o camuflar então, será muito difícil encontrar políticas públicas de fomento do emprego.
As medidas de austeridade, tenho-o vindo afirmar insistentemente, têm nos Açores efeitos muito mais devastadores que no território continental. Para o comprovar basta olhar e comparar a aplicação das medidas decorrentes dos sucessivos PEC’s e do “memorando de entendimento com a sacra trindade com o aumento do desemprego, o encerramento de empresas e a crescente insolvência de particulares e empresas.
Por em causa os dados de um organismo público como o INE parece-me errado, profundamente errado. O Dr. Rui Bettencort bem podia ter escolhido outro caminho para desconstruir a ideia, segundo ele, falsa, de que o desemprego na Região está àquem dos números divulgados pelo INE.
O combate ao desemprego precisa de respostas enérgica e estruturantes não de desculpas e discussões estéreis sobre a metodologia do INE.

terça-feira, 21 de fevereiro de 2012

BB


Vamos entrar num período de abstinência e de purificação mas, antes disso, e por que Deus Criou a Mulher, fica um tributo a Brigitte Bardot.

segunda-feira, 20 de fevereiro de 2012

Ativismo de sofá: participação política à distância de um clique

A participação política está a crescer. Estará? É bem possível que sim, embora tenha algumas incertezas. Se me limitar à análise das redes sociais, sem dúvida. Da antiga conversa e crítica social e política de café, ou das tertúlias temáticas, à participação mais, ou menos, ativa nas redes sociais poder-se-á considerar que sim. Hoje há muito mais cidadãos a opinarem e, isso só pode ser bom, por outro lado a informação é veiculada por diferentes fontes, sendo possível que cada um de nós formule opinião própria e independente, por conseguinte, a informação chega até nós sem o juízo prévio e o filtro das corporações mediáticas. Sim, Sem visto prévio ou censura, como quiserem.
Mais do que no passado recente somos cidadãos informados, ou pelo menos, dispomos de mais e melhor informação, cabe-nos procurá-la e evitar a informação mastigada pelos órgãos de comunicação social, por outro lado importa ainda saber procurar, no denso nevoeiro informacional que se abate sobre nós, as melhores e mais fiáveis fontes e, sobretudo procurar o contraditório e a certificação por mais de uma fonte.
Um exemplo de hoje, domingo. Ao visionar a notícia da vaia, poderia dizer monumental vaia mas, se o afirmasse estaria a fazer um juízo sobre a dimensão dos apupos e assobios de que Passos Coelho foi alvo em Gouveia, como dizia, a título de exemplo, a notícia que ouvi e vi foi, legitimamente, alvo de edição para tratar as imagens e sons registados no local, a opção de edição do jornalista e da redação foi cuidadosamente estudada, como convém. Podemos ouvir por entre os gritos da multidão a voz de preocupação do primeiro-ministro a responder a questões, algumas delas inaudíveis, de um ou outro cidadão sempre com a turba num coro protestos. Não ouvi, nem vi nenhum dos manifestantes ser questionado pelos motivos do seu descontentamento e da manifestação de desagrado que quiseram transmitir ao primeiro-ministro mas, ouvi com muita clareza as respostas de Passos Coelho, são critérios editorias legítimos. Legítimos mas, parciais.
Esta manifestação corresponde a um ato de cidadania e participação política, tal como os movimentos virtuais que se desenrolam nas redes sociais, a diferença reside na forma e, sobretudo, na disponibilidade física para assumir uma posição política.
Não pretendendo desvalorizar a importância das redes sociais mas entre clicar anunciando o apoio ou, mesmo a participação num ”evento”, e estar lá, vai uma diferença desconforme. Não faltam por aí exemplos disso, mesmo na Região.
As redes sociais têm sido importantes na mobilização de consciências e vontades, embora por lá circulem muitos “voyers” ao serviço de interesses diversos ou apenas para seu próprio prazer, o que sendo um pormenor não é de somenos importância, reconheço às redes sociais, como já referi, uma importância crescente mas, fazer ativismo político no conforto do sofá a clicar “gosto” e a digitar fervorosos apelos à indignação, não é bem a mesma coisa do que participar nas manifestações que enchem, de facto, as Avenidas da Liberdade e os Terreiros do Povo.
Ponta Delgada, 19 de fevereiro de 2012

Aníbal C. Pires, In Jornal Diário, 20 de fevereiro de 2012, Ponta Delgada 

quarta-feira, 15 de fevereiro de 2012

Para que os resignados se indignem

Podem crer, eu esforço-me e prometo a mim mesmo: – Esta semana não vou falar da crise, nem dos perigos que ela representa para a democracia e para o futuro dos meus filhos e netos.
Sento-me e olho para a folha em branco e... Não! Não posso deixar de o fazer, não posso deixar de dar um contributo, um pequeno contributo que seja, para que os resignados se indignem e se juntem aos 300 mil que encheram o “Terreiro do Povo”, se juntem aos povos que na Europa e no Mundo lutam contra a voragem do capitalismo, lutam pela democracia, lutam contra a ditadura dos mercados.
Tenho consciência plena do que tudo isto significa e passar-lhe ao lado sem utilizar todas as armas seria, assim, como se estivesses a ser cúmplice e a trair o meu povo, não o fazer seria trair todo o percurso de lutas da humanidade para se libertar da tirania e da indignidade. Um percurso onde ainda falta muito caminho para andar e muitas lutas para travar mas... vamos (íamos) caminhando.
Já todos percebemos e até comentamos que aquilo que a Alemanha não conseguiu pela força das armas está a consegui-lo pela via pacífica. Pois bem, então esperamos o quê para nos revoltarmos perante esta imposição que, não sendo bélica, é ilegítima e configura uma agressão externa. Claro que não é só a Alemanha, ou melhor, não é a Alemanha, são as corporações e oligopólios financeiros os verdadeiros responsáveis, como o foram nos conflitos que a Alemanha protagonizou na primeira metade do século XX.
Tudo isto se pode resumir nesta frase: “Se os povos da Europa não se levantarem, os bancos trarão o fascismo de volta”. As palavras são do compositor Mikis Theodorakis e foram proferidas recentemente.
Não estou a dramatizar a situação e muito menos a ser piegas e, também não me parece que o compositor grego o estivesse a ser. Estou apenas a ser realista. A democracia não funciona, a vontade dos povos não é respeitada, estamos a ser desprovidos da liberdade e, a cada nova imposição da sacra trindade (FMI, BCE e UE) ficamos mais pobres e lá se vai mais um pouco da soberania nacional.
Não podemos continuar a tolerar que a crise financeira seja resolvida com o empobrecimento dos cidadãos, com o aumento da carga fiscal, com a privatização dos setores sociais do estado.
Não nos podemos resignar. As agências de notação reforçam o seu poder na resignação dos povos. Enquanto escrevia este texto chegou a notícia – “Moody’s volta a atacar”. E o ataque consubstancia-se no seguinte: “A agência de notação financeira Moody's baixou esta segunda-feira a notação de Portugal, Espanha, Itália, Eslováquia, Eslovénia e Malta. Em comunicado, a Moody's anuncia ainda que se prepara para rever em baixa a notação máxima atribuída à França, Inglaterra e Áustria.”
A propósito, alguém se lembra da crise da Islândia!? Pois é! As corporações mediáticas não nos têm dado conta de como tem evoluído a situação islandesa, não vá este povo servir de inspiração a outros, o que a acontecer seria uma verdadeira chatice para os sacrossantos mercados e para os seus fiéis seguidores.
Horta, 13 de fevereiro de 2012

Aníbal C. Pires, In Diário Insular, 15 de fevereiro de 2012, Angra do Heroísmo

segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012

Dizem que foram mais de 300 mil

O descontentamento tem crescido mas, porque ainda reina muita resignação, o objetivo não era fácil, diria mesmo que era ambicioso. No Terreiro cabe lá muita gente mas o Terreiro encheu de povo. Dizem que foram mais de 300 mil as vozes de protesto que se fizeram ouvir. E aqueles portugueses, diz-se que foram mais de 300 mil, não me pareceram piegas como o primeiro-ministro resolveu apelidar este povo, nem subservientes como o ministro Gaspar, curvado perante o seu homólogo alemão.
Foram mais de 300 mil vozes a exigir respeito por Portugal, foram mais de 300 mil vozes a exigir que se ponha cobro à agressão estrangeira, foram mais de 300 mil vozes a exigir a soberania e a independência de Portugal. Sim, é de soberania e de independência nacional que se trata, aliás a expressão de que Portugal é um protetorado tem sido utilizada por algumas personalidades que não foram ao Terreiro, nem têm nenhuma particular simpatia pela luta de massas.
O momento histórico que estamos a viver e as lutas que se estão a travar são em defesa das conquistas civilizacionais que sofreram nos últimos anos um retrocesso que nos transporta para qualquer coisa semelhante à servidão, realidades do passado apresentadas agora como uma solução da pós-modernidade, mas estas lutas são-no, também, pela soberania nacional. A luta é um imperativo patriótico.
O processo de construção da União Europeia fracassou. O seu fracasso fica dever-se, desde logo, ao afastamento dos povos dos processos decisórios e à vontade de um poder oculto – corporações e oligopólios financeiros – cujos rostos mais visíveis se constituem como uma dupla maravilha – a “Bola de Berlim” e o “Meia Leca de Paris”. Não será a linguagem mais apropriada para me referir a Angela Merkcl e a Nicolas Sarkozy mas, se estas duas personalidades se permitem tecer as mais inusitadas considerações sobre os portugueses e Portugal, então arrogo-me no direito de os caricaturar como muito bem me apetecer.
Não é novidade pois já todos devem ter percebido mas vale a pena recordar que a União Europeia tem uma Presidência, uma Comissão e um Parlamento. Se a Presidência por ser rotativa e simbólica não se faz ouvir, já a Comissão e, desde logo o seu Presidente, o português Durão Barroso, tem-se apagado face à intervenção da dupla maravilha e só se pronuncia depois das cimeiras do eixo franco-alemão e, quando o faz diz: amém, que sim que tem de ser; quanto ao Parlamento, o único órgão da União Europeia eleito, tem poderes limitados e a sua composição é o reflexo político dos interesses do tal poder oculto a que já me referi. Tudo isto para recordar o que todos já percebemos a dupla maravilha já dispensou o seu porta-voz e agora são os próprios, em comunicação bilingue, a anunciar as decisões da União Europeia.
E, é este poder oculto mas com rostos nos Governos, na Comissão Europeia, nos parlamentos europeu, nacional e regional, que corrói e corrompe a democracia. É este poder oculto que nos priva da capacidade de decidir sobre o nosso próprio futuro. É este poder oculto que não quer a participação dos povos nos processos decisórios.
É este poder oculto que nos quer subtrair a dignidade e que tudo quer privatizar. Quando digo tudo privatizar é, mesmo tudo como se passou na Bolívia, antes de Evo Morales chegar ao poder, onde até a água da chuva foi privatizada, ou seja, os cidadãos tinham de pagar pela água da chuva que recolhiam. Parece mentira. Pois, mas não é, nem mentira, nem nenhuma brincadeira de mau gosto, nem propaganda anticapitalista é, tão-somente um facto que diz bem do que estamos a falar.
Foi em defesa das conquistas civilizacionais, foi em defesa da dignidade humana mas foi, também, contra as privatizações que mais de 300 mil portugueses encheram o Terreiro que naquela tarde foi do Povo.
Horta, 12 de fevereiro de 2012

Aníbal C. Pires, In Jornal Diário, 13 de fevereiro de 2012, Ponta Delgada

sábado, 11 de fevereiro de 2012

Terreiro do POVO




Quando temos um primeiro ministro que nos chama piegas e um ministro das finanças que se coloca de cócoras perante o seu congénere alemão a resposta foi esta.
Hoje foram mais de 300 mil que se manifestaram por Portugal, pela dignidade de um POVO
Amanhã serão muitos mais!

As fotos foram tiradas daqui



quarta-feira, 8 de fevereiro de 2012

Perplexidades

Não sou especialista da ciência económica e talvez por isso a minha dificuldade em perceber o alcance de algumas afirmações e opiniões que vou ouvindo e lendo, aliás assim como não compreendo as opções políticas e económicas que o atual governo português tem vindo tomar para sair do ciclo recessivo em que a economia nacional se encontra. Como tenho dificuldade, reconheço-o com todo o à-vontade, ando a ler assim como uma espécie de manual de economia que dá pelo título: “Compreender a Economia”, do académico Jacques Gouverner; ainda não concluí a leitura e, talvez por isso, as perplexidades e dificuldades subsistam e, num aspeto ou outro até se agudizaram.
Fico preocupado quando ouço o primeiro-ministro falar em aliviar o peso do Estado para disponibilizar apoios financeiros para as empresas, a preocupação aumenta quando, na mesma linha de pensamento e ação constato que a Dra. Berta Cabral anunciou que o PSD vai propor, com caráter de urgência, uma recomendação para a criação de um Fundo de Reestruturação Empresarial dos Açores (FREA), clonando um sistema criado no continente em 2009. A data é importante, por duas ordens de razão, primeira: foi criado pelo governo de José Sócrates; segunda: os resultados estão à vista - a economia nacional daí até agora continuou a afundar-se numa profunda recessão.
Estes são apenas dois exemplos que, na minha modesta opinião de leigo, considero contraditórios. Vejamos: quer Passos Coelho, quer Berta Cabral são adeptos confessos do Estado minimalista e das virtualidades do livre mercado, porém quer um quer outro pretendem utilizar os fundos do Estado para interferir no mercado.
Por outro lado e quando analisamos os contributos para a receita do Estado e da Região verificamos que são os impostos sobre os rendimentos do trabalho (IRS) e o imposto sobre o consumo (IVA) que mais contribuem para receita pública, sendo que os impostos sobre o capital representam a parte com menos significado na formação da receita pública.
Será que posso concluir que aquilo que Passos Coelho e Berta Cabral pretendem é utilizar a receita pública proveniente dos rendimentos do trabalho e do consumo para apoiar o setor empresarial privado!? Não deve ser assim, devo ter percebido mal, afinal o modelo económico defendido pelo primeiro-ministro e pela líder do PSD Açores é um modelo liberto da tutela do Estado e onde as empresas competem entre si transacionando serviços, bens e produtos, gerando desta forma as suas próprias receitas e mantendo a sua independência face a uma indesejada estatização da economia.
Não sendo um especialista em ciências económicas, como já referi, esse facto não me inibe de ter e emitir opinião e, neste caso tentar perceber o que se pretende com a tão propalada liberalização da economia, designadamente com os setores sociais, que constitucionalmente são uma competência que cabe ao Estado, mas também com setores estratégicos da economia como são a energia e os transportes. A propósito não posso deixar de constatar que alguns neoliberais menos consistentes deitaram as mãos à cabeça e gritaram - “aqui d’el-rei” que agora a EDP está sobre controlo estrangeiro. Pois!
Que a riqueza é gerada pelo trabalho ninguém tem dúvidas, que a acumulação do capital resulta, no essencial, da exploração do trabalho também não oferece grandes dúvidas, que grande parte da receita pública provém diretamente dos impostos do trabalho e do consumo é, igualmente, um facto mensurável.
Assim, e por conseguinte, a liberalização não pretende mais do que acentuar a exploração do trabalho (veja-se o mais recente “acordo” laboral), aumentar a receita pública através do agravamento dos impostos sobre o consumo e o trabalho, para depois exigir, ao tal Estado que não quer, apoios para as suas dificuldades de tesouraria e para a reestruturação das dívidas das empresas. Claro que não é só isto, mas também o é.
O apoio às empresas pode e deve ser objeto de políticas públicas. Sem dúvida, a minha divergência situa-se na metodologia, mais do que apoios financeiros públicos, por vezes, de eficácia duvidosa as empresas necessitam de clientes, clientes com rendimento disponível para consumir.
Tendo-se verificado uma quebra brutal no rendimento do trabalho e das famílias, naturalmente, o consumo sofreu a proporcional retração e as dificuldades das empresas aumentaram. No assalto aos rendimentos do trabalho e no agravamento fiscal reside grande parte das dificuldades do setor empresarial regional. Parte da solução está à vista e ao alcance das competências autonómicas.
Ponta Delgada, 06 de fevereiro de 2012

Aníbal C. Pires, In Diário Insular, 08 de fevereiro de 2012, Angra do Heroísmo

segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012

Manda o bom senso

O bom senso manda, e a economia também o devia fazer, que as atividades económicas sejam desenhadas garantindo a sua sustentabilidade. Os modelos de desenvolvimento económico de algumas escolas fundam-se apenas no crescimento e maximização do lucro, sem terem em consideração os necessários equilíbrios que garantam a sua sustentabilidade. Tudo isto - está bom de ver - em nome do livre mercado, da competitividade e da globalização.
A riqueza e excelência do património natural dos Açores é o recurso mais importante com que podemos contar para o desenvolvimento sustentável do nosso arquipélago. Em terra e no mar a natureza bafejou-nos, saibamos nós preservar, valorizar e potenciar esta bênção, à qual acrescento um singular e rico património cultural (imaterial e material) de 5 séculos de vivência insular e telúrica.
A natureza, a qualidade ambiental, a paisagem humanizada e o património cultural são os melhores atributos para um modelo de turismo sustentável na Região. Qualquer tentativa de acrescentar, artificialmente, mais acessórios ao destino Açores só poderá contribuir para que a sua excelência e singularidade se arruínem.
O turismo nos Açores, setor económico que a partir de 2000 ganhou estatuto de estratégico, foi desde os primórdios enformado por princípios que mereceram fortes críticas de diferentes áreas políticas, sociais e económicas. Reservas que não foram devidamente atendidas pelos responsáveis políticos, responsáveis que hoje se confrontam (embora os protagonistas tenham mudado) com as dificuldades próprias de um setor exposto à volatilidade das conjunturas externas desfavoráveis mas, também dificuldades decorrentes do modelo traçado para o setor.
As unidades hoteleiras sobredimensionadas proliferaram como cogumelos no Outono, o jogo de casino e o golfe foram apresentados como as âncoras do modelo. É claro que não é de todo alheia, a estes tiques de novo-riquismo, a ilusão dos fundos europeus. Que bom que é (foi) investir do próprio 15, 20, 25 ou mesmo 30% e o resto fica(va) por conta dos apoios europeus a fundo perdido. Só que o fundo não era perdido e, como já todos percebemos, estamos agora a iniciar o processo de pagamento da fatura por se terem utilizado a torto e a direito os fundos estruturais e de coesão. Bem vistas as coisas por conta dos apoios europeus fez-se o necessário e, fez-se o acessório, endividou-se o Estado, as Regiões e os Municípios e a dívida pública cresceu, cresceu...
Cresceu a dívida pública por conta do acessório porque o essencial para desenvolver o turismo na Região está, ainda, por fazer – garantir as acessibilidades.
Garantir as acessibilidades internas e externas adequando o modelo de transportes à nossa realidade insular e arquipelágica, ou seja, com uma forte complementaridade entre o transporte aéreo e o transporte marítimo. Garantir a acessibilidade dos cidadãos ao transporte por via da prática de um tarifário que promova a sua mobilidade.
A oferta hoteleira está sobredimensionada e desequilibrada, excessiva em algumas ilhas e deficitária noutras e, as âncoras do setor mais parecem ultra leves. O golfe falido em S. Miguel e a desaconselhar outras promessas de investimento, o jogo não passaria de uma miragem não fosse aquele edifício abandonado na marginal de Ponta Delgada a lembrar-nos que se destina a albergar um casino e, à falta deles, mais um hotel.
Manda o bom senso e, quiçá, a ciência económica que se reveja o modelo de turismo nos Açores.
Ponta Delgada, 05 de fevereiro de 2012

Aníbal C. Pires, In Jornal Diário, 06 de fevereiro de 2012, Ponta Delgada

quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012

Porque hoje é quinta feira de amigas

Mais Alto


Mais alto, sim! mais alto, mais além
Do sonho, onde morar a dor da vida,
Até sair de mim! Ser a Perdida,
A que se não encontra! Aquela a quem



O mundo nao conhece por Alguém!
Ser orgulho, ser águia na subida,
Até chegar a ser, entontecida,
Aquela que sonhou o meu desdém!



Mais alto, sim! Mais alto! A Intangível
Turris Ebúrnea erguida nos espaços,
A rutilante luz dum impossível!



Mais alto, sim! Mais alto! Onde couber
O mal da vida dentro dos meus braços,
Dos meus divinos braços de Mulher
!


Florbela Espanca

Santa Maria, apontamentos fotográficos






quarta-feira, 1 de fevereiro de 2012

Argumento preconceituoso

O senhor Allan Katz, Embaixador dos Estados Unidos em Lisboa, tomou a iniciativa de escrever ao Presidente da Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores (ALRAA) aconselhando os órgãos de governo próprio a reverem a sua posição sobre a proibição do cultivo de organismos geneticamente modificados (OGM). Não é um facto novo e as diferentes posições políticas sobre o assunto são conhecidas, percebendo-se a existência de uma linha comum na crítica a esta inusitada iniciativa do embaixador - o senhor Katz exorbitou as suas competências.
O PCP Açores apresentou na ALRAA um voto de protesto pelo teor e despropósito da missiva do embaixador à ALRAA. O voto veio a ser reprovado pelo PSD e CDS/PP, com o argumento de que enformava de antiamericanismo congénito, com uma absurda abstenção do PS e o voto favorável do PCP, BE e PPM
Darei como prémio uma “D. Amélia”, uma “queijada da Vila” ou, uma “queijada da Graciosa”, conforme a preferência, ou seja, darei um doce a quem encontrar, no texto do voto apresentado, uma palavra que seja, da qual, implícita ou explicitamente, se possa inferir ou concluir qualquer sentimento antiamericano.
O preconceito pode levar a conclusões precipitadas. O PSD e o CDS/PP concluíram que sendo o “voto de protesto” da autoria do PCP só podia ser antiamericano, nada mais falso. Claro que os deputados do PSD e do CDS/PP leram e perceberam o conteúdo e o alcance do voto cujo objeto era, como se pode verificar, apenas o de salvaguardar o direito do Povo Açoriano a decidir livremente, sobre esta e outras matérias sobre as quais tem competências.
A paradoxal abstenção do PS viabilizou a reprovação, pelo PSD e pelo CDS/PP, do seguinte:
“A Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores lamenta a atitude do Senhor Embaixador dos Estados Unidos da América em Lisboa, que considera como exorbitando o que deve ser a sua postura e atribuições e reafirma a sua firme resolução de não ceder a quaisquer pressões, interferências ou tentativas de influência na realização da vontade do Povo Açoriano.”
A argumentação para justificar a subserviência e não repudiar a ingerência foi, desta vez como em muitas outras, o preconceito em relação ao PCP que ainda colhe apoio na opinião pública, apoio que o PSD e o CDS/PP mas, também o PS, sabem que existe e não se cansam de alimentar mesmo que isso signifique trair o seu povo.
Este é apenas mais um exemplo que confirma o abandono de qualquer sentimento de patriotismo, de defesa da soberania e da autonomia pelos partidos políticos que exercem o poder em Lisboa e nos Açores... Até que os povos se decidam a ser livres.
Ponta Delgada, 31 de janeiro de 2012

Aníbal C. Pires, In Diário Insular, 01 de fevereiro de 2012, Angra do Heroísmo