quarta-feira, 24 de agosto de 2011

Uma estranha aliança

Ao fim de 5 meses de bombardeamentos da NATO e outros tantos de apoio militar por forças especiais dos Estados Unidos, Inglaterra e França os “rebeldes” líbios chegaram a Tripoli e preparam-se para tomar o poder.
As semelhanças com o que aconteceu na antiga Yugoslávia são mais do que meras coincidências. O artificialismo, o financiamento e o apoio da “revolta” líbia pelos Estados Unidos e pela União Europeia envergonham ou, deviam envergonhar, os cidadãos que calmamente foram assistindo a mais esta violação do direito internacional que fez de uma Resolução das Nações Unidas, já de si duvidosa, que mandatava as forças internacionais para garantirem a exclusão aérea, num autêntico acto bélico contra o povo líbio e transformou uma “medida preventiva” na invasão de um país soberano cujo presidente até há bem pouco tempo se passeava, adulado pelos seus congéneres, pelas capitais europeias.
Para mais esta acção, cuja finalidade é o controlo das reservas de petróleo (2 vezes mais que as dos Estados Unidos), o império e os seus aliados europeus contaram com o apoio das corporações da comunicação social alinhada que foi mostrando o que quis e construindo representações bem distantes da realidade vivida durante este período de 5 meses e que agora, ao que tudo indica, se está a aproximar do fim.
Seguir-se-ão, certamente, a Síria e o Irão, embora este último seja mais complexo devido à suposta posse de armamento nuclear e, no caso sírio não será tanto o recurso energético mas a conclusão do objectivo que visa colocar toda uma rica e complexa região sob a esfera de influência estratégica dos Estados Unidos.
Não posso deixar de ligar todos os acontecimentos recentes e menos recentes que tendem a repor a influência e o domínio (neo)colonial, seja pela força das armas, seja impondo padrões culturais, sobre antigas colónias e protectorados.
Numa análise, ainda que superficial, ao período que medeia a descolonização pós 2.ª Guerra Mundial e os nossos dias com facilidade se conclui que o “Mundo de Múltiplas Vozes” fruto dos avanços civilizacionais que se seguiram ao fim do conflito, Mundo que atendia à intrínseca realidade da humanidade e às aspirações de independência dos povos, tem vindo paulatinamente a ser “invadida” por antigas e novas potências coloniais. O domínio político, económico e cultural das antigas potências prevalece de novo nas antigas colónias. Domínio imposto pela força das armas ou pela difusão de um certo modo de vida. Modo de vida que não respeita a diferença seja ela cultural ou religiosa mas, sobretudo não respeita modelos de desenvolvimento que fujam ao padrão do capitalismo selvagem em que nos estamos a afundar.
Sobre os indicadores de desenvolvimento humano na Líbia aconselho uma análise aturada dos relatórios do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) mas sempre vou dizendo que este país agora desmantelado e flagelado pela gula neocolonial apresenta os melhores indicadores de todo o continente africano e, por outro lado é sabido que o sistema financeiro líbio não depende do sistema financeiro internacional e, ainda, que a Líbia não só garantia emprego para os seus cidadãos como acolhia alguns milhões de imigrantes vindos dos países vizinhos.
Estranhos, mas mesmo muito estranhos, são os relatos dos últimos dias que dão conta de um chamamento à insurreição vindo dos auto-falantes das mesquitas de Tripoli logo após o início da operação “Mermaid Dawn”. O apelo feito pelas mesquitas foi dirigido às células adormecidas da Al Qaeda que posteriormente foram armadas com equipamento militar vindo de uma embarcação da NATO que fundeou ao largo da capital líbia, seguiram-se confrontos do qual resultaram algumas centenas de mortos e milhares de feridos. Hoje ao fim do dia Tripoli era já controlada pelos “rebeldes”.
Uma interessante aliança que eu, tal como a maioria dos leitores, não julgaríamos possível. Mas ao que parece foi. E não terá sido a primeira vez que esta estranha aliança foi activada.
Ponta Delgada, 22 de Agosto de 2011

Aníbal C. Pires, In Diário Insular, 24 de Agosto de 2011, Angra do Heroísmo

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