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Imagem retirada da internet |
Resistir até resisto, mas face ao desconhecimento e ausência de pensamento crítico que reina por aí, Desisto. Desisto apesar de estar médica e familiarmente aconselhado a não o fazer. E cá estou eu a pegar, mais uma vez, num assunto sobre o qual a generalidade dos meus concidadãos já tem opinião formada a qual não é coincidente com a minha, neste caso trata-se da lei do financiamento dos partidos. O juízo e a condenação estão feitos pelo povo e, a pena foi já aplicada pelo Presidente da República, a generalidade dos réus aceitou, sem recorrer do veto presidencial e da condenação popular, ou melhor, da condenação populista corporizada em Marcelo Rebelo de Sousa.
Mas será que todos os aspetos foram tomados em devida conta na formação da opinião pública. Tenho ideia que não e, sendo assim, houve um claro propósito de mistificar este assunto que, sem dúvida, diz respeito a todos nós e, como tal, ao funcionamento do sistema democrático.
No essencial, foram duas as questões que contribuíram para a condenação pela opinião pública das alterações à lei de financiamento dos partidos e que o Presidente da República assumiu como suas para justificar o veto político. A saber, i) o secretismo do processo; e, ii) a isenção do IVA. Estas duas questões foram suficientes para a condenação das alterações à aludida lei.
O que ficou por dizer foi muito mais e, diria eu, se tivesse sido dito talvez o resultado final não fosse o conhecido.
A revisão da lei de financiamento dos partidos aconteceu para dar cumprimento às indicações do Tribunal Constitucional e não porque qualquer um dos partidos que subscreveu a proposta e a aprovou tivesse tomado a iniciativa.
A lei data de 24 de Abril de 2003 e é, de facto, absurda, antidemocrática e inconstitucional pois, impõe limitações de atuação dos partidos, confunde fiscalização com ingerência e fere a liberdade de organização política. Chegado aqui julgo que os leitores estarão, com toda a legitimidade, a perguntar, Então porque é que os partidos a aprovaram. Bem, a lei não mereceu aceitação unânime, mas a sua aprovação ficou a dever-se ao facto de a lei consagrar elevados financiamentos públicos para a atividade partidária. Julgo chegado altura de me socorrer de alguns números da Entidade das Contas e Financiamentos Políticos junto do Tribunal Constitucional para procurar demonstrar quais os partidos políticos que beneficiam com a atual lei.
No período de 2011 a 2015 pode verificar-se que do total de receitas, subvenções públicas e fundos próprios, as subvenções públicas representavam 82,7%, no caso do PSD, 69%, no caso do PS, 96% no caso do CDS/PP, 78,8%, no caso do BE e, 11,2%, no caso do PCP.
Estes números são suficientes para se perceber quem são os beneficiários e, por outro lado, qual partido que é visado com o texto da atual lei.
As alterações que foram introduzidas na lei e que mereceram a condenação pública, bem assim como o veto do Presidente da República, não alteravam esta comprovada matriz de dependência, da generalidade dos partidos políticos, das subvenções públicas, mas também não aumentavam o seu valor. As alterações abriam a possibilidade de maior iniciativa própria para recolha de fundos sem prejuízo do controlo existente, isto é, as alterações abriam a possibilidade de tornar os partidos menos dependentes das subvenções públicas. O financiamento público dos partidos terá de sofrer, em minha opinião, uma significativa redução. Ora isso, como se pode verificar, não interessa a todos os partidos.
Quanto à questão da devolução do IVA, já estava consagrada e em vigor, as alterações visavam por fim à discricionariedade de interpretação da Autoridade Tributária, apenas isso. Embora seja aconselhável fazer uma consulta ao Código do Iva e espantarem-se com a quantidade, podem ou não concordar, de atividades que estão isentas de IVA. Façam isso e talvez tenham algumas surpresas.
O tal secretismo foi apenas mais uma acha para atiçar o populismo de que a classe média é a principal intérprete. Com mais ou menos reserva, com mais ou menos publicidade nada acontece na Assembleia da República que não seja público. Alguém se distraiu, e não fui eu.
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Foto by Aníbal C. Pires |
Por fim, apenas mais uma ou duas notas genéricas sobre as questões do populismo que continuam a ser alimentadas, muitas vezes, por alguns cidadãos que pelas responsabilidades socias e culturais e, pela missão intrínseca ao seu ofício colocam em causa a imagem profissional de toda uma classe.
Nos últimos dias dei conta de algumas afirmações, com origem em educadores e professores, que há falta de outros argumentos para justificar as suas próprias opções enveredaram por um ataque cerrado aos deputados regionais com base em ideias feitas, mas totalmente erradas.
A aposentação dos deputados, o pagamento de subvenções vitalícias e a sua relação com regimes especiais de aposentação, bem assim como o designado subsídio de reintegração na vida ativa acabaram em 2005. Ou seja, quem recebe subvenções vitalícias são os ex-deputados que até 2005 reuniram condições para o efeito. Os regimes de assistência na doença e de ajudas de custo dos deputados nos Açores é idêntico ao da administração pública regional, os salários são públicos e indexados ao salário do Presidente da República, bem na Região Autónoma da Madeira existe um regime próprio, e o atual salário de deputado equipara-se ao salário de um educador ou professor no topo da carreira.
É lamentável que alguns educadores e professores, poucos, mas ainda assim alguns, seja tão permeável à manipulação e ao domínio, colocando em causa a imagem de toda uma classe profissional que tem por missão a transmissão do conhecimento e a promoção do pensamento crítico.
Ponta Delgada, 07 de Janeiro de 2018
Aníbal C. Pires, In Azores Digital, 08 de Janeiro de 2018