terça-feira, 31 de março de 2020

O medo é pior que o vírus


Texto da entrevista publicada hoje (31-03-2020) no Diário Insular






1 - De um momento para o outro, a liberdade de que nos orgulhamos de usufruir passou a estar confinada a pouco mais do que as quatro paredes de uma casa. Algum dia pensou que uma história destas pudesse ocorrer em tempos de sua vida?

Não, de facto nunca pensei que viveria um tempo como este, contudo, existia em mim alguma apreensão face à leitura que fazia, e faço, de alguns indicadores preocupantes que o Mundo estava e continua a viver.
Julgo que qualquer cidadão mais atento e informado se preocupava, e deve continuar a preocupar, com as questões ambientais, com um modelo de desenvolvimento que caminha a passos largos para o colapso, com o drama dos refugiados e migrantes e com a crescente ascensão ao poder de forças políticas populistas de cariz neofascista. Mas também com o estado de guerra híbrida(*)  em que o Mundo tem vivido nos últimos anos e que agora, em minha opinião, se vai acentuar, aliás os sinais já aí estão. 
Para melhor se perceber o conceito de guerra híbrida deixo em nota de roda pé uma síntese do conceito.


2 - Já há sinais de stress e vamos com poucos dias "disto"... Se as quarentenas e os confinantes se prolongarem, correremos riscos sérios quanto a caos social e eventual indiferença face ao vírus que nos retém?

Não tenho dúvidas que assim será. Em conversa com alguns amigos, com a distância que as novas tecnologias de informação nos permitem, tenho confessado a minha apreensão quanto aos efeitos na sanidade mental dos cidadãos e às consequências que daí podem resultar. Temos de conter a pandemia, Sem dúvida, e, para isso é necessário o confinamento. Mas temos de estar muito atentos à generalização do medo e aos comportamentos que daí podem resultar.
É em quadros sociais desta natureza que o pior de nós se manifesta e, na minha opinião, esses sinais já são visíveis aqui na Região, apenas para não ir mais longe, onde o comportamento já passou das palavras à ação violenta. O medo pode causar mais estragos que o próprio vírus.

É uma boa altura para ler “Os Loucos da Rua Mazur”, do João Pinto Coelho e tomar consciência de, até onde pode ir o comportamento humano em situações extremas.

3 - As nossas sociedades de democracia liberal estão, desde há muito tempo, a dar sinais de degradação. Com o impacto da COVID19 e uma eventual má gestão do problema, poderão abrir-se janelas para outros sistemas, como se abriram, por exemplo, com convulsões semelhantes nas primeiras décadas do século XX?

Estou certo que sim. Daí a importância de estarmos atentos e atuantes para contrariar a imposição de medidas que, sob um novo embrulho de uma nova ordem mundial, venha repor o modelo neoliberal instalado, ainda que, com novas configurações.
É sabido que durante ou após situações catastróficas, de origem natural, ou por ação humana, os povos aceitam com alguma passividade soluções que, a prazo, ou mesmo no imediato, lhes irão custar caro, seja nos direitos, seja no rendimento. Daí a necessidade de nos mantermos informados, atentos e atuantes. E quando digo informados é bom que, seja qual for o suporte onde colhemos a informação, verifiquemos a autenticidade das notícias protegendo-nos assim de uma das armas mais eficazes da guerra híbrida, as fake news.

4 - Apesar dos avisos, a aposta na ciência foi sempre insuficiente e o problema dos vírus parece não ter sido levado muito a sério. Até que nos surge um problema desta dimensão. Será que no pós-crise olharemos as ameaças reais à nossa sobrevivência com outros olhos ou a tendência será voltar ao mesmo de sempre?

Tenho esperança que assim seja, mas tenho outras tantas dúvidas quanto à ação coletiva e às opções políticas do pós pandemia.
A situação que vivemos cria um cenário em que se evidencia a necessidade de mais Estado, ou seja, aquela máxima neoliberal do “menos Estado melhor Estado” caiu, e são os indefetíveis do mercado que hoje mais clamam pelo Estado. 
Será desejável que na pós pandemia os cidadãos exijam, de facto, mais Estado, na saúde pública, desde logo, mas também noutros setores. Veja-se por exemplo o caso dos Açores e as medidas que foram tomadas para os transportes aéreos pelo Governo Regional. As ligações interilhas e a decisão da Azores Airlines só voar para S. Miguel, só foi possível porque a SATA é uma empresa pública. Foi o acionista que determinou a suspensão dos voos e do contrato de concessão das obrigações de serviço público. O tal mercado ainda mantém a TAP e Ryanair a voar, embora no caso da TAP o Governo da República tenha responsabilidade direta na manutenção da ligação à Região. Claro que deixando, naturalmente, de haver mercado e a Ryanair suspende os voos.
Há muito para refletir e mudar no nosso modo de vida, mas os vírus sendo qualquer coisa entre a química e a biologia ao que parece aprendem mais depressa que o homo sapiens.

Mas como disse, Tenho esperança que sim. Tenho esperança que individual e coletivamente se alterem modos de vida e comportamentos destrutivos induzidos por modelos económicos ancorados na tese do aumento continuado do consumo (recursos), sabendo-se que os recursos do planeta são finitos.

(*)Conjunto de táticas de guerra política, guerra convencional, guerra irregular e ciberguerra ao qual se associam, ainda, outros métodos de influência como, por exemplo, as fake news, a diplomacia, a lawfare e a intervenção eleitoral externa.

Ponta Delgada, 26 de Março de 2020

terça-feira, 24 de março de 2020

Como evitar as fake news

Tenho, por dever de cidadania, evitado saídas à rua. Quando saio procuro fazê-lo a horas e locais onde não há, ou pressuponho que não haja, grande concentração e circulação de pessoas e dentro do quadro que legalmente está em vigor. Pelo mesmo motivo, dever de cidadania, tenho-me escusado a produzir e difundir escritos de opinião.

Desde o início desta “crise”, é assim que vou continuar a designar a propagação do covid19 e os seus efeitos sociais, culturais, políticos e económicos, apenas vim a terreiro com uma publicação no meu blogue que depois difundi nas plataformas digitais, erradamente designadas por sociais. E fi-lo por entender que a generalidade das medidas tomadas pelo Governo Regional e a atuação da Autoridade Regional de Saúde mereciam, e continuam a merecer, o meu apoio.

Hoje, e face a uma notícia que circulou nas redes digitais, entendi ser meu dever escrever e partilhar umas notas sobre a forma como se está a travar esta luta no plano da comunicação.
Não da comunicação institucional, embora sinta que devo deixar uma nota de agrado pela excelência da comunicação institucional que emana da Autoridade Regional de Saúde, pela voz do Diretor Regional.

Mas, como dizia, não é sobre a comunicação institucional as notas que vos deixo por aqui, é sobre a informação difundida pelos órgãos de comunicação social, ditos de referência, e também pela informação que é partilhada nas plataformas digitais. Infelizmente nem uma nem outra obedecem a critérios básicos de confirmação nas fontes, já não digo na fonte primária, mas ao menos exigia-se algum esforço para confirmar a veracidade da informação, ao menos isso.

Uma estação de televisão, Não, não é essa, passou uma notícia sobre incidentes em Londres e as pessoas preocuparam-se por que os conflitos foram relacionados com a “crise” do covid19. Nesse mesmo dia verificou-se que as imagens difundidas afinal remontam a 2011 e os conflitos, naturalmente, tiveram outras causas. Era falsa a notícia e não, não havia necessidade.

Li algures por aí, e como eu terão lido muitos outros cidadãos por esse Mundo fora que os Estados Unidos já tinham uma vacina para o covid19, e, tendo sido ministrada tinha curado um doente. Bem, tanto quanto sei as vacinas previnem, Não curam. Por outro lado, os protocolos científicos para que uma vacina seja posta à disposição demoram o seu tempo, mesmo sabendo que, um pouco por todo o Mundo, se está a fazer um enorme esforço para que a vacina, ou vacinas, possam estar concebidas e testadas seria, digo eu, impossível ter a vacina disponível em tão curto espaço de tempo. Também esta notícia, como já se sabe, foi desmentida.

A notícia de hoje era a de uma morte, a primeira, nos Açores devido ao covid19. Foi um tal partilhar nas plataformas digitais que até doía. Pouco tempo depois a informação institucional veio desmentir. Não, ainda não morreu ninguém nos Açores devido ao covid19. Este tipo de atitude para além de gerar ondas de medo que em nada contribuem para a sanidade mental dos cidadãos obrigou a Autoridade Regional de Saúde a um esforço suplementar para vir a público desmentir a notícia, numa altura em que a sua atenção, tempo e recursos não podem, nem devem ser gastos a corrigir os erros comunicacionais de terceiros.

Se algumas destas notícias, as das plataformas digitais, são difundidas de forma ingénua, Sim não tenho dúvidas. Se algumas são difundidas porque obedecem a agendas ideológicas, também não me restam dúvidas. Cabe-nos a nós cidadãos fazer a verificação e não ampliar a sua difusão.

Quanto aos chamados órgãos de comunicação social, ditos, de referência é bom que não tenhamos ilusões eles são veículos e instrumentos da difusão ideológica dos seus proprietários, logo pouco confiáveis.


A informação é elaborada, mesmo que factual, para se dirigir às crendices e emoções dos cidadãos. A sua grande penetração fica a dever-se ao sucesso da estupidificação a que todos temos sido sujeitos ao longo das últimas décadas.

Só há uma forma de combater esta moldagem das consciências e da vontade. Adquirir conhecimento. Só o conhecimento nos pode libertar.

Enfim! Haja saúde que a paciência está a esgotar-se.

Aníbal C. Pires, Ponta Delgada, 24 de Março de 2020

segunda-feira, 16 de março de 2020

Notas soltas sobre a RAA e o surto de covid19

Vasco Cordeiro



“(…) E é bem sabido que os medos só existem por neles acreditarmos. (…)”

João Pedro Porto, in Fruta do Chão, Letras Lavadas, 2018



Tenho acompanhado, enquanto cidadão mas também como dirigente do PCP Açores, os desenvolvimentos do surto epidémico com origem no covid19. Da mesma forma tenho seguido com a atenção que o assunto merece as medidas que no Mundo, no País e na Região têm vindo a ser tomadas para conter a propagação do vírus e, sobre os quais não vou fazer nenhum juízo de valor.
Quero, contudo, deixar algumas notas que me parecem ser, no momento, indispensáveis.

O Presidente do Governo Regional tem vindo a tomar as medidas que, a cada momento, se afiguram necessárias para proteger os interesses do Povo açoriano. Decisões que não são fáceis, decisões que não dependem apenas das suas competências, mas que Vasco Cordeiro tem vindo a tomar e, como tal, não posso deixar de apoiar todo o seu esforço para, sem introduzir ruído alarmista, tentar mitigar os efeitos desta, chamemos-lhe, crise.


Uma outra nota relaciona-se com a inconsciência que prolifera nas redes sociais quando verificamos que alguns cidadãos com responsabilidades acrescidas na vida regional, seja pela sua profissão, seja pela influência que decorre do seu ativismo cívico e pela sua formação, reproduzem notícias falsas (imagens, vídeos, áudios) sem verificarem as fontes. Ou emitindo opinião pouco sustentada, porque ancorada nas crenças e nas emoções e não no conhecimento e saber científico ligado à presente realidade. É lamentável verificar que alguns cidadãos mais não fazem do que induzir o medo. Medo que em última instância pode levar ao pânico generalizado. Alguma contenção e rigor talvez fosse aconselhável.

Por fim fica esta nota que julgo ser importante para se perceber a relevância dos órgãos de governo próprio, mas sobretudo dos instrumentos que tem à sua disposição. As medidas tomadas hoje pelo Governo Regional e anunciadas por Vasco Cordeiro só são possíveis em virtude do capital do Grupo SATA e das suas empresas serem exclusivamente públicas.
A TAP e a Ryanair vão continuar as ligações do exterior com a ilha Terceira e, sobre isso Vasco Cordeiro nada pode fazer. Não, e não é Lisboa, é Bruxelas. Ou melhor, Lisboa também porque se submete, de cócoras, a Bruxelas e ao mercado. Bruxelas e o mercado do qual algumas vozes, que agora se levantam contra a insuficiência das medidas tomadas na Região e no País, tanto gostam e que indefetivelmente defendem, Ou defendiam. Depois da “crise” se verá.

Foto Aníbal C. Pires

Vasco Cordeiro porque é o representante do acionista único no Grupo SATA deu instruções às empresas para não efetuarem voos. Vasco Cordeiro ordenou ao Grupo SATA que suspendesse parte dos contratos de concessão de obrigações de serviço público. Mais não pode fazer.

É bom que nos lembremos que ter “Sol na eira e chuva no nabal” não é possível. E sim, isto é política, como aliás, tudo na vida.

Ponta Delgada, 16 de Março de 2020

sexta-feira, 6 de março de 2020

99 anos do PCP - o futuro tem Partido

A bandeira comunista

Foi como se não bastasse
tudo quanto nos fizeram
como se não lhes chegasse
todo o sangue que beberam
como se o ódio fartasse
apenas os que sofreram
como se a luta de classe
não fosse dos que a moveram.
Foi como se as mãos partidas
ou as unhas arrancadas
fossem outras tantas vidas
outra vez incendiadas.

À voz de anticomunista
o patrão surgiu de novo
e com a miséria à vista
tentou dividir o povo.
E falou à multidão
tal como estava previsto
usando sem ter razão
a falsa ideia de Cristo.

Pois quando o povo é cristão
também luta a nosso lado
nós repartimos o pão
não temos o pão guardado.
Por isso quando os burgueses
nos quiserem destruir
encontram os portugueses
que souberam resistir.

E a cada novo assalto
cada escalada fascista
subirá sempre mais alto
a bandeira comunista.

José Carlos Ary dos Santos

quinta-feira, 5 de março de 2020

António Soares Marinho – 1956/2020

foto retirada da internet


A manhã abriu com a inesperada notícia da morte do António Marinho. 

À lembrança chegaram os anos em que mais de perto partilhei a vida política com ele. E mesmo dos debates mais inflamados, na Sala de Sessões na ALRAA, ou fora dos holofotes mediáticos, não chegou nenhuma memória menos boa. 



O António Marinho era um adversário político combativo, mas leal. Não havia como poder não respeitá-lo e guardar dele a imagem de um cavalheiro que sabia separar as águas.

Tínhamos em comum o ano de nascimento, mas tínhamos muito mais. 
Tínhamos, cada um à sua maneira, um grande sentido de serviço público e de respeito institucional.

Vamos sentir a tua falta.

Apresento as minhas sentidas condolências à família, aos amigos, à ALRAA e ao PSD Açores.

Até sempre António! 

terça-feira, 3 de março de 2020

Angela Davis - a abrir Março

Imagem retirada da Internet


Não é a primeira vez que Angela Davis abre um mês do “momentos”.



mas é Março,
do dia
das mulheres
da  luta
que é de todos

luta de agora
de sempre

“Por um mundo onde sejamos socialmente iguais, humanamente diferentes e totalmente livres.”

Rosa Luxemburgo