sexta-feira, 7 de outubro de 2022

Tudo tem o seu tempo

imagem retirada da internet

A Europa tem votado na extrema direita. A América latina tem votado à esquerda. Em África, na Ásia e nos países árabes verifica-se um crescente desalinhamento com a dependência política, económica e financeira dos Estados Unidos. A Índia ultrapassou a Inglaterra e é atualmente a 5 economia mundial. O euro desvaloriza-se face ao dólar e até a forte libra esterlina caiu para mínimos nunca antes vistos. O rublo, face às novas parcerias e alteração das relações comerciais decorrentes da resposta russa às sanções ocidentais, tem vindo a valorizar-se face ao dólar e ao euro. No espaço da União Europeia, mas também nos Estados Unidos a inflação é galopante, o aumento das taxas de juro de referência e a crise energética e alimentar que se está a instalar empurram milhões de cidadãos para a pobreza, ou para o seu limiar, a revolta está a instalar-se face à inércia dos governos europeus que, de forma acrítica, continuam a cumprir a agenda dos Estados Unidos. Não faço a mínima ideia até onde vamos chegar, se houver onde chegar, mas havendo só pode continuar a correr mal para os trabalhadores e para os povos. Vejam-se os lucros obscenos de algumas empresas nacionais e a recusa sistemática, do governo e dos empresários, de aumentar os rendimentos do trabalho para garantir a reposição do poder de compra perdido nos últimos meses.

E o Brasil!? Tenho estado a acompanhar no sítio oficial a evolução dos resultados, neste momento, com quase 90% das seções apuradas o candidato Lula da Silva vai à frente com uma margem confortável, embora esteja, para já, desenhada a necessidade de se realizar uma segunda volta para apurar quem será o futuro presidente brasileiro. Os apoios e acordos para a segunda volta vão ser determinantes para esse apuramento, sendo que a maioria dos partidos políticos brasileiros são pouco confiáveis e pode haver flutuação de votos, ou seja, qualquer tentativa de prognóstico em função do apoio dos candidatos presidenciais (11), que disputaram a primeira volta e que terminam a sua candidatura por aqui, é um exercício arriscado. Já é oficial, vai haver segunda volta e regista-se uma acentuada polarização. O Brasil está politicamente dividido. Lula ganhou a Norte e Bolsonaro no Centro e no Sul.

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As eleições no Brasil interessam, desde logo e em primeiro lugar aos brasileiros, mas o mundo está de olhos postos no Brasil e nas eventuais alterações que esta potência económica mundial possa introduzir no complexo xadrez regional e mundial, se é que algo vai mudar, na política externa brasileira, mesmo que a presidência mude.

Os resultados eleitorais e a proximidade de votantes nos dois candidatos que vão disputar a segunda volta é preocupante. Não tenho grande proximidade política, nem uma particular simpatia por Lula da Silva (48,43%), mas não deixa de ser motivo para reflexão e estudo que, um personagem com Bolsonaro (43,20%) possa ter recolhido um apoio eleitoral tão expressivo depois do desastre que foi o seu governo. Se em 2018, ainda que com algum esforço, se conseguiu entender as razões dos eleitores para não votarem no candidato do PT, as acusações de corrupção, o impedimento forçado de Lula da Silva, o golpe que depôs a Dilma, a insegurança e um sem número de questões alimentadas pelas corporações mediáticas brasileiras, mas agora é inadmissível que mais de 50 milhões de brasileiros tenham dado o seu apoio eleitoral ao execrável Jair Bolsonaro. Mais do que inadmissível é perigoso pois, a semente do “bolsonarismo”, como outras, por esse mundo fora, que têm estado latentes tenham germinado e se estejam a enraizar. E isso sim, é preocupante.

Se os movimentos e partidos de esquerda têm responsabilidade, sem dúvida. As agendas políticas da maioria dos movimentos e partidos de esquerda é muito permeável, não é por acaso, à priorização de temas, que sendo importantes, deixam de lado propostas de solução para resolver questões básicas para a maioria da população, e isso tem os seus custos políticos e eleitorais. Os partidos da direita e da extrema direita ficam com o campo aberto para cavalgarem o descontentamento popular, alimentam-se na iliteracia social e política e na ausência da consciência de classe. 

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A defesa dos direitos dos animais, as questões identitárias, sexuais e de género, a eutanásia, são apenas alguns dos exemplos de agendas da “esquerda” que sendo importantes, pouco dirão a quem tem de viver com um miserável salário mínimo, com horários de trabalho desregulados, com a insegurança da precariedade laboral, a quem não tem acesso a água potável, ou a quem não tem acesso aos serviços básicos de saúde e educação. E estes, sim, são alguns dos problemas que urge resolver, no Brasil e no mundo. Tudo tem o seu tempo.

A construção de discursos e propostas políticas, de “esquerda” direcionadas para a classe média urbana em países e regiões pobres e com caraterísticas rurais é abrir alas à direita e à extrema direita. 

Ponta Delgada, 2 de outubro de 2022

Aníbal C. Pires, In Diário Insular, 4 de outubro de 2022


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