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Lula venceu as eleições presidenciais brasileiras à justa, mas venceu. Venceu apesar, não de você, mas, de todos os atropelos conhecidos, dos quais a ação da Polícia Rodoviária Federal, (PRF), durante o dia das eleições terá sido o mais visível e, também, o mais denunciado. Como o leitor que entrou na “Sala de Espera” deve ter visto na comunicação social, dispenso-me de os descrever. Esta minha observação não pretende justificar a reduzida margem que deu a vitória a Lula da Silva, não. A complexidade social, política, religiosa e económica que carateriza a sociedade brasileira, mas também a herança colonial, explicarão a que se fica a dever a polarização política brasileira. Há, certamente, fatores externos que devem ser tomados em conta quando se procura aprofundar a análise, mas é no âmago da sociedade brasileira que se alicerçam os pilares de qualquer estudo que procure compreender este fenómeno que, não sendo único, tem particularidades muito próprias.
A arquitetura dos órgãos federais, a sua composição e, sobretudo, os anacronismos do seu funcionamento, bem assim como a gestão das várias sensibilidades políticas que deram apoio eleitoral ao candidato do PT podem comprometer o mandato de Lula da Silva. Se nos anteriores mandatos de Lula não foi fácil, e se com Dilma Roussef foi possível a sua destituição através de uma golpada parlamentar não se espere, neste cenário complexo e radicalizado, uma gestão política sem percalços. Lula da Silva tem saber e conhecimento para não se deixar, de novo, enredar mas, nem o PT é um coletivo fiável, nem os diferentes partidos que o apoiaram na primeira e segunda volta deixarão de cumprir as suas agendas que, em alguns casos, são antagónicas à do PT.
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O Congresso, composto pela Câmara dos Deputados (513) e pelo Senado (81), está pulverizado por partidos e nenhum deles tem maioria absoluta. Julgo, no entanto, ser importante para perspetivar o futuro próximo perceber quem são os partidos mais representados e qual o seu alinhamento nas eleições presidenciais do passado domingo.
O PL (de Bolsonaro) conquistou 99 lugares e terá a maior bancada na Câmara dos Deputados depois das eleições do último domingo (2 de outubro). Junto com o PP e o Republicanos, os partidos que apoiaram a reeleição Jair Bolsonaro somarão quase 190 deputados federais a partir de 2023.
O PT obteve 68 lugares que somados com outros deputados pertencentes à coligação que apoiou Lula da Silva atinge os 122.
No Senado, apenas um terço dos 81 lugares foram renovados nas eleições deste ano, mas isso foi suficiente para uma mudança significativa. Os resultados ditaram, pela primeira vez em 25 anos, uma mudança que não é, de todo, insipiente, o PL destronou o MDB. O partido com mais senadores (13) será o PL de Bolsonaro.
O cenário político e parlamentar, como se pode constatar, é complexo e a necessidade de encontrar maiorias, para aprovar a agenda política que Lula da Silva apresentou aos brasileiros e ao mundo, vai exigir um esforço político hercúleo. As transformações e a rutura com o neoliberalismo só serão possíveis com a vigilância e a luta do povo brasileiro pois, do Congresso não se esperam facilidades, nem vontade de mudar de rumo. Ou seja, as transformações propostas por Lula da Silva dificilmente terão apoio parlamentar, a haver mudanças elas terão de ser conquistadas, como já referi, pela luta organizada do povo brasileiro.
Já passaram mais de 24 horas sobre a divulgação dos resultados eleitorais e, até agora, não tenho notícia do candidato Jair Bolsonaro ter vindo a público admitir a derrota e cumprimentar o candidato eleito, bem assim como agradecer aos seus apoiantes. Não sei que significado deva atribuir a este silêncio, nem sobre o assunto quero especular, mas sempre direi que falta alguma cultura democrática ao ainda presidente brasileiro.
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A tensão social que se continua a viver em algumas cidades brasileiras, o bloqueio de estradas, a inércia da PRF, no domingo tão expedita a travar os cidadãos que iam votar, e tudo o mais que tem vindo a público são sinais preocupantes que não auguram nada de bom para o Brasil e para o seu povo.
Da memória chegam-me as imagens dos apoiantes de Trump a invadirem e vandalizarem o Capitólio por não aceitarem a derrota do seu candidato. À memória chegam-me as semelhanças discursivas e de método que aproximam, para além do neoliberalismo confesso, Bolsonaro e Trump. Tendo consciência que os tempos e os interesses são diferentes, contudo, à memória chega-me todo o histórico de golpes militares que apearam governos e presidentes eleitos e fustigaram os povos da América latina.
Ponta Delgada, 31 de outubro de 2022
Aníbal C. Pires, In Diário Insular, 3 de novembro de 2022