quarta-feira, 7 de agosto de 2024

jogos de verão

imagem retirada da internet
Os Jogos Olímpicos (JO) têm dominado, naturalmente, as agendas noticiosas e as publicações nas redes sociais. Posso até estar errado, porém, fico com a sensação de que os “jogos” perderam relevância desportiva e se acentuou a exposição de aspetos pouco ligados à importância que já tiveram a nível mundial. Não estou a retirar-lhes valor, mas o espírito e a tradição olímpica da era moderna perderam-se algures no tempo. Dir-me-ão que as diferenças resultam da evolução tecnológica, cultural, social e política que caraterizam o nosso tempo e, sem qualquer ironia, quem assim pensa e o afirma está carregado de razão pois, como qualquer outro evento com projeção mundial acompanha as alterações que ocorrem nas sociedades. Posso ter algumas dúvidas, e tenho, sobre o caminho que estamos a trilhar, mas os efeitos desta “evolução” fazem-se sentir, não só, mas também, nos JO.

Algumas semanas antes dos JO terem o seu início e em conversa informal expressei a ideia de que esta edição parisiense tinha tudo para correr mal, desde logo para os habituais residentes na cidade. Pode até nem tudo estar a correr mal, e não está, mas esta edição dos JO deixa muito a desejar e trazem-nos à memória outras edições, como por exemplo Barcelona, em 1992. Um excelente espetáculo de abertura, uma organização exemplar e onde não se verificaram boicotes nem exclusões, facto que não se verificava desde 1952, nos jogos de Helsínquia. Para Portugal não foram os melhores dos JO, isto se a avaliação se reduzir às medalhas e classificações, mas não retira mérito aos jogos de Barcelona, nem à representação portuguesa.

imagem retirada da internet

Não tenho dons premonitórios. A opinião que formulei e que anteriormente referi foi construída com os alguns factos que foram vindo a público durante a fase preparatório dos JO e faziam prever que estavam criadas condições para que a edição de Paris 2024 não fosse um exemplo de organização, de bem estar para os atletas e de desportivismo e, assim tem sido. Os JO de Paris 2024 foram apresentados com um conjunto de “boas intenções”, mas como sabemos de “boas intenções está o inferno cheio” e, em bom rigor, o legado de Paris 2024 não passará disso mesmo, um conjunto de “boas intenções” como o decorrer dos jogos tem vindo a demonstrar. Este texto é de opinião e, como tal escuso-me a referir factos que todos conhecem por terem tido ampla cobertura noticiosa, nem sempre com muito rigor, também é verdade. Ou seja, nesta minha precoce apreciação da edição dos JO de Paris não me cinjo aos casos que mais se mediatizaram (ou viralizaram) que, sendo importantes, não são tudo e cabe, em primeira instância, às autoridades que supervisionam e dão aval à organização promover uma reflexão e discussão que tenha como resultado o retorno ao espírito e à tradição olímpica da era moderna. Não é fácil evitar atitudes individuais que mancham os jogos, sempre se foram verificando ao longo da história, mas outras há que deviam e poderiam ser evitadas se a organização não se tivesse ficado apenas pelas “boas intenções” e o Sena continuasse em más condições para ser utilizado como palco de algumas provas. É justo que se diga que dos JO de 2024 se conhecem algumas estórias que são exemplos de superação individual, mas que carregam um significado que vai muito além das personalidades que as protagonizaram. Ficam dois exemplos de entre muitos outros: a brasileira Valdileia Martins (salto em altura), e a argelina Kaylia Nemour, nascida francesa, mas dispensada pela federação francesa da modalidade.   

foto de Aníbal C. Pires

Não tenho por hábito abordar várias questões no mesmo texto de opinião, tem havido algumas exceções, hoje será mais uma e é, em si mesmo excecional pois, tinha uma espécie de compromisso comigo de não voltar a emitir publicamente apreciações relacionadas com transportadora aérea regional. Ao longo dos últimos anos publiquei nos jornais e tomei posição, noutros palcos, sobre a importância da SATA enquanto instrumento estratégico para a Região e, como tal, deverá continuar no domínio exclusivamente público, quando assim não for deixará de cumprir a sua principal função: unir os Açores e garantir a mobilidade dos açorianos. Esta minha posição de princípio não me inibe, nem nunca inibiu, de tecer críticas às suas opções e à sua gestão. Opções e gestão quase sempre com interferência do poder político executivo que foi queimando conselhos de administração por conta dos seus próprios erros. E se isto é verdade atualmente é-o para os últimos governos do PS que antecederam o governo da coligação de direita que governa ou desgoverna, conforme o ponto de vista, a Região.

A nomeação de um novo Presidente do Conselho de Administração (PCA) e dos seus companheiros de estrada não é, só por si, a razão que me motiva a tecer as breves considerações que se seguem sobre a SATA, o que me motiva são as declarações proferidas pelo PCA e algumas decisões entretanto anunciadas como sendo desta nova equipa, mas que pelos seus contornos só poderão ter resultado de decisões do Governo regional. A novidade é mesmo a criação de um Conselho Estratégico, aliás estava publicamente sugerido e pedido, como se a criação de um “senado” para a SATA fosse a panaceia para todos os males de que sofre este grupo empresarial público.

foto de Aníbal C. Pires
S
obre a personalidade nomeada para a PCA da SATA nada tenho a dizer, sei que as pessoas são importantes, mas relevante mesmo é o que vão executar e como o vão fazer. As primeiras declarações do Dr. Rui Coutinho, em sede de audição na Comissão de Economia da ALRAA, serviram para se perceber que o novo PCA pouco ou nada tem a dizer sobre o futuro da SATA. Refugiou-se no passado e, ainda assim, não foi claro na identificação dos responsáveis por aquilo que caraterizou como “má gestão na companhia aérea durante muitos anos” e diz ainda “não querer mais aviões como o Cachalote”, como se isso estivesse em causa. Foi-se repetindo quanto aos erros do passado cometidos por diversos responsáveis, sem nunca ter identificado os erros e os responsáveis, mas afirmou que quer “salvar a SATA”, ficou por dizer como o vai fazer, sabendo-se que o futuro da SATA depende das decisões do acionista (povo açoriano/Governo regional) e não do PCA.

As declarações de Rui Coutinho no que diz respeito ao futuro, para além de lugares-comuns como: i) reduzir ACMIS e aumentar a receita no mercado dos voos charters, durante o inverno IATA; ii) “acabar” com as rotas deficitárias (resta saber quais); iii) ganhar eficiência; e iv) reduzir custos (fechar lojas); isto de entre outras propósitos, sendo que o encerramento das lojas nos espaços urbanos, está já em fase de execução.

Apesar do contexto, ou talvez por isso, as declarações sendo circunstanciais são-no, também preocupantes pois, o Dr. Rui Coutinho não disse nada que a tutela não lhe tivesse encomendado. Veja-se a solução e a celeridade da decisão sobre o encerramento das lojas e a sua passagem para a RIAC, isto só foi possível com o aval e a intervenção do Governo regional. A responsabilidade por todos os custos sociais, mas também económicos desta medida têm um autor material, mas ninguém tenha dúvidas que a decisão foi política. As responsabilidades devem ser assacadas ao Governo regional, enquanto autor intelectual, o PCA é apenas o testa de ferro desta decisão cujos efeitos na saúde financeira do Grupo SATA nem um paliativo chega a ser. O aumento do tarifário e falamos da tarifa de residente (134 euros). Aumentar esta tarifa no contexto conhecido de passagens a ultrapassar os 800 euros é penalizar os açorianos e aliviar financeiramente o Estado, por outro lado pouco tem a ver com o aumento da receita pois, o valor médio de uma passagem de ida e volta aos Açores já é superior aos 134 euros, ainda que desde 2015 não se tenha verificado nenhum aumento no valor da tarifa de residente. Depois, bem depois será a execução do plano de reestruturação imposto por Bruxelas, a privatização da maioria do capital social e o fim da SATA. 

Ponta Delgada, 6 de agosto de 2024 

Aníbal C. Pires, In Diário Insular, 7 de agosto de 2024

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