quinta-feira, 21 de agosto de 2025

A romaria

imagem retirada da internet
Quero, antes de mais, fazer a seguinte declaração de princípio: não tenho nenhuma proximidade ideológica, nem simpatia política, com as personalidades referenciadas neste texto, o que não me inibe de emitir opinião sobre alguns factos recentes em que, algumas dessas personalidades foram protagonistas e outras meros figurantes.

O encontro entre Vladimir Putin e Donald Trump, no Alasca, não foi apenas um ato diplomático, a reunião e toda a encenação representa a imagem de um mundo em reconfiguração. As câmaras captaram sorrisos calculados, apertos de mão medidos, de entre outros pormenores que os jornalistas e analistas, em pânico, se esforçaram por decifrar, mas a essência residiu na agenda de Trump que Putin, com mestria, soube aproveitar.

Trump e Putin foram parcos nas palavras para a comunicação social e não alimentaram especulações, recusando-se a responder aos jornalistas que marcaram presença na conferência de imprensa conjunta. Deste encontro ficou claro que a Federação Russa, depois de um esforço hercúleo para a isolar, a ocidente, libertou-se desse sufoco, por outro lado, quer se goste quer não da personagem, Donald Trump ganhou pontos internamente, a sua baixa popularidade aumentou para mais de 50% de aceitação, mas talvez o mais importante seja a demonstração inequívoca de que os líderes da União Europeia e o do Reino Unido, são meros espetadores que aplaudem a guerra e alimentam o medo do perigo russo para justificarem os seus fracassos e a corrida armamentista. Por outro lado, o governo de Volodymyr Zelensky, mais não é do que peão no tabuleiro geopolítico ocidental que sacrifica o seu país e o seu povo agarrado ao mito de que a Rússia é assim como um demónio que se prepara para dominar a Europa. Não é de mais território que a Rússia carece, mas de segurança estratégica e de população que a sustente.

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Quando dei início à recolha de algumas notas para este texto já se conheciam os anúncios de alguns líderes europeus e do o sempre servil Mark Rutte da intenção de se deslocarem à Casa Branca para se reunirem com Trump e Zelensky, de facto a comunicação social de referência, seja lá o que isso for, assim o anunciava: Trump reuniria com Zelensky na presença de Macron, Meloni, Starmer, Stubb, Merz, Von der Leyn e Rutte, havia, contudo, uma exceção o Bild, conhecido tabloide alemão, afirmava que Trump tinha recusado esse formato e que se reuniria, sozinho com Zelensky. Só depois receberia os líderes europeus, o SG da OTAN com a presença de Zelensky. O que veio a verificar-se, mas ainda assim esta coligação dos vencidos, não deixou de comparecer para se fazerem ouvir e ver, como se no atual contexto tivessem alguma importância a não ser o papel de financiadores de uma guerra que ninguém quer, a não eles.

Putin retirou-se de cena, Trump faz o trabalho dos dois e a União Europeia ficou na plateia, implorando pelo protagonismo que Trump, uma vez mais, lhes retirou ao interromper a reunião para falar telefonicamente com Putin. Triste figura dos líderes europeus que foram em romaria ser enxovalhados em Washington. 

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A velha Europa, ou melhor a moderníssima União Europeia, que outrora ditou rumos globais, arrasta-se, agora, atrás da estratégia estado-unidense. A obediência cega tem um preço elevado: tarifas adicionais, perda de autonomia industrial e a humilhação de investir nos EUA para manter vivo um parceiro que a trata como um vassalo. A Alemanha, motor económico da União Europeia, perde importância a cada trimestre; a França, prisioneira do narcisismo de Macron e das suas próprias crises internas, balança entre compromissos diplomáticos e sinais de impotência; Portugal, periférico e obediente, limita-se a acenar e nem sequer foi à romaria. O sonho dos europeístas está a volatilizar-se pelo pragmatismo servil e pela diligência das suas lideranças para não contrariar Washington.

Os EUA, de Joe Biden, a União Europeia e os dirigentes ucranianos que emergiram do golpe de estado, conhecido por euromaidan, escolheram o caminho da guerra, com o apoio dos movimentos neonazis, mormente, ucranianos, embora se verifique a presença de militantes nazis oriundos de todos os continentes.

Os Acordos de Minsk (2014–2015), que previam estatuto especial para as regiões do Donbass, retirada de armamento pesado e supervisão internacional, foram sistematicamente ignorados. Kiev, com o apoio tácito do Ocidente, preparou-se militarmente para confrontar Moscovo. O resultado é conhecido: uma guerra prolongada, uma Ucrânia destroçada, dependente de financiamento externo, uma Rússia consolidada e a União Europeia a pagar a conta. Quem escolheu a guerra esqueceu que diplomacia não é sinal de fraqueza, mas um instrumento para garantir a paz.

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A expansão da OTAN para Leste violou promessas feitas à Rússia nos anos 1990: garantiu-se que a Aliança não avançaria “um centímetro para Leste”. Polónia (1999), Hungria e República Checa (1999), os países bálticos (2004), Roménia e Bulgária (2004), Montenegro (2017) e Macedónia do Norte (2020) foram sucessivamente integrados e, por fim, em 2023, concretizou-se a adesão da Finlândia num claro afrontamento à Federação Russa, uma vez que este país partilha uma fronteira de cerca de 1300 km, com a Rússia. A promessa de adesão da Ucrânia e da Geórgia em 2008 colocou Moscovo em alerta máximo. Os misseis da OTAN estão cada vez perto das fronteiras russas. Moscovo avisou. Renovou avisos. Alertou para as ameaças à sua integridade territorial. O Ocidente fez ouvidos de mercador, mas, em bom rigor, a narrativa russa da desmilitarização e da desnazificação, embora pareça estranha aos ouvidos de muitos cidadãos da União Europeia, não nasceu de um pesadelo dos dirigentes russos: é a reação natural à realidade vivida e cujos alertas, feitos pela Rússia, foram sistematicamente ignorados a Ocidente.

A questão da desnazificação não é um fetiche russo. O Batalhão Azov, com simbologia neonazi explícita, não é ficção, mas realidade integrada nas forças regulares ucranianas. O culto de Stepan Bandera, líder ultranacionalista e colaboracionista do nazismo, tornou-se prática institucionalizada, feriados, monumentos, ruas. Grupos neonazis europeus e de outras partes do mundo deslocaram-se para a Ucrânia, pós-euromaidan, para acederem a treino militar e ideológico. Organizações internacionais documentaram a presença desses grupos no país. Ignorar estes factos é negar a complexidade do conflito e, sobretudo, serve para alimentar a narrativa do perigo russo.

São os cidadãos europeus que suportam o fardo. A inflação corrói salários e pensões; a energia encarecida fecha fábricas e empurra famílias para a pobreza; os orçamentos nacionais desviam fundos da saúde, da educação e da habitação para alimentar a engrenagem militar. Enquanto isso, os Estados Unidos consolidam vantagens geopolíticas, a Rússia resiste e a Ucrânia sangra, prolongando a guerra. Os custos da obediência são claros: perda de autonomia, fragilidade económica e desgaste social. A União Europeia financia um conflito que não lhe pertence, paga por decisões tomadas fora do seu território e por interesses que não são os seus.

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Trump precisa de demonstrar força, aliás cultiva essa imagem, e a União Europeia dá-lhe palco. O encontro com Zelensky mostra que a palavra final será estado-unidense, que a União Europeia deve esperar e que a sua influência se limita ao papel de espetador e financiador. Bruxelas tem abdicado da sua soberania, reduzindo-se ao eco de Washington do mandato de Joe Biden, a agenda mudou veremos como se comportam os dirigentes da União Europeia agora que a administração mudou de posição, e Trump, de forma clara, assumiu claramente teses alinhadas com as posições russas.

A cimeira entre Trump e Putin teve consequências bem visíveis pela forma como a administração estado-unidense assumiu a posição da Federação Russa no que diz respeito à questão de cessar-fogo já, passando a defender a construção de uma paz duradoura e, para que isso seja possível, é necessário resolver as questões que estão na origem do conflito russo-ucraniano, como sejam: a recusa de integração da Ucrânia na OTAN; a desnazificação; e a cedência do Donbass à Federação Russa. Sim! Por tudo isto, mas também pela forma, subalterna, como foram recebidos os líderes europeus.

Ponta Delgada, 19 de agosto de 2025 

Aníbal C. Pires, In Diário Insular, 20 de agosto de 2025

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