Os agricultores açorianos sofrem duramente os efeitos de um modelo de integração económica errado e prejudicial. A visão dita “de mercado” – mercantilista, diria eu – favorece os que produzem maior quantidade ao mais baixo preço e subalterniza o fator qualidade e as características diferenciadoras do produto. Por outro lado, a concentração do setor da distribuição na mão de alguns, poucos, grupos económicos, permite que estes controlem unilateralmente o preço pago aos produtores, as quantidades e condições de venda, impondo por vezes contratos inacreditáveis. A dimensão e poder de mercado destas centrais de compras permite-lhes promover ou despromover produtos, marcas e origens consoante as suas conveniências comerciais e disponibilidades de stock.
É a ditadura comercial da grande distribuição que em primeiro lugar e no plano interno tem ditado a ruina dos nossos agricultores, ao concentrar todo o valor no fim da cadeia, de forma injusta e inaceitável. O paradoxo é que, na verdade, o Estado nem pode intervir diretamente sobre esta pouca vergonha, graças às doutrinas e dogmas do “mercado livre”, impostas pela UE, mas muito aplaudidas pelos três partidos que nos têm governado.
No fim de contas, os nossos Governos nunca perceberam a agricultura e a sua importância económica e social. Os conhecimentos rudimentares de economia dos nossos governantes das três últimas décadas levam-nos a pensar que uma economia moderna é sinónimo de uma economia de serviços, o mais possível balanceada para o setor terciário. Não entendem que é no setor primário – e na agricultura em primeiro lugar – que reside a base da criação de riqueza, da capacidade produtiva e exportadora do país, a partir da qual poderemos desenvolver os restantes setores.
Apesar deste mal disfarçado menosprezo pelo setor agrícola, os nossos governos sempre trataram, do ponto de vista legal e fiscal, os agricultores como se fossem apenas empresários como os restantes, não levando em conta o papel central da atividade na fixação, subsistência e até na cultura das comunidades rurais. Temos assim um País e uma Região em desertificação acelerada, em consequência da morte lenta a que foram condenando a atividade agrícola e que leva de arrasto a transformação e, em última instância, os serviços.
O processo de construção europeia teve, nos Açores, efeitos contraditórios. Apesar do volume de fundos comunitários investidos na Região ter permitido modernizações importantes, a abertura de mercados e a imposição de diversas regras e constrangimentos têm contribuído para sufocar e até destruir a capacidade e competitividade do aparelho produtivo.
Um exemplo disto são as quotas leiteiras, cujo fim começa a tornar-se uma questão algo académica porque, em boa verdade, estão a ser “progressivamente eliminadas”, com o aumento anual da cota de cada país em 1%. Este processo tem de ser interrompido, senão, em 2015, mesmo que ainda se mantenha o sistema de quotas leiteiras, elas já não terão um papel regulador. Esta situação tem culpados e são PS, PSD e CDS que, não as defenderam nos conselhos de ministros da União Europeia. Em 2008, os ministros da União Europeia reunidos decidiram pelo fim das cotas. Os ministros portugueses – eleitos para defender a região e o país – preferiram calar-se e deixar ganhar os interesses dos grandes produtores da União Europeia. As compensações devidas aos Açores como região ultraperiférica não permitem compensar as dificuldades resultantes da condição insular e arquipelágica. A postura do Governo Regional, infelizmente, tem sido nas questões europeias a da subserviência em alinhamento com os diversos Governos da República.
Defendo a continuidade de todas as iniciativas que visem junto da UE a defesa do regime de quotas leiteiras, mas defendo, também, o aprofundamento do estatuto e prerrogativas das regiões ultraperiféricas, garantindo-lhes os mecanismos que lhes assegurem alguma soberania alimentar e assumindo a proteção das suas produções locais, independentemente do mercado europeu ser ou não excendentário.
Angra do Heroísmo, 27 de agosto de 2012
Aníbal C. Pires, In Diário Insular, 29 de Agosto de 2012, Angra do Heroísmo
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