quarta-feira, 23 de julho de 2014

Intervenção na Universidade de Verão promovida pelo IAEERI


Comunicação proferida no âmbito da Universidade de Verão promovida pelo Instituto Açoriano de Estudos Europeus e Relações Internacionais

Universidade de Verão - “A GEOPOLÍTICA AÇORIANA: UM CONCEITO EM TRANSFORMAÇÃO” 
Praia da Vitória, 18 de Julho de 2014 


Muito bom dia,

Em primeiro lugar, em meu nome pessoal e em nome do PCP Açores quero agradecer ao Instituto Açoriano de Estudos Europeus e Relações Internacionais o convite para participar nesta sessão da Universidade de Verão, uma iniciativa que considero valiosa, importante e cuja realização saúdo na pessoa do seu Presidente, o Dr. Aranda e Silva. 

 1. Introdução
 A nossa situação geográfica define-nos, a todos os níveis. A nossa história e a nossa cultura são o produto direto destas ilhas em que estamos e vivemos, das proximidades e distâncias, do isolamento, mas também do encontro e circulação, de produtos, gentes e ideias, que no passado como no presente, chegam e partem dos Açores. Nunca fomos um arquipélago fechado e autossuficiente. Pelo contrário fomos, nos Açores, construindo comunidades e desenvolvendo uma Região aberta ao mundo, colhendo os frutos dessas ligações e vizinhanças e, também, como não podia deixar de ser, pagando o preço, por vezes bem alto, da distância e do isolamento que a geografia nos conferiu e que o centralismo dos poderes acentuou. Ontem, como hoje e como certamente será amanhã, esse é o paradigma fundamental da nossa existência enquanto comunidade humana. Tratamos, por isso, aqui, hoje, de matéria estratégica de uma importância absolutamente fundamental para o futuro do Povo Açoriano. Precisamos assim de convocar para esta discussão o arrojo, o rasgo e a visão e pôr de parte as vistas-curtas, o preconceito e o provincianismo. Nesse esforço, que tem de ser de todos os açorianos de todas as ilhas e da diáspora, queremos, com humildade mas, também, com convicção, apresentar alguns contributos do PCP Açores para esta reflexão.

2. A pertença à Pátria Portuguesa e a integração na União Europeia 
O facto mais basilar da nossa posição geoestratégica é a nossa pertença, quer se queira, quer não, à Pátria Portuguesa. Trata-se de um facto iniludível, incontornável e consensual, distanciados que estamos, no tempo e nas ideias, da utilização demagógica e descomedida do espetro de um inusitado independentismo para fins que não visaram, nem visam o interesse do Povo Açoriano. O espectro do independentismo serviu para satisfazer objetivos. Objetivos bem diferentes do que os discursos inflamados de um suposto nacionalismo açoriano faziam e fazem crer, manifestações de nacionalismo sim, mas de um certo nacionalismo português que visava perpetuar os valores herdados do Estado Novo, bem diferente do patriotismo que une todos os portugueses apesar das suas diferenças culturais. Diferenças provocadas pelas vivências da interioridade transmontana, beirã, da litoralidade a norte do Tejo, ou no território do litoral e do interior português que no século XII integrava a região geográfica designada por Al-Andaluz, da insularidade madeirense e, da insularidade açoriana que como sabemos e sentimos é marcadamente arquipelágica. Nestas diferenças mas, sobretudo no que histórica e culturalmente nos é comum se foi forjando a Pátria Portuguesa. Essa pertença trouxe-nos vantagens e desvantagens que, seria moroso – e porventura um esforço diletante e puramente académico – estar aqui analisar, mas das quais queria sublinhar alguns aspetos, estes sim, contemporâneos e que considero significativos para o enquadramento deste debate. Portugal ligou-nos inseparavelmente ao continente europeu e abriu-nos o acesso à União Europeia. Uma participação que, independentemente da profunda crítica que fazemos – que temos de fazer – à natureza supranacional, capitalista e financeira da UE, trouxe inegavelmente muitos benefícios, diretos e indiretos, à Região. Benefícios que são bem conhecidos e que as instâncias governamentais e políticas responsáveis pelos rumos da integração europeia não se cansam de nos lembrar até à exaustão. Mas este aspeto não nos pode fazer esquecer tudo o que os Açores pagam por esta integração na Europa. Há um balanço que tem de ser feito, com honestidade e sem preconceitos. E a realidade que me parece incontestável é que os muitos milhões de Euros de financiamento europeu recebidos pela Região ao longo das últimas décadas não conseguiram elevar-nos aos patamares de desenvolvimento económico e humano que ambicionávamos. Se é verdade que se criaram infraestruturas essenciais e se desenvolveram setores exportadores, também é uma verdade, verdade que não pode ser ocultada, que se acentuaram assimetrias intrarregionais, que diversos indicadores de bem estar-social e de desenvolvimento humano tiveram progressões incipientes e que, do ponto de vista económico, a nossa capacidade de geração de riqueza continua a definir-nos como região dependente e periférica. Tem de ser dito que esses subsídios não foram gratuitos. Longe disso. Serviram para impor limitações à nossa capacidade produtiva. Serviram para limitar a nossa capacidade de regulamentar e disciplinar os mercados de bens e serviços que nos são essenciais. Serviram para nos fazer aceitar o acesso e mesmo a gestão, dos nossos recursos naturais, nomeadamente aos marinhos, por parte de interesses estrangeiros. Para além disto, os Açores pagam um preço que é estrutural, um custo de oportunidade que é de difícil quantificação mas que certamente não é desprezível. Pagamos pelas vias e oportunidades de desenvolvimento que não trilhámos devido ao fácil acesso e abundância dos apoios financeiros para não produzir. Na prática esta integração europeia tornou-nos uma Região menos produtiva, muito mais endividada, muito mais dependente. Teria sido um processo inevitável? Estou convencido que não. A importância geoestratégica dos Açores, a dimensão Atlântica que confere à UE e o peso próprio de Portugal na União poderiam ter permitido outras posições políticas que nos tivessem conduzido a situações mais favoráveis. Não sucedeu assim, é um facto. Mas estou convicto que não é tarde para mudar de política e de atitude e nunca será tarde demais para defender o interesse regional e nacional. Esta é uma questão que não podia deixar de equacionar no âmbito desta reflexão. 

3. Uma Pátria madrasta ou um Governo que não cuida 
Sermos Portugal dá-nos dimensão, mercados, trocas, e referências. No entanto, isto significa que muitos dos serviços e funções do Estado, embora essenciais, estão fora do nosso controlo. O crescente abandono do Governo central em relação às suas responsabilidades dos Açores, o estrangular da tal ligação a que aludi, é hoje a causa de muitos dos nossos problemas. O estrangulamento financeiro da Universidade, a mutilação da RTP Açores, os encerramentos – planeados ou concretizados – de serviços postais, finanças e tribunais, a redução dos meios e capacidade operacional das forças militares e de segurança (com recentes e trágicas consequências que se conhecem), são parte da face visível desse movimento de afastamento dos Açores, aumentando as distâncias entre Açores e continente, que o atual Governo da República tem sistematicamente levado a cabo. Desse afastamento, dessa acrescentada distância, talvez o mais gritante dos exemplos seja a deserção completa, o total abandono a que o Governo da República votou o Mar dos Açores, em especial entre as 100 e as 200 milhas, onde durante anos não realizou um única ação de fiscalização, facto de onde decorre uma total impunidade para todo o tipo de abusos ambientais, com graves prejuízos para os Açores e para a conservação dos frágeis ecossistemas desta zona do Atlântico Norte. Tendo em conta a crescente importância geoestratégica dos Açores, em função da sua área marítima, do valor e fragilidade dos seus recursos naturais, este afastamento, esta deserção da República levanta muitíssimas preocupações e é talvez o primeiro e fundamental problema que temos de resolver para que possamos aproveitar o nosso potencial e fazer valer os nossos direitos. 

4. Os interesses açorianos no contexto das relações externas nacionais 
 Decorre naturalmente de sermos uma parte da Pátria Portuguesa, que os aspetos fulcrais das relações externas seja gerido a nível central. É algo perfeitamente natural que não contestamos. Agora, o que já não nos parece aceitável, o que temos forçosamente de contestar é que a opinião e os próprios interesses dos Açores e dos açorianos não sejam levados em conta na gestão da política externa portuguesa. A legitimidade do poder central decorre da sua atribuição de defender o país no seu conjunto, sem exclusão de parcelas. E, no campo das relações externas, infelizmente não é isso que tem acontecido. Se essa gestão danosa para o interesse dos Açores encontra claros exemplos nas questões europeias, da Política Agrícola, das Pescas ou da gestão do Mar, por exemplo, torna-se ainda mais nítida quando abordamos a temática do Acordo de Cooperação e Defesa com os Estados Unidos. Portanto, depois de falarmos da Europa, falemos da América do Norte, e mias concretamente dos Estados Unidos da América. Em pinceladas largas, a história da evolução desse acordo, especialmente no tocante à Base das Lajes, pode resumir-se numa frase: O que os Estados Unidos propõem, Portugal aceita. Os Estados Unidos quiseram deixar de pagar compensações financeiras diretas: Portugal aceitou. Os Estados Unidos recusaram, durante anos, o recurso aos tribunais para resolver disputas laborais: Portugal aceitou. Os Estados Unidos quiseram utilizar a Base das Lajes para transportar ilegalmente prisioneiros para Guantánamo: Portugal aceitou e até ajudou a encobrir esse facto. Os Estados Unidos quiseram reduzir a sua presença militar e reduzir o número de postos de trabalho de portugueses na Base das Lajes: Portugal aceitou. E, minhas senhoras e meus senhores, por aí fora… é a subserviência dos dirigentes portugueses que tem prevalecido. Não tenho ilusões sobre as dificuldades destes processos negociais, nem presumo conhecer os seus meandros, mas factos são factos, a cada renegociação obtivemos sempre o mesmo resultado. E, infelizmente, o que se vislumbra no horizonte, apesar do reconhecido esforço dos Órgãos de Governo Próprio da Região, por parte do Estado, como dizia, o que se constata é mais do mesmo, a habitual subserviência. Estou seguro que não tinha de ser assim e que Portugal não está condenado a uma posição de submissão acrítica e sempre dócil. Uma relação bilateral tem de ser construída numa base de respeito mútuo e igualdade de direitos, em que cada uma das partes procura o terreno comum que permita o entendimento. Uma relação bilateral não é isto a que temos assistido nas últimas décadas. É, por isto, sobretudo por isto, que os açorianos e os terceirenses em particular pagam hoje um preço elevadíssimo… Penso que há, em relação à Base das Lajes, uma responsabilidade que tem de ser assumida. Mas antes de ser assumida pelo parceiro estado-unidense tem de ser assumida pelo próprio Governo Português. Temos aqui uma ilha, uma comunidade, que serviu bem os interesses de Portugal, que acolheu bem os estado-unidenses, que recebeu no seu território uma base militar, para onde desviou os seus recursos humanos, com a qual criou circuitos económicos que foram a base do seu desenvolvimento económico durante décadas. Também aqui há um enorme custo de oportunidade que decorre de outras vias de desenvolvimento que ficaram por explorar porque a Base das Lajes, naturalmente, centralizou boa parte dos esforços e das ligações do tecido económico da ilha. Este custo tem de ser assumido pelo Governo Português, primeiro, e pelos Estados Unidos da América, depois. A decisão da redução de presença ou, mesmo, do encerramento da Base, para uso das forças armadas dos Estados Unidos, não cabe naturalmente à parte portuguesa,. Mas o que o Governo de Portugal não pode aceitar submissamente, como tem feito sempre, é que se feche subitamente uma porta fundamental do desenvolvimento da Terceira, em função do interesse próprio, sem preocupação pelos que cá ficam. Isto é: pela comunidade que os acolheu os militares estado-unidenses durante tantos e nas dinâmicas económicas que se desenvolveram, também, em função da sua presença. E se é necessário assumir e encetar a reconversão da economia desta ilha, é necessário que se compreenda claramente que esse processo não se faz do dia para a noite, que exige tempo, esforço e investimento. Esse custo tem, antes do mais, de ser compreendido pelo Governo Português e assumido pelos Estados Unidos da América. Há, felizmente, muitas vias e alternativas para o desenvolvimento da ilha Terceira e dos Açores no seu conjunto que podem e devem ser aproveitadas de forma complementar. Mas esta continua a ser a questão basilar a que é preciso dar uma resposta: como é que serão compensados os terceirenses e os açorianos pela redução da presença militar estado-unidense. Terá certamente de ser feita com mais do que palavras e boas intenções. 

5. A política externa açoriana no contexto da política nacional de relações exteriores 
Como disse, vejo de forma unificada as relações exteriores de Portugal, onde se incluem os Açores. No entanto, tal não obsta a que a Região tenha uma política externa própria. O Estatuto Político-Administrativo dá-nos latitude para formularmos e levarmos à prática uma política própria, complementar, nunca alternativa à política nacional, de cooperação e desenvolvimento com outros países e regiões. Este é um aspeto que os sucessivos governos regionais e o próprio Parlamento Regional têm subvalorizado ou reconduzido apenas a uma dimensão pouco mais do que simbólica. Cremos que é necessário olhar para as relações exteriores da Região com outro arrojo, com uma visão de fundo, abrangente e de médio prazo. Para o PCP Açores, a cooperação com as restantes ilhas da Macaronésia é uma prioridade natural que tem sido sempre subvalorizada em favor de um eurocentrismo artificial. Não acreditamos na dicotomia maniqueísta de que para estar na Europa é preciso estar de costas voltadas ao Atlântico, que tantos prejuízos tem causado ao nosso país e à nossa Região. Aliás somos ilhéus. Para onde quer que nos viremos, nunca estaremos de costas para o mar que nos une a essas outras ilhas da Macaronésia. É aí que encontraremos parceiros interessados em desenvolver as trocas e cooperação no âmbito técnico, científico, de formação e, sublinhe-se a importância: no âmbito do estabelecimento de circuitos económicos e comerciais. Possuímos meios e capacidades para aprofundar essas relações agora, com reflexos imediatos. Mas, triste exemplo, a nossa transportadora aérea perdeu uma ligação, em regime charter, com Cabo Verde. Devia ser justamente ao contrário… O próprio Parlamento Regional devia ter uma política mais ativa de cooperação e contactos com outros parlamentos da região da Macaronésia. Podemos e devemos ser parceiros ativos na construção dessa grande região atlântica, devemos liderar a aproximação Açores-Madeira-Canárias-Cabo Verde, integrando-nos neste nosso grande espaço natural, onde podemos crescer e desenvolver-nos. Mas com a ampliação do domínio português nesta região atlântica, por via do alargamento da plataforma continental, ou mesmo sem ela, a bacia do Atlântico continua a constituir-se como um mar de oportunidades, seja para Ocidente ao encontro das comunidades que vivem e trabalham na América do Norte, seja para Sul ao encontro do mundo lusófono que tem expressão na costa ocidental africana e na costa oriental da América do Sul, seja o imenso Brasil, ou a pequena comunidade luso descendente, “Los Azoreños”, no Uruguai. É também na ilha Terceira que se situa o porto oceânico europeu mais próximo do continente americano. É no Faial que se situa um Departamento de Oceanografia e Pescas de reconhecido mérito internacional, é na Graciosa que está instalada uma Estação Internacional para Monitorizar Ensaios Nucleares, é em Santa Maria que funciona uma estação da Agência Espacial Europeia. Somos uma região ultraperiférica. Sim, é certo mas, em bom rigor, e apesar dos avanços tecnológicos ou, em virtude deles, não perdemos a nossa centralidade, continuamos a ser, permitam-me a expressão, o umbigo do Atlântico Norte, ou seja, a nossa posição geográfica, como a nossa economia, pode mudar de uso, mas a cada ciclo valoriza-se, saibamos nós, dar-lhe a cada momento, o uso mais adequado e valorizar essa centralidade que, paradoxalmente, nos é conferida pela distância aos continentes, ou seja, pela nossa ultraperiferia. 
Muito obrigado pela vossa atenção. 
Praia da Vitória, 18 de Julho de 2014 

O Deputado do PCP Açores 
Aníbal C. Pires

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