Intervenção de abertura no debate promovido pela Associação de Seniores de S. Miguel
3.º Encontro com a Sociedade
Debate – A Abstenção nos Atos Eleitorais
Teatro Micaelense, 21 de Setembro de 2016
Quero, antes de mais, agradecer à Associação de Seniores de S. Miguel o convite para participar neste debate, subordinado a um tema não só atual mas, sobretudo, preocupante e que nos deve levar à reflexão e à ação. Preocupa, desde logo os partidos políticos, mas esta preocupação extravasa, penso eu, largamente o âmbito político e partidário e, foi certamente ancorada nessa preocupação e no exercício da cidadania ativa que a Associação de Seniores de S. Miguel decidiu, em boa hora, promoveu a realização deste debate.
Quero, também, cumprimentar os colegas de debate e o moderador, bem assim como as cidadãs e os cidadãos que vieram assistir e participar nesta louvável iniciativa.
Com a democracia e liberdade que a Revolução de Abril de 1974 devolveu ao povo português abriram-se caminhos e construíram-se instrumentos de participação cívica e política para todos os cidadãos, ou dito de outro modo, devolvida que foi a democracia e a liberdade aos cidadãos e consagrados os mecanismos para a sua participação cívica e política foi depositada nas suas mãos a responsabilidade de decidirem sobre o nosso destino coletivo.
Não me refiro apenas ao direito de votar e ser eleito. A democracia e a liberdade devem ser cultivadas todos os dias e a participação cívica e política, mesmo numa democracia representativa como é a nossa, não pode reduzir-se a meros atos eleitorais, desde logo, porque a democracia e a liberdade não são perenes, é necessário lutar pela democracia e pela liberdade todos os dias para que estes valores se possam perpetuar.
Se me permitem diria que a liberdade e a democracia são como um jardim. E todos sabemos que se não cuidarmos todos os dias do nosso jardim ele depressa é invadido por plantas daninhas que asfixiam as viçosas flores de que tanto gostamos, assim se passa com a democracia e a liberdade ou cuidamos destes bens inestimáveis ou eles tendem a perverter-se, a murchar. O que aliás se vai constatando na nossa Região, no nosso País e um pouco por todo o nosso Mundo.
A submissão do poder político dominante ao poder económico e financeiro e a liberdade cerceada dos nossos concidadãos que não têm os seus direitos básicos satisfeitos, direitos básicos como por exemplo o direito ao trabalho justamente remunerado, tal como está consagrado na Carta dos Direitos Humanos.
O sentimento de descrédito que a generalidade dos cidadãos manifesta sobre a política e seus protagonistas, traduzido nas elevadas taxas de abstenção resulta, em primeiro lugar da forma como se exerce o poder político e das respostas sucessivamente adiadas e que os cidadãos esperam ver resolvidas pelos seus eleitos, mas se isto é uma verdade irrefutável não será menos verdade que a responsabilidade tem de ser partilhada com os cidadãos pois, os seus representantes e a representatividade de cada um dos partidos políticos detém a cada momento resulta, por um lado das escolhas feitas em cada ato eleitoral, mas também de quem se abstém que assim delega num número reduzido de eleitores as decisões que de uma forma ou outra irão influenciar não só os destinos coletivos mas sobretudo a nossa vida enquanto cidadãos individualmente considerados.
E ninguém tenha ilusões, a demissão dos cidadãos de exercerem os seus direitos cívicos e, uma vez mais não me refiro apenas à participação nos atos eleitorais, corresponsabiliza-os pela qualidade da nossa democracia, mas mais do que isso corresponsabiliza-os, para o bem e para o mal, pela conformação da nossa vida coletiva e individual. Poderei, posteriormente, no debate aprofundar estas minhas afirmações.
Antes ainda de passar a uma fase mais objetiva, ou seja, o que é os políticos podem e devem fazer para diminuir as taxas de abstenção não posso deixar de referir que a comunicação social, dita de referência, tem também uma quota parte de responsabilidade neste fenómeno de alheamento dos cidadãos pela coisa pública. Ficarem-se apenas pela espuma, quantas e quantas vezes contaminada, da informação que divulgam é muito pouco, ficarem-se pelo acessório até à exaustão para omitir o cerne da notícia, é ainda menos e, explorarem até à exaustão os acontecimentos que envolvem violência, assuma ela a forma que assumir, é contribuir para alienação individual e coletiva.
Os motivos porque os cidadãos não votam são conhecidos e têm sido estudados e existem alguns que são inultrapassáveis, como por exemplo, os abstencionistas que o são por uma questão de ordem religiosa e outras motivações de ordem dogmática.
Os incrédulos, os que consideram que votar é uma inutilidade, os que acham que os partidos e os políticos e os partidos são todos iguais, a esses abstencionistas cabe-nos a nós e à comunicação social demonstrar que não é bem assim, e cada um de nós terá a sua própria estratégia, Bem depois existem os que não votam em virtude de alguns impedimentos de ordem formal, como por exemplo estarem ausentes da área de residência, queriam exercer o seu direito de voto, mas estão formalmente impedidos.
Quanto a estes é possível uma atuação política que possa alterar a Lei Eleitoral, aliás só não vai acontecer já nestas eleições porque não houve consenso entre os partidos com assento parlamentar, é possível introduzir alterações que consagrem o voto em mobilidade, ou seja, que sejam criadas as condições para os eleitores que no dia das eleições não estejam na sua área de residência o possam fazer numa outra assembleia de voto. Esta é uma medida objetiva e que mais tarde ou mais cedo irá vigorar na Lei Eleitoral.
Para finalizar apena uma alusão à necessidade de se proceder a uma atualização cuidada dos Cadernos Eleitorais. Todos temos consciência, até pela nossa dimensão, que em muitas das nossas freguesias o número de eleitores é superior ao número de residentes o que subverte o valor da abstenção, ou seja, continuando a ser elevada e, por isso, preocupante, em bom rigor a taxa de abstenção que nos é apresentada nas noites eleitorais está longe de corresponder à realidade.
A atualização dos cadernos eleitorais é um trabalho que incumbe, em primeira instância, à CNE. Comissão que não pode limitar-se a acompanhar e fiscalizar os atos eleitorais deve, igualmente, zelar para que todos os dados, e neste particular os dados da abstenção, sejam fiáveis coisa que, seguramente não acontece atualmente.
Obrigado pela vossa atenção.
Aníbal C. Pires, Ponta Delgada, 21 de Setembro de 2016