segunda-feira, 31 de outubro de 2016

Lugares da morabeza

Foto by Madalena Pires
Passados 7 anos, Santa Maria, como todos os lugares de Sol e praia, pacíficos e acolhedores, cresceu. Desenvolveu-se, ou não, depende do ponto de vista. Não sei qual o efeito sobre a economia desta pequena ilha cabo-verdiana, não sei qual o efeito deste crescimento no rendimento dos trabalhadores e das famílias, mas a cintura de hotéis e resorts que uma larga faixa de areia dourada e fina separa das cálidas e límpidas águas do Atlântico Médio, cresceu. Cresceu e envolve toda a magnifica baía de Santa Maria. Impactos ambientais muitos, mas como parar a imparável indústria do turismo de Sol e praias de águas quentes e cristalinas num país que cultiva a “morabeza” (bem acolher, a “morabeza” é um pouco mais do que isso, mas há palavras e expressões do crioulo cabo-verdiano que não têm tradução, ou se sentem, ou não).O turismo para algumas das ilhas cabo-verdianas está como água para a agricultura, é uma bênção.
Não vou, não é o momento nem o lugar para fazer apreciações sobre impactos económicos, sociais, ambientais e mesmo migratórios do turismo na ilha do Sal, nem em Cabo Verde.


Foto by Madalena Pires
O momento e o lugar aconselham a falar das gentes que tornam este pequeno país insular e arquipelágico, flagelado pelos longos estios e pelo vento Leste, tão peculiar e acolhedor.A caboverdianidade não é, apenas, resultado de uma miscigenação genética de mais de cinco séculos, diria, socorrendo-me de um trabalho de João Lopes Filho, que o substrato básico da cultura deste povo, sendo fortemente individualizada, resulta da interpenetração e recriação das regras, tradições e costumes herdados, durante mais de meio milénio, dos povos europeus e africanos.
De outros povos se poderá dizer o mesmo, mas os cabo-verdianos desenvolveram uma cultura fundada na tradição, ainda observável nas comunidades rurais e piscatórias, que os individualiza no contexto das novas nações que emergiram de processos de descolonização. Não posso, nem devo generalizar, até porque às generalizações falta, por vezes, rigor. Mas Cabo Verde será, no contexto mundial, um caso, não direi único, mas um não tenho dúvida em afirmar que é, pelo menos, um caso de estudo.
Foto by Aníbal C. Pires
Sem recursos naturais, mas com um povo dotado de uma perseverança notável Cabo Verde soube aproveitar todas as oportunidades da ajuda internacional para se infraestruturar e desenvolver. Este processo não está imune de críticas, mas também não é este nem o momento, nem o lugar para as tecer. Na verdade, Cabo Verde conseguiu distanciar-se de outros países com histórias semelhantes, veja-se o caso de São Tomé e Príncipe, e afirmar-se no contexto africano sem deixar, contudo, de manter e reforçar as ligações com a Europa, designadamente, com a União Europeia com quem tem um acordo de cooperação que lhe confere um estatuto especial.
Mas se a cultura cabo-verdiana, como atrás ficou dito, tem uma raiz fortemente individualizada não é menos verdade que existem elementos transversais que fazem deste povo uma nação tão singular, desde logo, os aspetos culturais comuns, onde a língua materna, o crioulo, assume um papel preponderante, mas também a relação de amor com o seu chão, “nós terra”.
Santa Maria, (ilha do Sal, Cabo Verde), 30 de Outubro de 2016

Aníbal C. Pires, In Jornal Diário e Azores Digital, 31 de Outubro de 2016

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