Conceição Borges Coutinho (arquivo da família) |
No passado dia 9 foi celebrada a missa de 7.º dia após o falecimento de Maria da Conceição Borges Coutinho.
No final da celebração da missa na Igreja Matriz de Capelas, teve lugar um momento para alguns testemunhos sobre a Maria da Conceição. Uma filha e uma neta deram conta daquilo que a mãe e avó representaram para si e para a família, ao que se seguiu o meu testemunho.
São essas palavras de evocação e homenagem à mulher militante e à mulher coragem que aqui publico.
Em memória de
Maria da Conceição Reis Frias de Morais Flores Borges Coutinho
11/08/1931 - 02/03/2019
Há mulheres que trazem o mar nos olhos
Não pela cor
Mas pela vastidão da alma
E trazem a poesia nos dedos e nos sorrisos
Ficam para além do tempo
Como se a maré nunca as levasse
Da praia onde foram felizes
Há mulheres que trazem o mar nos olhos
pela grandeza da imensidão da alma
pelo infinito modo como abarcam as coisas e os homens...
Há mulheres que são maré em noites de tardes...
e calma
“O mar dos meus olhos”, assim se chama este poema de Adelina Barradas de Oliveira.
Escolhi este poema de mulher para dar início a esta evocação da Maria da Conceição, uma mulher que trazia o mar nos olhos e que fica connosco para além do seu tempo.
A Maria da Conceição era uma mulher de personalidade bem vincada, talvez, como diz a sua neta Joana, por ter nascido aqui, na costa norte, onde o vento sopra forte.
E se é verdade que o lugar onde nascemos e passamos os primeiros anos da nossa existência nos marca indelevelmente, não será menos rigoroso afirmar que as opções que fazemos ao longo da nossa vida são, assim, como a resultante de um somatório de variáveis, umas mais outras menos objetivas.
E a Maria da Conceição, fruto das suas vivências e da sua forma de encarar o Mundo escolheu, bem cedo, estar de um certo lado da vida conciliando a sua fé, ancorada na doutrina católica, com a ação política e partidária de quem lutava e luta pelos mais desfavorecidos, pelos que não têm voz, pelo seu povo, O povo do seu País.
Num dos poemas que Ary dos Santos, também ele um companheiro de luta, escreveu sobre as mulheres, diz-nos:
A mulher não é só casa
mulher-loiça, mulher-cama
ela é também mulher-asa,
mulher-força, mulher-chama
E assim era Maria da Conceição, mulher-força, mulher-chama, mulher-asa, mulher-coragem, mas também mulher-linda, como lindas são as mulheres que lutam.
Coragem para lutar na clandestinidade ao lado do seu marido e de quem, como eles, se opunha à ditadura que oprimia, perseguia, prendia, torturava e assassinava.
Coragem para lutar, depois da alegria libertadora da Revolução de Abril, ao lado do seu marido e de quem, como eles, sofreu as represálias da contrarrevolução patrocinada pelos interesses de quem foi apeado do poder naquela madrugada de Abril.
Falar de uma mulher com a dimensão humana e política como a de Maria da Conceição não constitui uma tarefa fácil. Tudo o que eu possa dizer, É pouco. Pouco para que se entenda a mulher-militante, a mulher-coragem.
Assim, permitam-me, uma vez mais socorrer-me da poesia, neste caso, de Maria Teresa Horta, e do seu poema “Mulheres do meu País” para que esta celebração em memória da Maria da Conceição seja, também, uma homenagem a todas as mulheres.
Deu-nos Abril
o gesto e a palavra
fala de nós
por dentro da raiz
Mulheres
quebrámos as grandes barricadas
dizendo igualdade
a quem ouvir nos quis
e assim continuamos
de mãos dadas
o povo somos
mulheres do meu país
Tenho cá para mim que a Maria da Conceição iria gostar que um dia depois da celebração do Dia da Mulher e, face à brutal violência assassina que se tem abatido sobre as mulheres em Portugal, que este momento fosse, também, de evocação das mulheres do seu País.
A Maria da Conceição, como já referi, era católica. Essa condição não a impediu, bem pelo contrário foi essencial para as suas opções, de se comprometer com um certo lado da vida, o lado do vermelho coração.
Estou certo que Deus a sentou à sua esquerda.
Até sempre Maria da Conceição!
Aníbal C. Pires, Capelas, 09 de Março de 2019
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