sábado, 8 de junho de 2019

Um arquipélago dentro da ilha: os Açores em Santa Catarina - crónicas radiofónicas

Imagem retirada da internet



Do arquivo das crónicas radiofónicas na 105 FM

Esta crónica foi para a antena a 9 de Fevereiro de 2019 e pode ser ouvida aqui







Um arquipélago dentro da ilha – os Açores em Santa Catarina

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Os migrantes carregam na sua bagagem imaterial a cultura e tradições da sua origem. Nos percursos migratórios vão assimilando outras culturas, outras formas de ver o Mundo, mas tendo sempre como referencial a sua matriz cultural que procuram recriar nos lugares onde se fixam.
Entrar em algumas das Casas dos Açores espalhadas pelas Américas do Norte e do Sul é como viajar no tempo e no espaço, e retornar à origem.
As primeiras gerações de imigrantes, em particular os homens, têm tendência a recriar os espaços e os hábitos do seu território de origem, ou seja, a cristalizarem a sua matriz cultural e a estabelecer uma barreira à influência da cultura, ou culturas, que coexistem nos lugares de acolhimento. De uma forma mais ou menos consciente esta atitude de recusa da assimilação relaciona-se diretamente com a ideia do regresso, que nem sempre acontece, mas também com a procura de equilíbrios que lhes permitam suavizar a saudade.
O tempo encarrega-se de romper barreiras e a miscigenação cultural, naturalmente, acontece. As festas do Divino Espírito Santo, quer na América do Norte, quer no Brasil, foram-se apropriando de outros elementos culturais. Mantendo a matriz original recriaram-se e adaptaram-se aos territórios de acolhimento. Também no território de origem se registam alterações aos ancestrais rituais sem que essas mudanças alterem a génese e objeto da celebração e da devoção do Divino.

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As migrações açorianas estão recheadas de estórias que são parte da nossa história, mas são os sinais da cultura açoriana, que se manifestam nas mais diversas geografias, e que têm sido objeto da atenção de académicos e de mote para a criação artística a que me quero referir nesta breve conversa de hoje.
Na ilha de Santa Catarina, no Sul do Brasil, a presença de açorianos e dos seus descendentes data de há mais de 2 centenas e meia de anos. As marcas e símbolos da sua presença encontram-se na arquitetura, culinária, tradições, lendas, histórias, modo de falar, religião, de entre outras manifestações culturais que viajaram com os casais açorianos que povoaram Santa Catarina a partir dos meados do século XVIII.
As localidades de Santo António de Lisboa, Lagoa da Conceição e o Ribeirão da Ilha são das mais antigas da ilha de Santa Catarina e onde as marcas do povoamento açoriano serão mais evidentes.
E foi na Costa da Lagoa da Conceição, um dos redutos catarinenses dos descendentes açorianos, que foi rodado o filme “A Antropóloga”, do cineasta Zeca Nunes Pires. Não sei qual a ligação de Zeca Pires aos Açores, mas para um catarinense as marcas e símbolos de origem açoriana não serão, de todo, indiferentes.

Zeca Pires (imagem retirada da internet
Não se poderá dizer que a temática e a trama do filme seja açoriana, mas em boa verdade é sobre os aspetos mágico-religiosos da cultura açoriana transmutados para outras geografias que trata esta história de uma investigadora que vai para a Costa da Lagoa e da sua relação com a comunidade local. Não sendo, como já disse, um filme de temática açoriana, as referências aos Açores são uma constante. O filme abre com imagens de arquivo da erupção dos Capelinhos, e, a primeira cena decorre num espaço tipicamente açoriano. A linguagem e as constantes referências aos Açores acompanham toda a estória desta cientista que se envolve, talvez mais profundamente do que desejaria, com alguns aspetos místicos da cultura popular da Costa da Lagoa, na Ilha de Santa Catarina, mas que têm a sua génese nas crenças e sabedoria popular açoriana.
A “Antropóloga”, ao que sei, nunca passou nas salas de cinema, nem nos cineclubes açorianos, embora, ao que me informaram tenha tido algum apoio do Governo Regional, através da Direção Regional das Comunidades. Mas, no fundo, nem é disso que se trata: retorno do investimento público à produção cultural. Em boa verdade trata-se de conhecer um produto cultural produzido no sul do Brasil cuja inspiração está ancorada nos costumes ancestrais do povo açoriano.
Fica o desafio para que o filme e o cineasta possam vir aos Açores no quadro das pontes que se têm construído entre a Região e as comunidades da nossa diáspora e que se destinam à circulação, nos dois sentidos, dos produtos culturais de inspiração açoriana.

Foi um prazer estar consigo.
Volto no próximo sábado e espero ter, de novo, a sua companhia.
Até lá, fique bem.

Aníbal C. Pires, Ponta Delgada, 09 de Fevereiro de 2019

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