segunda-feira, 15 de julho de 2019

As ondas da modernidade - crónicas radiofónicas

Foto by Aníbal C. Pires


Do arquivo das crónicas radiofónicas na 105 FM

Esta crónica foi para a antena a 16 de Fevereiro de 2019 e pode ser ouvida aqui






As ondas da modernidade

Os espaços públicos na proximidade do mar têm valor em si mesmo. Ou melhor, os espaços naturais não necessitam de adereços para serem atrativos, o seu valor é inerente à sua condição. Há quem prefira a proximidade do mar e há quem prefira passear pelos matizes de verde.
Venha dai comigo hoje. Vamos até à beira mar.
Procuramos a praia para usufruir de um banho de mar, de um pouco de Sol, de uma esplanada pela manhã, ao fim da tarde, à noite.
O encanto da beira-mar reside no que é natural, mormente, nos sons.
Como muitos outros cidadãos procuro junto ao mar alguns momentos de serenidade e de fruição do que a natureza tem para oferecer, e, diga-se que por estas latitudes ela foi bem pródiga.
Há algum tempo um visitante expressava todo o encantamento que sentiu, após uns dias de estadia nos Açores, desta forma singela: - “Deus passou por aqui”. Esta expressão diz bem como os Açores foram bafejados por um património natural invejável e singular.
Um destes dias fui à procura do sossego do fim de tarde num espaço público junto ao mar. Como companhia um livro e determinado com o enorme desejo de fruir da luz aprazível do crepúsculo, da suavidade do marulhar das ondas espraiando-se de encontro à ilha.
Ia preparado para outros sons, sons de conversas sussurradas a entrecortar as toadas do entardecer de um dia de Verão.

Foto by Aníbal C. Pires
Não ia era preparado para os ruídos que brotavam de um equipamento de difusão de música instalado naquele espaço que, julgava eu, não necessitaria mais do que a sua própria e privilegiada localização para atrair pessoas (clientes).
Olhei ao redor e não me pareceu, na expressão de quem por ali estava, que a “música” que nos era oferecida fosse do agrado de alguém, não pela “música” em si mesmo, mas por que “aquilo” estava a mais e feria de morte os naturais ruídos de um fim de tarde à beira mar.
As ondas da modernidade bacoca que varrem a Região aculturam as gentes, moldam os comportamentos e deformam a paisagem da qual os sons também são parte.
Mas isto sou eu que digo, que costumo remar contra a maré.
Não é fácil, mas eu continuo a insistir que pode ser diferente, muito diferente, e, sobretudo, um permanente desafio do qual não penso abdicar. É porque é muito mais interessante.
Foi um prazer estar consigo.
Volto no próximo sábado e espero ter, de novo, a sua companhia.
Até lá, fique bem.

Aníbal C. Pires, Ponta Delgada, 16 de Fevereiro de 2019

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