quarta-feira, 19 de abril de 2023

Dos pequenos ganhos tecnológicos à IA – 2/3

(continuação)

foto de Madalena Pires
O tema é vasto e complexo e não se esgota hoje, nem quando eu der por finda esta aproximação aos ganhos da revolução científica e tecnológica até chegarmos à Inteligência Artificial (IA) e à distribuição dos proveitos que daí resultam para a humanidade. Mas voltemos ao assunto e à tentativa de clarificar o que pretendia com o exemplo com que encerrei a última crónica.

2. Não levanto o tabuleiro na zona de restauração dos centros comerciais, pela mesma razão que me recuso a utilizar as caixas automáticas nos hipermercados, não faço o registro eletrónico de passageiro (check in) quando viajo de avião, continuo a adquirir as passagens numa agência de viagens, não encomendo alimentos pelas plataformas de entrega de comida em casa, não utilizo transportes ligados a plataformas eletrónicas, isto é, procuro não dar contribuições para a diminuição dos postos de trabalho e dos direitos dos trabalhadores, contudo, devo confessar que é difícil evitar todos os dispositivos de serviços eletrónicos colocados à nossa disposição e utilizo alguns, como por exemplo o sítio da “Autoridade Tributária”, para pagar impostos e submeter a declaração de IRS, ou ainda as caixas automáticas da banca.

imagem retirada da internet

As vantagens da automação para o cliente/consumidor ficam-se apenas pela comodidade, o que me parece muito pouco face aos enormes proveitos que, até agora, revertem integralmente para o capital. À diminuição do número de trabalhadores e, por consequência, dos custos do trabalho que resultam dos avanços científicos e tecnológicos deveria corresponder uma diminuição do preço pago pelos clientes/consumidores e/ou à diminuição dos horários de trabalho semanais e da idade para a reforma, mas o que verificamos é que nem os clientes/consumidores, nem os trabalhadores beneficiam, o desemprego aumenta, o rendimento do trabalho diminui, aumentam os apoios sociais e as teorias do excesso e controle da população ganham adeptos. 

Outros exemplos, quiçá, mais assertivos se podem encontrar, mas para exemplificar vou socorrer-me de uma alteração que se verificou há umas dezenas de anos e sobre a qual, à época, nada foi dito, ou terá sido e eu não dei a devida conta, mas induziu alguma reflexão nos cidadãos mais atentos e críticos tal como hoje continua a acontecer com as alterações sociais, económicas, políticas e culturais provocadas pelos avanços científicos e tecnológicos e pela IA. 

Alguns de nós lembram-se da existência nos transportes coletivos, urbanos ou suburbanos, de um motorista, um cobrador e por vezes a passagem de um fiscal. Quando criança os bilhetes eram retirados de um bloco de papel, cortados com auxílio de uma régua alinhada entre a partida e o destino, mais tarde os cobradores foram equipados com um instrumento que, mecanicamente, imprimia o título de transporte, passado pouco tempo a máquina foi fixada junto do motorista que, assim, passou a emitir os bilhetes, os fiscais continuavam a aparecer para fazer o controle da execução, os cobradores foram dispensados pois a sua função foi assumida pelo motorista. Neste pequeno salto tecnológico houve ganhos importantes e era esperado que os benefícios que daí advinham fossem redistribuídos. Os custos fixos de exploração da empresa diminuíram e a expetativa dos passageiros era que o preço diminuísse, e, os trabalhadores, naturalmente, esperavam que os seus salários aumentassem. Nem os preços das viagens diminuíram, nem a qualidade do serviço aumentou, nem os rendimentos dos trabalhadores cresceram em termos líquidos, ou ainda por outras compensações. O único beneficiário foi a empresa, perderam-se postos de trabalho, os clientes e os trabalhadores não beneficiaram com estas alterações. 

imagem retirada da internet
Neste, como em outros casos, não é a evolução da ciência e da tecnologia que me incomodam, o que verdadeiramente me preocupa são os efeitos sociais e económicos perversos provocados pelo aproveitamento unilateral dos benefícios. Quando este pequeno salto tecnológico aconteceu eu era um jovem adulto com alguma, pouca, consciência social e política, porém, percebi que o expetável talvez não viesse a acontecer e que os benefícios da revolução científica e tecnológica não seriam, como era esperado, para todos os intervenientes no processo económico que, se adivinhava, iria sofrer profundas alterações. 

A revolução científica e tecnológica, como era previsto, seguiu o seu curso ultrapassando as melhores expetativas que se previam nas juvenis discussões que no final dos anos 70 do século anterior mantinha com amigos e colegas. Facilitou a vida dos cidadãos (clientes/consumidores), melhorou as condições de acesso à informação, as comunicações com imagem em tempo real vulgarizaram-se. Os novos materiais, as tecnologias, a automação e a robótica introduziram alterações significativas nas condições de trabalho. Todo um mundo novo sonhado está aí, mas nem tudo o que era previsto se concretizou. A redistribuição dos benefícios não aconteceu e, uma vez mais, os trabalhadores foram as vítimas, lamentavelmente quem mais acreditava que a evolução dos processos de produção lhes traria vantagens nas relações laborais encontra-se hoje a resistir e a lutar para travar a barbárie liberal que provoca injustiças, retira direitos, escraviza e concentra, de forma pornográfica, a riqueza. 

Tenho a perceção que a maioria dos trabalhadores não tem consciência da globalidade do processo, e analisa estas transformações apenas e só na perspetiva do utilizador/consumidor e nas comodidades que daí lhe advêm, deixando de parte os aspetos perversos que a prazo o podem vir a afetar. Um breve olhar para o passado recente e para o presente é suficiente para nos apercebermos que não são só os trabalhadores indiferenciados e pouco qualificados que são descartados, cada vez mais assistimos à democratização da desgraça e os quadros técnicos e superiores são hoje os trabalhadores das praças de jorna onde se recruta mão-de-obra barata e disponível para trabalhar sem levantar ondas.

foto de Madalena Pires

A revolução científica e tecnológica excedeu as melhores previsões, mas os efeitos sociais, culturais e económicos não tiveram impactos positivos, salvo a comodidade na ótica do consumidor/utilizador, as relações de trabalho evoluíram, ao contrário do que era expetável, para a desregulamentação e aumento dos horários de trabalho, aumentou a idade limite para a reforma/aposentação, os rendimentos do trabalho diminuíram, o desemprego aumentou, a exclusão e a pobreza atingiram, de forma dramática, nas chamadas sociedades desenvolvidas, não só pelas alterações provocadas pela revolução científica e tecnológica, mas também pela desindustrialização e a transferência de capital para as periferias na busca de mão-de-obra sem direitos e a baixo custo.

Com a revolução científica e tecnológica esperavam-se, é certo, as comodidades de que estamos a usufruir, mas era expetável, mesmo nas democracias liberais, que os rendimentos do trabalho aumentassem e os horários fossem reduzidos, permitindo assim sustentabilidade para a Segurança Social pública (salários mais elevados, maiores contribuições), com a redução da idade da reforma e dos horários de trabalho permitia-se a entrada dos jovens mercado de trabalho, prevenia-se o desemprego estrutural.  A realidade é, porém, bem diferente a diminuição de custos com o trabalho (nos setores privado e público) foram canalizados, exclusivamente, para os empregadores. A extinção de postos de trabalho por via dos avanços científicos, técnicos e tecnológicos, a par da desregulação das leis laborais e da precariedade contribuiu para o aumento do desemprego (estrutural e conjuntural) e, por consequência, para a desvalorização do trabalho.

(continua)

Ponta Delgada, 18 de abril de 2023

Aníbal C. Pires, In Diário Insular, 19 de abril de 2023

terça-feira, 18 de abril de 2023

novas praças de jorna

imagem retirada da internet


Excerto de texto para publicação na imprensa regional (Diário Insular) e, como é habitual, também aqui no blogue momentos.





(...) Tenho a perceção que a maioria dos trabalhadores não tem consciência da globalidade do processo, e analisa estas transformações apenas e só na perspetiva do utilizador/consumidor e nas comodidades que daí lhe advêm, deixando de parte os aspetos perversos que a prazo o podem vir a afetar. Um breve olhar para o passado recente e para o presente é suficiente para nos apercebermos que não são só os trabalhadores indiferenciados e pouco qualificados que são descartados, cada vez mais assistimos à democratização da desgraça e os quadros técnicos e superiores são hoje os trabalhadores das praças de jorna onde se recruta mão-de-obra barata e disponível para trabalhar sem levantar ondas. (...)

quarta-feira, 5 de abril de 2023

Dos pequenos ganhos tecnológicos à IA – 1/3

imagem retirada da internet
Os leitores mais atentos estariam na expetativa de hoje retomar o que ficou prometido no último texto, mas por razões que não têm justificação plausível não vai acontecer. O correr da pena que é como quem diz, o teclado do computador, enveredou por outros e longos caminhos. Mas as “fêmeas Alfa e os machos Beta”, ou vice-versa, estão no alinhamento e, uma destas quartas-feiras aqui chegarão. Hoje tem início a primeira de três publicações que abordam alguns aspetos dos avanços científicos e tecnológicos e os seus impactos no nosso quotidiano.


1. Não tenho por hábito, até evito, frequentar grandes espaços comerciais ou de serviços, mas não há como deixar de os utilizar, de quando em vez vou, é inevitável. Não será, de todo, impossível, todavia, por razões diversas, para o caso irrelevantes, não é fácil deixar de visitar esses espaços. Quando vou, tenho um objetivo preciso. Concretizada a finalidade da deslocação saio sem perder tempo, que o tempo é para ocupar com atividades mais prazerosas. Estar com as pessoas, passear à beira-mar, ou à beira-terra, conforme a perspetiva, usufruir dos lugares naturais ou urbanos, e evitar os não lugares como os grandes espaços comerciais e de serviços, desprovidos de alma onde, inexplicavelmente, ou talvez não, algumas pessoas gastam o seu tempo sem outro propósito, aparente, que não seja estar e olhar para as “meninas ou meninos do shopping”, estar e olhar sem ver, ou olhando e vendo, seja que for. Diferentes finalidades além das observáveis existem, algumas são de compreensão imediata, como sejam o ambiente climatizado e a anunciada “qualidade do ar”, outras são mais subjetivas, mas também não têm importância nenhuma para este relato! ou será que é uma reflexão!? quiçá uma breve confissão! ou mesmo, apenas e só, a partilha de algumas inquietações, desde logo sobre um comportamento que me perturba e ao qual a maioria dos cidadãos aderiu com a melhor das intenções, adotando um procedimento diferente do meu, admito até que a maioria estará certa e eu, e poucos como eu estaremos profundamente errados. Deixo o juízo à vossa consideração. 

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Os poucos leitores aqui chegados, o parágrafo anterior foi fatal ao fim da segunda ou terceira frase a debandada foi geral, mas, como dizia, serão poucos os leitores, pois, a maioria já foi procurar uma alternativa de leitura mais aliciante, ou mesmo um vídeo do tiktok que é muito mais divertido, mas ao que parece perigoso, ouvi dizer que nos Estados Unidos querem proibir esta plataforma de entretimento infantojuvenil de origem chinesa. São poucos os leitores, mas bons, ou pelo menos pacientes, curiosos e resistentes. Resistir a este exercício delirante cujo propósito é servir de introdução ao tema, não é fácil e desmotiva até os mais obstinados, mas agora que comecei tenho de ir até ao fim: dirão os leitores mais teimosos. E eu farei tudo o que estiver ao meu alcance para não defraudar as expetativas criadas a quem obstinada e corajosamente se mantém por aqui.

A opção por esta espécie de prólogo foi um risco e constitui uma afronta aos cânones motivacionais da comunicação. O risco não foi calculado, aconteceu. A desfeita aos teóricos da comunicação imediata é consciente e tem uma intenção subjacente, nem tudo é tão simples e linear como aparenta, quer na comunicação, quer nas pequenas e grandes rotinas que a revolução científica e tecnológica introduziu no nosso quotidiano.

As emissões regulares de televisão em Portugal só tiveram o seu início já eu tinha nascido, o telefone era fixo e com fios, as mensagens enviavam-se por telegrama, na minha infância as locomotivas das composições ferroviárias funcionavam a vapor, o trabalho era, no essencial, feito com a força dos braços, as cadernetas bancárias eram atualizadas manualmente. E não passaram assim tantos anos. Se olho para esses tempos com saudade? Não. Tenho saudade das pessoas, dos lugares e das discussões prospetivas sobre os benefícios sociais, culturais e económicos que a revolução técnica e científica nos iria proporcionar. A automação e a robótica contribuíram para a libertação de tempos de trabalho e as mais valias daí resultantes teriam reflexo no aumento do rendimento do trabalho, nas acessibilidades, e, as comunicações seriam decisivas para quebrar isolamentos e facilitar a circulação de pessoas bens e serviços. Podia ter recuado à invenção da roda, à utilização e controle do fogo, ou à invenção da máquina a vapor o que poderia ser tão maçudo como o prólogo, por isso recuei apenas umas dezenas de anos. Para enquadramento do tema é suficiente.

Nem tudo aconteceu como era esperado, embora a revolução científica e tecnológica tivesse ultrapassado o que há cinco décadas, algumas utópicas discussões juvenis imaginavam pudesse vir a acontecer. Os tempos de trabalho não foram reduzidos, as mais valias não foram distribuídas, os dias de férias não aumentaram e a idade limite da vida ativa manteve-se, ou foi aumentada, de onde resultou a perda de postos de trabalho e, por consequência, o aumento do desemprego e, com ele, uma continuada e crescente desvalorização do trabalho, ou seja, os sonhos mais húmidos de velhos e novos liberais concretizaram-se, com a conivência e a deriva dos partidos sociais democratas e dos ditos partidos socialistas que enveredaram por vias de convivência pacífica com o mercado e a caminho da conhecida, mas branqueada, barbárie. 

É chegado o momento (finalmente!) de referir a situação que motivou esta confissão, ou reflexão, ou apenas uma mera opinião. A principal razão pela qual vou aos centros comerciais é a necessidade, pontual, de me alimentar fora de casa. Quando vou já sei o que quero, sou muito conservador, faço a encomenda e sento-me a degustar uma refeição que me dizem ser equilibrada e saudável, não fosse o molho de maionese e alho que envolve, a meu pedido, os ingredientes da salada. Enquanto usufruo da refeição olho ao meu redor e observo quem comigo partilha, sozinho ou em família, aquele espaço. É um exercício interessante e do qual se podem recolher vários registos, mas hoje vou apenas referir um aspeto observado que originou este conglomerado de palavras. A maioria das pessoas quando finaliza a sua refeição levanta-se pega no tabuleiro e dirige-se ao local destinado ao seu depósito para depois serem reencaminhados para a sua proveniência. É uma atitude que revela urbanidade e até solidariedade com os trabalhadores que ali estão para executar essa tarefa, mas que eu não adoto. E porquê!? Perguntam os leitores que me conhecem e têm a imagem de que sou uma pessoa bem-educada, bem formada e que cultiva a solidariedade com os trabalhadores, e não se enganam. Passo a explicar, não o faço por duas ordens da razão, a saber: substituir-me ao trabalhador a quem compete essa tarefa pode contribuir para a diminuição dos postos de trabalho naquele local e setor pois, os gestores de recursos humanos, a seu tempo, irão concluir que ao invés de x só são necessários x-n trabalhadores; em segundo lugar por colocar em risco a limpeza e higienização do local onde estive a deglutir a minha refeição. Se não é necessário levantar os tabuleiros, corre-se o risco, de um lugar ou outro, uma mesa ou outra, não serem devida e corretamente limpas e higienizadas. Não por incúria do trabalhador, mas por um lapso provocado pela rutura na rotina das suas funções.

Dir-me-ão que não será bem assim e que o exemplo é rebuscado, talvez, contudo vou manter o meu procedimento mesmo tendo consciência de que quem me observa, e nunca lerá este texto, irá achar que a minha conduta não é muito correta e não se adequa ao que de mim se ajuíza.

(continua)

Ponta Delgada, 4 de abril de 2023

Aníbal C. Pires, In Diário Insular, 5 de abril de 2023

terça-feira, 4 de abril de 2023

avanços

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Excerto de texto para publicação na imprensa regional (Diário Insular) e, como é habitual, também aqui no blogue momentos.





(...) As emissões regulares de televisão em Portugal só tiveram o seu início já eu tinha nascido, o telefone era fixo e com fios, as mensagens enviavam-se por telegrama, na minha infância as locomotivas das composições ferroviárias funcionavam a vapor, o trabalho era, no essencial, feito com a força dos braços, as cadernetas bancárias eram atualizadas manualmente. E não passaram assim tantos anos. Se olho para esses tempos com saudade? Não. Tenho saudade das pessoas, dos lugares e das discussões prospetivas sobre os benefícios sociais, culturais e económicos que a revolução técnica e científica nos iria proporcionar. A automação e a robótica contribuíram para a libertação de tempos de trabalho e as mais valias daí resultantes teriam reflexo no aumento do rendimento do trabalho, nas acessibilidades, e, as comunicações seriam decisivas para quebrar isolamentos e facilitar a circulação de pessoas bens e serviços. Podia ter recuado à invenção da roda, à utilização e controle do fogo, ou à invenção da máquina a vapor o que poderia ser tão maçudo como o prólogo, por isso recuei apenas umas dezenas de anos. Para enquadramento do tema é suficiente. (...)

sábado, 1 de abril de 2023

las marianas - a abrir abril

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Lindas são as mulheres que lutam! Em abril “Las Marianas” e a sua comandante Isabel Rielo.

Las Marianas é a designação atribuída ao primeiro pelotão, exclusivamente feminino, criado no âmbito da luta pela libertação de Cuba da ditadura de Fulgêncio Baptista.