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1. Não tenho por hábito, até evito, frequentar grandes espaços comerciais ou de serviços, mas não há como deixar de os utilizar, de quando em vez vou, é inevitável. Não será, de todo, impossível, todavia, por razões diversas, para o caso irrelevantes, não é fácil deixar de visitar esses espaços. Quando vou, tenho um objetivo preciso. Concretizada a finalidade da deslocação saio sem perder tempo, que o tempo é para ocupar com atividades mais prazerosas. Estar com as pessoas, passear à beira-mar, ou à beira-terra, conforme a perspetiva, usufruir dos lugares naturais ou urbanos, e evitar os não lugares como os grandes espaços comerciais e de serviços, desprovidos de alma onde, inexplicavelmente, ou talvez não, algumas pessoas gastam o seu tempo sem outro propósito, aparente, que não seja estar e olhar para as “meninas ou meninos do shopping”, estar e olhar sem ver, ou olhando e vendo, seja que for. Diferentes finalidades além das observáveis existem, algumas são de compreensão imediata, como sejam o ambiente climatizado e a anunciada “qualidade do ar”, outras são mais subjetivas, mas também não têm importância nenhuma para este relato! ou será que é uma reflexão!? quiçá uma breve confissão! ou mesmo, apenas e só, a partilha de algumas inquietações, desde logo sobre um comportamento que me perturba e ao qual a maioria dos cidadãos aderiu com a melhor das intenções, adotando um procedimento diferente do meu, admito até que a maioria estará certa e eu, e poucos como eu estaremos profundamente errados. Deixo o juízo à vossa consideração.
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A opção por esta espécie de prólogo foi um risco e constitui uma afronta aos cânones motivacionais da comunicação. O risco não foi calculado, aconteceu. A desfeita aos teóricos da comunicação imediata é consciente e tem uma intenção subjacente, nem tudo é tão simples e linear como aparenta, quer na comunicação, quer nas pequenas e grandes rotinas que a revolução científica e tecnológica introduziu no nosso quotidiano.
As emissões regulares de televisão em Portugal só tiveram o seu início já eu tinha nascido, o telefone era fixo e com fios, as mensagens enviavam-se por telegrama, na minha infância as locomotivas das composições ferroviárias funcionavam a vapor, o trabalho era, no essencial, feito com a força dos braços, as cadernetas bancárias eram atualizadas manualmente. E não passaram assim tantos anos. Se olho para esses tempos com saudade? Não. Tenho saudade das pessoas, dos lugares e das discussões prospetivas sobre os benefícios sociais, culturais e económicos que a revolução técnica e científica nos iria proporcionar. A automação e a robótica contribuíram para a libertação de tempos de trabalho e as mais valias daí resultantes teriam reflexo no aumento do rendimento do trabalho, nas acessibilidades, e, as comunicações seriam decisivas para quebrar isolamentos e facilitar a circulação de pessoas bens e serviços. Podia ter recuado à invenção da roda, à utilização e controle do fogo, ou à invenção da máquina a vapor o que poderia ser tão maçudo como o prólogo, por isso recuei apenas umas dezenas de anos. Para enquadramento do tema é suficiente.
Nem tudo aconteceu como era esperado, embora a revolução científica e tecnológica tivesse ultrapassado o que há cinco décadas, algumas utópicas discussões juvenis imaginavam pudesse vir a acontecer. Os tempos de trabalho não foram reduzidos, as mais valias não foram distribuídas, os dias de férias não aumentaram e a idade limite da vida ativa manteve-se, ou foi aumentada, de onde resultou a perda de postos de trabalho e, por consequência, o aumento do desemprego e, com ele, uma continuada e crescente desvalorização do trabalho, ou seja, os sonhos mais húmidos de velhos e novos liberais concretizaram-se, com a conivência e a deriva dos partidos sociais democratas e dos ditos partidos socialistas que enveredaram por vias de convivência pacífica com o mercado e a caminho da conhecida, mas branqueada, barbárie.
Dir-me-ão que não será bem assim e que o exemplo é rebuscado, talvez, contudo vou manter o meu procedimento mesmo tendo consciência de que quem me observa, e nunca lerá este texto, irá achar que a minha conduta não é muito correta e não se adequa ao que de mim se ajuíza.
(continua)
Ponta Delgada, 4 de abril de 2023
1 comentário:
Como sou curioso e interessado em conhecer a opinião dos amigos que me habituei a ler por aqui, diria a revolução técnico-científica no regime capitalista serve principalmente para desvalorizar o trabalho visto que ela é imediatamente apreendida pelo sistema capitalista e arrumar o tabuleiro onde transportámos o prato da comida e na verdade eliminar postos de trabalho como a separação de resíduos sólidos inúteis que se forem já separados não são precisos trabalhadores para os separar assim como o trabalho pró bono nas IPSS da igreja, os bancos alimentares para quebrar a resistência dos abandonados à sua sorte para não assaltarem lojas à procura de comer. O sistema neoliberal que inferniza a vida dos dominados cria logo mecanismos para os controlar, desculpe o tamanho do comentário.
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