foto de Aníbal C. Pires |
A minha adesão está ancorada no género musical, gosto e ouço com frequência alguns dos mais emblemáticos intérpretes e compositores de blues, como por exemplo: Bessie Smith, Eric Clapton, John Lee Hooker, B. B. King, Joe Bonamassa e Beth Hart, de entre muitos outros; mas foram, uma vez mais, os laços de amizade, que me mobilizaram para sair do meu canto e, este ano, pela primeira vez fazer este pequeno périplo por alguns dos festivais de música que animam a estação quente e húmida desta região subtropical.
O lugar dos Anjos, em Santa Maria, recebe há dezanove anos o mais antigo e emblemático festival de blues dos Açores, numa organização da Associação dos Escravos da Cadeínha. Este mítico festival acolhe milhares de visitantes com particular e notória incidência da vizinha ilha de S. Miguel, embora me tenha cruzado com alguns amigos e conhecidos de outras ilhas açorianas. O cartaz foi diversificado e de uma qualidade que justifica a sua projeção para além das fronteiras da ilha e da Região, e mais não me atrevo a dizer pois, de música gosto muito, mas não distingo as notas musicais, ou seja, sou um perfeito ignorante dos códigos desta arte.
O “Faial da Terra Blues” vai na segunda edição e é uma iniciativa da Junta de Freguesia. Sendo mais modesto tem, contudo, condições para se afirmar como uma alternativa às “Festas Brancas” e outros sucedâneos urbanos que, por serem de uma só cor não me atraem pois, gosto da diversidade cromática e abomino a uniformidade.
foto de Aníbal C. Pires |
Os festivais deste ou de outro género musical não vivem só da música. A gastronomia local e o artesanato, tradicional ou contemporâneo, local ou importado, constituem-se como importantes complementos para a dinamização das pequenas economias dos lugares. O ensopado de borrego e o atum, em Santa Maria, as sopas do Espírito Santo e a alcatra em bolo lêvedo, no Faial da Terra, deleitam o palato, saciam os visitantes e proporcionam aos locais e à organização os proveitos que, em grande medida, determinam a continuidade destes eventos e o empenho das populações em oferecer mais e melhor aos forasteiros.
Usufruí da música, da gastronomia e do convívio que estes eventos proporcionam, e gostei. Tenho, contudo, algumas reservas na utilização de idílicos espaços naturais para a realização de concertos ou de outros eventos que perturbam a tranquilidade destes lugares. A noite nestes locais é muito mais aprazível se apenas se ouvirem os sons naturais, seja o piar dos cagarros ou o marulhar das ondas no calhau rolado.
Esta não será uma opinião muito popular, mas não podia deixar de a expressar. Não sou um ambientalista radical, porém tenho consciência que a realização destes eventos provoca impactos negativos sobre a vida das espécies animais que fazem daqueles lugares o seu habitat. É apenas o registo de uma inquietação pois, compreendo as razões dos promotores na escolha dos espaços, como compreendo a satisfação de quem se desloca para desfrutar, bem assim como a importância destes eventos para os pequenos lugares, mas a coerência obriga-me a partilhar e reforçar a ideia de que as atividades antrópicas, independentemente da sua natureza, provocam danos, por vezes irreversíveis, nos ecossistemas.
A experiência festivaleira tendo sido agradável pela música, pela gastronomia, pelos encontros e reencontros com amigos, conhecidos e antigos colegas de profissão, mas também com alguns adversários políticos com quem partilhei importantes anos da minha vida, ainda que em posições antagónicas, mas com os quais mantenho relações de urbanidade e respeito, aliás como sempre aconteceu na minha vida pública.
foto de Aníbal C. Pires |
A fé e o amor, diz-se, movem montanhas. A amizade também, acrescento eu se ainda ninguém o tiver feito. Não foram os blues, nem os lugares, nem as delícias gastronómicas que me moveram, foi a amizade. Vivemos todos na mesma cidade, encontramo-nos algumas vezes ao longo do ano, não tantas como gostaríamos, mas as que a vida permite. Convivemos bem com isso e sempre que nos reencontramos é como se não houvesse tempo nem distância a separar-nos do último jantar, da última conversa, do último telefonema mas, quando é possível saímos do sufoco da vida na cidade e dos compromissos pessoais e profissionais, e passamos uns dias juntos para celebrar esse sentimento que nos une, não obstante a diversidade de interesses e a forma como cada um de nós lê o mundo que nos rodeia.
foto de Aníbal C. Pires |
Esta afinidade, com estes ou outros amigos, vem de longe. Vem de um tempo onde a pressa de viver marcava o ritmo. E quando a urgência impera não há tempo para saborear a vida, vivemos e partilhamos o momento. Depois se verá.
O passar do tempo consolida a amizade, hoje vivemos a vida como se degustássemos um vinho envelhecido. Também os afetos necessitam de tempo, para no tempo perdurarem. A amizade, assim como o vinho, precisa de um tempo de maturação, e depois… depois acompanha-nos pelo tempo e é bom. É muito bom ter amigos que caminham connosco ao longo da vida.
Faial da Terra, 6 de agosto de 2023
2 comentários:
UM EXCELENTE TEXTO COM UMA ANÁLISE OBJETIVA E SINCERA!...OBRIGADO!
EXCELENTE COMENTÁRIO, OBJETIVO E COM ALGUMAS SUGESTÕES, O QUE É SEMPRE SALUTAR!...VOLTE SEMPRE!
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