foto Aníbal C. Pires |
Tenho de reconhecer, depois de ter lido o programa do XIV governo regional, que José Manuel Bolieiro, como publicamente tinha anunciado, apresentou um programa de continuidade, ou seja, vamos continuar a trilhar um penoso caminho.
O programa de governo pode ser bom ou mau consoante as diversas leituras que podem ser feitas ao documento que, para já, consiste apenas numa mera declaração de intenções, mas que conforma uma matriz ideológica liberal e assistencialista que não assegura progresso, desenvolvimento e justiça social.
Imagem retirada da internet |
O governo, no programa agora aprovado, afirma que existe um continuado crescimento económico (importaria aferir da sua sustentabilidade), mas não tem uma única medida que seja para redistribuir a riqueza criada.
O programa de governo propõe um modelo político ancorado na economia social e de mercado, reservando para a governação, apenas, o papel de regulador. Nem a Iniciativa Liberal seria tão clara nos propósitos, conquanto os motivos tornados públicos para a sua abstenção tenham sido os da estabilidade política.
O programa de governo reflete, naturalmente, o que os parceiros da coligação de direita pretendem para a sociedade açoriana o que, na minha modesta opinião, significa que vamos continuar na cauda das regiões europeias com indicadores de desenvolvimento humano indignos. E não se trata de nenhuma avaliação sobre as qualidades e qualificações políticas dos protagonistas, trata-se do projeto político ao qual estão vinculados que, sendo de “continuidade reformista”, vai promover a concentração da riqueza e o empobrecimento dos trabalhadores.
A discussão parlamentar de análise, discussão e aprovação do programa do XIV governo regional aconteceu no rescaldo dos resultados eleitorais para a Assembleia da República. Os entendimentos conseguidos pelo PSD Açores poderão, ou não, servir como modelo para uma solução governativa semelhante na República. Veremos! Os resultados ainda não foram apurados, estão por atribuir os deputados (4) dos círculos eleitorais da emigração, embora não se esperem alterações de monta que coloquem em causa a escassa vitória da AD que o PS, na noite eleitoral, se apressou a reconhecer e da qual o PSD fez um foguetório, sempre com beneplácito da acrítica comunicação social, como se uma vitória expressiva se tratasse.
Se na noite eleitoral a comunicação social empolou, enquanto foi possível, a vitória da direita, de igual forma a comunicação social ajudou a construir estes e não outros resultados eleitorais.
As eleições em Portugal foram ganhas pela opinião mediática. A construção mediática do resultado só foi possível pela elevada iliteracia política e funcional que carateriza os portugueses. Não terá sido só, outras razões se poderão aduzir a estas, mas a parcialidade da comunicação social foi determinante para que o justo descontentamento dos portugueses se tivesse transformado no apoio a propostas políticas que os penalizarão ainda mais.imagem retirada da internet
Os mais desprendidos ou pragmáticos dirão que é a democracia a funcionar, eu direi que não. O que funcionou foi a moldagem e a manipulação do pensamento que os “donos do mundo” promovem e financiam, ao qual se pode associar os resquícios da herança do fascismo português que continua a colher adesão.
Vi por aí escrito, algures numa rede social, que os eleitores deram esta dimensão à extrema-direita, mas não professam ideais fascistas. Eu tenho as minhas dúvidas, o voto pode até ter sido de protesto, mas foi também um voto de identificação com a xenofobia e o racismo e outras formas de discriminação. Se assim não fosse o protesto teria sido distribuído pela ampla oferta de opções eleitorais para além dos partidos alternantes no poder em Portugal.
As populações mais fragilizadas social e economicamente e as que são vítimas do “menos Estado melhor Estado”, esta tese liberal que resultou (resulta sempre) na degradação dos serviços públicos, seja na saúde, seja na educação, seja no apoio social, mas também na desvalorização do trabalho e dos trabalhadores e na delapidação do setor público, estes são motivos mais do que suficientes para que os eleitores do interior norte e centro e dos territórios a Sul do Tejo tenham manifestado o seu desagrado pelo abandono a que têm sido sujeitos, embora tenham optado por dar apoio eleitoral aos autores e cúmplices das políticas e procedimentos que estão na base do seu descontentamento.imagem retirada da internet
Os concelhos e distritos mais penalizados pelo abandono dos governos de Lisboa sinalizaram o seu protesto dando apoio eleitoral ao discurso antissistema profusamente reproduzido pelos órgãos de comunicação social de massas. Se é justo o protesto dos eleitores já não poderei dizer o mesmo da sua opção eleitoral que demonstra a permeabilidade dos cidadãos ao discurso boçal e medíocre utilizado para despertar sentimentos primários que contrariam toda a evolução social que, julgava eu, estava bem consolidada no seio das sociedades do chamado mundo ocidental, por outro lado, esta opção eleitoral é, também, reveladora dos efeitos da infantilização e estupidificação a que temos sido sujeitos.
A ascensão da direita e da extrema-direita tem-se verificado um pouco por toda a União Europeia e, mais tarde ou mais cedo chegaria a vez de Portugal. O crescimento desmedido da extrema-direita, não tendo constituído uma surpresa, é preocupante e representa um retrocesso civilizacional num espaço geográfico, político e social que diz, de si próprio, ser uma referência dos valores democráticos e defesa das liberdades. O “jardim” de Josep Borrel, pela sua própria natureza, está a perder o viço. Com “botas cardadas ou pezinhos de lã” o fascismo recrudesce e, qual erva daninha asfixia os espaços de liberdade e democracia.
Ponta Delgada, 19 de março de 2024
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