auto retrato |
Dir-se-á que ninguém melhor que o próprio reúne todo o conhecimento sobre o processo de partilha do que escreve e publica. Assim será, mas esse facto não me conforta, bem pelo contrário, a partilha da palavra escrita constitui-se como mais uma exposição pública o que, de todo, nunca me agradou, nem agrada. Eu sei, tive por outros motivos muita exposição no espaço público regional, e até poderia parecer que daí retirava alguma satisfação, nada mais errado, foi para mim muito, mas mesmo muito desgastante e sempre que podia refugiava-me num porto seguro. A exposição pública através da partilha da palavra escrita não tendo a mesma dimensão, mas, ainda assim, foi necessário saltar, com insegurança, algumas barreiras que eu próprio coloquei neste caminho.
A minha atividade como autor tem a sua génese nas páginas dos jornais regionais, aliás instrumento do qual, nem todos, mas alguns dos nossos escritores de renome se serviram para exercitar a construção literária de que hoje são verdadeiros mestres. Iniciei a minha colaboração na imprensa regional em 2003, passei pelo “Correio do Norte”, pelo “Açoriano Oriental”, pela “União”, pelo “Expresso das Nove”, pelo “Diário Insular” e, ainda, por alguns títulos digitais, como por exemplo, o “Açores 9” e o “Azores Digital”. Colaborei, também, na rádio como comentador na “Conversa a 4” na TSF Açores, na Rádio Clube de Angra e na 105 FM. Em televisão fui pontualmente comentador em programas de grande informação na RTP Açores e mantive na SMTV um programa semanal de outubro de 2018 até julho de 2019, aquando do seu encerramento.
Como referi logo o início o tema de hoje não é de fácil abordagem. Afinal trata-se de falar de mim e não é uma tarefa fácil por várias ordens de razão, desde logo porque não gosto de me expor, nem de tomar a iniciativa para escrever ou falar sobre o que faço, não me importo de responder, quando sou questionado, mas por iniciativa própria não é coisa que me agrade. Por outro lado, a atividade desenvolvida no exercício pleno da minha cidadania, bem como as minhas publicações são conhecidas, ou pelo menos, para não parecer que estou a ser imodesto, e não é o caso, estão, a vida e as publicações, acessíveis ao conhecimento dos cidadãos.
Gosto mais de ouvir do que falar. Mas se é verdade que gosto mais de ouvir do que falar é, igualmente, verdadeiro que gosto mais de ler do que escrever e, naturalmente, leio muito mais do que escrevo, mas, a escrita seja na forma de ensaio, crónica ou poesia faz parte da minha vida, conquanto me tenha iniciado tardiamente nessas lides, talvez por ter outras prioridades, e como sou, ao contrário do que por vezes possa parecer, desorganizado e sem método nunca consegui gerir e organizar o tempo para além da minha vida familiar, profissional, cívica e política, de modo a criar condições para escrever. Não sei gerir o tempo. Tenho sempre tempo para os outros, nunca tenho, ou, raras vezes tenho tempo para mim. Bem agora já vou tendo. Estou aposentado e nessa condição tinha a expetativa que o tempo sobejasse. Pensava eu que sim, mas não, pois, continuo a ter uma intensa atividade que decorre do meu espírito inquieto e de muitas solicitações para colaborar em projetos aos quais continuo, como sempre fiz, a dar resposta positiva, a não ser que a agenda não permita mais entradas.Cheguei precocemente à participação política engajada, à profissão e ao casamento. E esses três aspetos da minha vida constituíram-se nas minhas prioridades. O tempo, está bom de ver, não sobrava ou, pelo menos, eu não dava conta da existência de tempo livre para assumir outros encargos, quiçá por não saber gerir o tempo que restava.
A atividade profissional terminou recentemente. Foi uma longa carreira, mais de quarenta e seis anos de docência, embora oito, desses quarenta e seis, tenham sido dedicados à vida política a tempo inteiro. Uma carreira profissional de que me orgulho e ao longo da qual fiz tudo o que um professor pode fazer para além da docência. Do casamento que completa, em junho, quarenta e sete anos, resultaram três filhos, duas raparigas e um rapaz. E, sou avô de três netas. A militância partidária e o engajamento político aconteceram com alguma naturalidade ainda durante o ano de 1974 e continuarão enquanto respirar.
A escrita e a partilha de opinião entraram nas minhas rotinas, como já referi, em 2003 e mantêm-se. Em março de 2008, com a criação do meu blogue “momentos”, a escrita assumiu outros contornos e dei início à partilha dos primeiros textos poéticos, num processo que resultou, em grande parte, das minhas deambulações pelo arquipélago (ainda antes de ser eleito deputado). Da escrita foram resultando várias publicações: Imigrantes nos Açores – representações dos imigrantes face às políticas e práticas de acolhimento e integração (Tese de Mestrado), Edições Macaronésia, Ponta Delgada, 2010. O Outro Lado – palavras livres como o pensamento (poesia), Edições Letras Lavadas, Ponta Delgada, 2014. Toada do Mar e da Terra – Volume I (2003/2008) (crónicas), Edições Letras Lavadas, Ponta Delgada, 2017. O Encanto dos Sonhos (conto), Edições Letras Lavadas, Ponta Delgada 2019. Esperança Velha e outros poemas, (poesia), Edições Letras Lavadas, 2020. Destroços à Deriva, (poesia), Edições Letras Lavadas, 2024.
Cheguei à escrita tardiamente. E tardiamente descobri este prazeroso tempo de intimidade e tranquila solidão. O tempo em que grafo no papel as palavras que, por diferentes motivações, partilho nas minhas publicações. Sendo prazeroso e solitário não é de autossatisfação, o tempo e o objeto que estão associados à escrita que tenho partilhado através das minhas publicações em livro, ou no meu blogue. É, ainda e sempre, um tempo de partilha e de intervenção. É ainda e sempre o professor que habita em mim, pois ser professor é ter a capacidade de partilhar conhecimento, mas sobretudo criar espaços de reflexão que induzam o pensamento crítico. Se atualmente ser professor não é isso, houve um tempo em que assim era.
Não sou um autor que trabalha as palavras como fazem alguns artífices das letras que as lapidam como se fossem diamantes. Direi que sou um eterno aprendiz de obreiro das palavras, o que já me satisfaz face a tudo o que fui fazendo ao longo da minha vida.
Se viver e conhecer os Açores teve importância em todos os aspetos da minha vida. Sim, claro que sim. Quando me fixei definitivamente na Região já trazia comigo o engajamento político, o casamento, duas filhas e a carreira profissional. Depois foi toda uma vida de descoberta e de intervenção que acabou por me levar à escrita. Se teria sido possível em qualquer outro lugar. Não sei, talvez. Mas nunca como nestas ilhas, embora a Beira Baixa e o seu povo, de onde sou oriundo, sejam fontes inesgotáveis de inspiração.
Ponta Delgada, 15 de abril de 2024
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