quarta-feira, 29 de maio de 2024

uma questão de humanidade

O mundo revolta-se, mas o genocídio continua, e continuará se os dirigentes políticos não acompanharem, as exigências feitas nas manifestações populares de repúdio à barbárie colonialista que massacra o povo palestiniano com decisões que objetiva e inequivocamente provoquem efeitos penalizadores no estado sionista e provoquem, de imediato, o fim da matança indiscriminada, mas propositada, de crianças, de mulheres e de homens que querem viver em paz numa terra que é sua.

Os movimentos populares, sejam protagonizados por estudantes, organizações sindicais, movimentos pacifistas, por judeus, por cristãos, por muçulmanos, ou qualquer outra confissão religiosa, aos quais se juntam artistas e intelectuais, em ações de rua, como Susan Sarandon ou, nos privilegiados palcos que estão à sua disposição, como foi o recente caso de Cate Blanchett no tapete vermelho de Cannes, de Kani Kusruti, atriz indiana, que se apresentou com um adereço simbólico da luta e resistência palestiniana, ou ainda de Asmae El Moudir cineasta marroquina, de entre outras personalidades, que passaram pela edição do Festival de Cannes deste ano e que, de forma criativa, expressaram o seu apoio à Palestina. Não é possível, neste espaço, enumerar todas as personalidades públicas que erguem as suas vozes exigindo um cessar-fogo imediato e permanente, mas as fileiras engrossam a cada dia que passa. 

Não é possível ficar indiferente às imagens do terror que se instalou há 76 anos no território palestiniano. Se ainda resta um pouco de humanidade no coração do mundo é chegada a altura de admitir e corrigir o erro cometido em 1947, quando a comunidade internacional validou as pretensões sionistas que a Inglaterra, em 1917 (declaração de Balfour), validou e no pós-II Guerra Mundial a Organização das Nações Unidas (ONU) ratificou. À data foram poucas as vozes que se levantaram contra a artificial implantação do tumor sionista no território da Palestina, mas não foi necessário muito tempo para o “mundo civilizado” assistir, tornando-se cúmplice, ao início do processo colonialista e genocida que se prolonga há 76 anos e ao qual é imperativo por um ponto final.

Se no fim dos anos 40 do século passado a informação era escassa e chegava tardiamente atualmente, nos meios alternativos de informação, assistimos à barbárie em tempo real e ninguém fica indiferente ao sofrimento de um povo que tem vindo a ser colonizado e alvo de apartheid por um grupo de fanáticos que sustenta a sua doutrina política na superioridade do “povo eleito” e olha para os outros povos, não só o povo palestiniano, como seres inferiores cuja utilidade é, tão-somente, servir o “povo eleito”. Isto não é judaísmo é sionismo. Lutar para derrotar e erradicar o sionismo não é ser contra os judeus, ou o judaísmo, aliás os judeus, um pouco por todo o mundo têm expressado de forma clara que não se identificam com o estado sionista, nem o reconhecem e afirmam, nos fóruns mundiais e nas manifestações de rua: “não em nosso nome.”

A colonização da Palestina com todo o terror e violência que os sionistas têm perpetrado contra os legítimos habitantes da Palestina, professem o judaísmo, o islamismo, o cristianismo, ou qualquer outra confissão religiosa, demonstra de forma evidente que aquele conflito não é religioso, como nos querem fazer crer e que a comunicação social “oficiosa” continua a alimentar. 

A narrativa ocidental, com os Estados Unidos a reger o coro, pretende reescrever a história e justificar o injustificável. Mas em bom rigor quem demonstra apoio à causa palestiniana não é antissemita pois, como sabemos também os árabes são semitas, mas quem manifesta apoio à Palestina é, por certo, antissionista pelas mesmas razões que se é antifascista e antinazi. 

Os fundamentos ideológicos que dão sustentáculo ao sionismo e ao nazismo estão ancorados na superioridade de um grupo humano sobre outro(s), e todos sabemos dos elevados custos para a humanidade que estas teorias provocaram ao longo da história. O colonialismo, o genocídio dos povos nativos do continente americano, a escravatura, o Porajmos, holocausto cigano, o Shoah, holocausto judeu, são exemplos que ilustram as atrocidades cometidas em nome das teorias da supremacia de um grupo humano sobre outro(s). 

A criação do estado colonial sionista data de um período histórico em que o mundo assistia a uma fase importante do processo de descolonização que se seguiu ao fim da II Guerra Mundial, ou seja, os povos colonizados libertavam-se. Mas, paradoxalmente concebeu-se um novo estado colonial para limpar a má consciência da secular perseguição aos judeus e do holocausto. Não foi apenas essa a razão, mas também.

A luta do povo palestiniano tem sido, no essencial, uma luta de resistência pacífica contra a ocupação do seu território, uma vez que o Estado Palestiniano não dispõe, como se sabe, de forças armadas, e atirar pedras aos ocupantes não pode ser considerado, digo eu, uma resposta violenta. Neste processo de colonização de um território e de um povo houve algumas ações do povo palestiniano e dos seus representantes políticos que se constituíram como respostas violentas. O quadro jurídico internacional reconhece o direito à luta armada pela libertação e pela autodeterminação e é nesse quadro que as ações violentas do povo palestiniano contra o colonizador se legitimam. A recusa sistemática do estado sionista de, em diálogo, encontrar soluções pacíficas escancararam as portas a soluções violentas.

A ocupação violenta, os assassinatos em massa, a destruição de cinco centenas de cidades e aldeias e, a deslocação de mais de 700mil palestinianos, em 1948 (Nakba). Foi assim que nasceu o estado sionista e se iniciou o genocídio do povo palestiniano. A interminável Nakba, teve início a 15 de maio de 1948, perdura há 76 anos, e não tem fim à vista. As atenções estão centradas em Gaza, mas não podemos perder de vista a globalidade do povo palestiniano que, nos territórios ocupados, é diariamente agredido, vilipendiado e expulso de suas casas pelos colonos, e preso, torturado e assassinado pelo exército sionista de ocupação.

A narrativa do poder e do pensamento dominante continua a vender a ideia de que o estado sionista é um estado judaico, mas confundir o judaísmo com o sionismo é um erro histórico desde logo pelo facto dos sionistas serem antissemitas. E quem o diz são os próprios judeus que vivem nos mais diversos lugares e países do mundo, mas também alguns judeus que nos territórios ocupados da Palestina têm a coragem, apesar de serem alvo de uma brutal repressão, de erguer os símbolos nacionais da Palestina e denunciar os crimes do estado sionista comparando-o com os crimes cometidos pelos nazis durante a II Guerra Mundial, mormente contra os judeus.

O estado da Palestina foi reconhecido pela maioria dos países do mundo, nessa lista não consta Portugal e eu, sinto vergonha. E envergonho-me das palavras proferidas por Marcelo Rebelo de Sousa sobre a posição portuguesa: “não é o momento adequado.” Quantas mais crianças terão de ser mortas pelos sionistas para ser o momento adequado!?

Ponta Delgada, 28 de maio de 2024 

Aníbal C. Pires, In Diário Insular, 29 de maio de 2024

terça-feira, 28 de maio de 2024

apoiar a Palestina


Excerto de texto para publicação na imprensa regional (Diário Insular) e, como é habitual, também aqui no blogue momentos.






(...) Os movimentos populares, sejam protagonizados por estudantes, organizações sindicais, movimentos pacifistas, por judeus, por cristãos, por muçulmanos, ou qualquer outra confissão religiosa, aos quais se juntam artistas e intelectuais, em ações de rua, como Susan Sarandon ou, nos privilegiados palcos que estão à sua disposição, como foi o recente caso de Cate Blanchett no tapete vermelho de Cannes, de Kani Kusruti, atriz indiana, que se apresentou com um adereço simbólico da luta e resistência palestiniana, ou ainda de Asmae El Moudir cineasta marroquina, de entre outras personalidades, que passaram pela edição do Festival de Cannes deste ano e que, de forma criativa, expressaram o seu apoio à Palestina. Não é possível, neste espaço, enumerar todas as personalidades públicas que erguem as suas vozes exigindo um cessar-fogo imediato e permanente, mas as fileiras engrossam a cada dia que passa. (...)

segunda-feira, 20 de maio de 2024

do culto ao Divino no Brasil

 

Dia dos Açores 2024 - um outro hino


quarta-feira, 15 de maio de 2024

uma espécie de prólogo

imagem retirada da internet

A
o contrário do protagonista desta pequena estória sou um consumidor de informação televisiva e, quando vi e ouvi a pergunta e a resposta firme e seca a uma daquelas perguntas que roçam o acessório, mas que o público, sedento de um bom “enredo”, tanto gosta e os jornalistas alimentam para garantir audiências subvertendo o objeto da sua função, pensei para comigo: tenho de falar com ele pois, não me parece, face ao que veio a público, mas também ao que conheço dos factos que a resposta corresponda à realidade.   

Ele sabia que a dita pergunta não era inocente e, segundo as suas próprias palavras, estava de alguma forma à espera daquela questão.

Numa das muitas entrevistas para a imprensa, rádio e jornais em que foi o sujeito, perguntaram-lhe: Alguma vez se sentiu prejudicado pela sua opção ideológica e partidária? A resposta saiu pronta e limpa, não. 

Há uns dias num dos recantos paradisíacos deste arquipélago abençoado pelos deuses, para quem neles acredita, ou pela mãe Natureza como eu prefiro dizer pois, não creio em divindades, e, onde a amena cavaqueira pode tomar rumos diversos, confessou-me que aquilo que tinha afiançado com tanta firmeza, não era verdade, acrescentando, sabes a verdade tem o seu tempo e lugar e aquele não era nem o lugar nem e o tempo próprio para me deixar enredar em espúrias estratégias comunicacionais. E continuou: A resposta é, como pensas, sim. Sim fui prejudicado. Então porquê aquele perentório não, perguntei-lhe. 

foto de Madalena Pires

Coloquei a questão sem esperar que a resposta, conhecendo-o bem e sabendo que é uma pessoa reservada naquilo que a si diz respeito, não viesse eivada de subterfúgios, ou mesmo que dele obtivesse uma não resposta. Mas, para surpresa minha, assim não aconteceu e, talvez por ser Verão, respondeu de forma clara e objetiva tal como tinha respondido não durante aquela entrevista, mas desta vez sem qualquer fuga à verdade pois, no contexto de uma conversa de amigos tudo pode e deve ser dito sem rodeios.

Se eu tivesse respondido sim, como era esperado pelos jornalistas, a entrevista que não era pessoal, eu estava ali a representar uma organização política, passaria a centrar-se num tema que podendo ser importante para mim, não era relevante para cumprir o objetivo a que me propunha e ao que era expectável por quem eu estava a representar, ou seja, a partir daí, se eu tivesse respondido sim, as questões que me seriam colocadas passavam para o domínio do acessório e o essencial transitava para segundo plano.

Podes até, diz-me ele, considerar que optei pelo politicamente correto ou que tive medo, podes ajuizar como muito bem entenderes, mas o verdadeiro motivo foi aquele que acabo de te dizer e que nunca o tinha referido a ninguém, aliás, também como já te disse, estava à espera da pergunta o que facilitou aquele categórico não.

Sabes, diz-me ele, temos de nos preparar para todos os cenários e, ainda assim, nem sempre se consegue que tudo nos corra de feição, mas correrá sempre mal se não nos preparamos antes das entrevistas, ou mesmo quando se trata de fazer pequenas declarações à comunicação social, tantas e tantas vezes em cima do acontecimento. É sempre bom escolher as palavras e tentar não ser dirigido pelos nossos interlocutores, nem lhes deixar espaço para a especulação. Bem, esta premissa, como por certo concordarás comigo, aplica-se não só a esse contexto, mas a outros cenários. Não foi este o caso pois, como pudeste constatar não estou a fugir às tuas questões e nunca me passou pela cabeça, quando me convidaste para vir até aqui, que a nossa conversa viesse a tomar este caminho. Percebi perfeitamente, porque o conheço e, porque conheço, ainda que, superficialmente o funcionamento da organização política a que pertence desde a sua juventude. 

Sentindo que ele, talvez pelo cenário idílico, pelo calor do Verão ou pela confiança que em mim deposita, estava com disponibilidade para falar. Ganhei coragem e atrevi-me a continuar.

Ouve lá! Sabia, não precisava sequer que o confirmasses que, de uma forma ou outra, as tuas opções ideológicas, podendo deixar-te bem contigo mesmo, te prejudicaram ao longo da vida, mas em determinado momento foi claro que alguém o fez de forma deliberada. O teu bom nome foi posto em causa e atingiu direta ou colateralmente, como quiseres entender, a tua família. O que estranhei e, como eu, certamente, muitas outras pessoas que te conhecem, e que não duvidam da tua integridade moral e política, o que estranhei foi que não tivesses vindo a terreiro defender-te e esclarecer a opinião pública. Porquê!? Por que te remeteste ao silêncio.

Quando acabei, embora tivesse sido breve, estava com o suor a correr pelas costas e, não era do calor. Para lhe colocar, sem rodeios, esta questão foi preciso alguma coragem. Quem o conhece sabe que ele é afável, simpático e bem-humorado, mas também sabe que há questões sobre as quais ele não fala e se o tentam encurralar pode tornar-se num adversário temível.

Claro que enquanto lhe fiz a pergunta não deixei de olhar para ele, não só por uma questão da urbanidade que ele tanto cultiva, e eu também, mas sobretudo porque era importante ler os sinais corporais que ele ia, ou não, transmitindo. Ele sorria ainda que do seu olhar transbordassem um misto de sentimentos e algumas emoções antagónicas cujo espetro ia da tristeza à raiva, raiva que não chegava a ser ódio e vi, no seu olhar, a deceção. Sorrindo, respondeu-me.

E falou como eu nunca o tinha ouvido falar, falou de si, das suas angústias, dos seus sonhos, os sonhos que se cumpriram, os sonhos que continuam por cumprir, mas dos quais não abdica. E, com as lágrimas que de quando em vez lhe afloravam aos olhos, falou dos sonhos que sabe não poder ver realizados, sonhos que se perderam no tempo, ou porque o tempo, o seu tempo, é finito.

Queres mesmo saber!? Pois bem! Pede aí mais uma imperial e uns amendoins, e, presta atenção. Não só te vou dizer por que não vim a terreiro, mas também quem é que me tentou foder a vida.

foto de João Pires

Estupefacto perguntei: Sabes quem foi!? Claro que sei. Sei quem foram os autores, sei quem foi o mensageiro, sei quem foi instrumentalizado, sei quem foram os lacaios que deram corpo à difamação e, sobretudo, sei qual foi o objetivo que esteve associado a esta trama, que como verás, tem requintes de malvadez, diria mesmo que tem contornos maquiavélicos.

A tarde prolongou-se até noite dentro, muitas outras tardes e noites se lhe seguiram. Partilhou comigo mais do que alguma vez julguei ser possível, mas como ele próprio diz nem tudo pode ser contado e, também eu, me reservo a não divulgar mais do que já ficou dito, desde logo, pela reserva de confidencialidade que lhe assegurei, mas também para não vir a ser uma vítima colateral de uma certa forma de fazer “política”, muito em uso na Região e no País, e, por outro lado, cabe-lhe em primeira instância, a divulgação dos detalhes da estória que aqui foi aflorada.

Hoje não, mas amanhã talvez. Disse ele, com um sorriso nos lábios.


Ponta Delgada, 14 de maio de 2024 

Aníbal C. Pires, In Diário Insular, 15 de maio de 2024

atrevimento

foto de Aníbal C. Pires




Excerto de texto para publicação na imprensa regional (Diário Insular) e, como é habitual, também aqui no blogue momentos.






(...) Sabes, diz-me ele, temos de nos preparar para todos os cenários e, ainda assim, nem sempre se consegue que tudo nos corra de feição, mas correrá sempre mal se não nos preparamos antes das entrevistas, ou mesmo quando se trata de fazer pequenas declarações à comunicação social, tantas e tantas vezes em cima do acontecimento. É sempre bom escolher as palavras e tentar não ser dirigido pelos nossos interlocutores, nem lhes deixar espaço para a especulação. Bem, esta premissa, como por certo concordarás comigo, aplica-se não só a esse contexto, mas a outros cenários. Não foi este o caso pois, como pudeste constatar não estou a fugir às tuas questões e nunca me passou pela cabeça, quando me convidaste para vir até aqui, que a nossa conversa viesse a tomar este caminho. Percebi perfeitamente, porque o conheço e, porque conheço, ainda que, superficialmente o funcionamento da organização política a que pertence desde a sua juventude. 

Sentindo que ele, talvez pelo cenário idílico, pelo calor do Verão ou pela confiança que em mim deposita, estava com disponibilidade para falar. Ganhei coragem e atrevi-me a continuar. (...)


sexta-feira, 3 de maio de 2024

Diamantino Gonçalves - (1954-2024)

guardião de memórias


que dizer

neste dia cinzento

de pesar 


faltam as palavras

que dizer!?

como dizer!?

da tua devoção

às terras da Beira Baixa

ao teu povo

que dizer de ti      amigo e camarada


tu que calcorreaste

as veredas da Gardunha

as margens do Zêzere

os sons da transumância

os sabores da Maúnça

e

com o teu olhar arguto

eternizaste a paisagem

e a cultura das gentes


guardião de memórias

habitaste o tempo

deste-lhe substância

Até Sempre!


Aníbal C. Pires, Ponta Delgada, 2 de maio de 2024

quarta-feira, 1 de maio de 2024

Abril é mais futuro!

foto de Madalena Pires
O cinquentenário da Revolução de Abril continua a comemorar-se por todo o país. A manifestação de Lisboa, no dia 25, foi um sinal claro e inequívoco de identificação do povo português com os ideais e valores de Abril, por tudo quanto foi conquistado, por tudo o que é necessário defender e por tudo o que é necessário (re)conquistar e construir, pois, Abril é mais futuro!

As praças, ruas e avenidas de Portugal, com maior ou menor adesão dos cidadãos, juntaram gente, muita gente, para celebrar os 50 anos do 25 de Abril. Mais do que comemorar uma efeméride foi a afirmação da defesa dos valores de Abril e uma grande determinação, das vozes que ecoaram no espaço público, clamando pelos valores da Liberdade e da Democracia. Abril está vivo e a maioria dos portugueses reconhece as importantes transformações que a Revolução dos Cravos nos proporcionou, mas pelas quais é necessário (hoje e sempre) continuar a lutar. 

No contexto político e parlamentar que vivemos essa determinação e demonstração assumem um significado que vai muito além da celebração de uma data, foi um dia de luta. É um tempo de luta! Luta com os olhos postos no porvir e no sonho de um país mais justo onde a democracia política, económica, social e cultural sejam uma realidade.

As comemorações dos 50 anos do 25 de Abril têm assumido diferentes formatos e vão prolongar-se no tempo, durante este ano e nos anos vindouros. Os filhos e netos da Revolução aí estão para continuar esta construção, por agora, embargada e, para manter a memória de um tempo novo e transformador. 

Diz-se da Revolução de 25 de Abril que foi uma revolução de cravos e sem derramamento de sangue, não fossem os quatro cidadãos mortos (ao fim da tarde), pelos disparos provenientes da sede da PIDE/DGS, e assim teria sido. Em jeito de homenagem deixo aqui o nome dos cidadãos assassinados pela PIDE/DGS no dia 25 de Abril de 1974: Fernando Carvalho Giesteira, José James Harteley Barneto, João Guilherme Rego Arruda e Fernando Luís Barreiros dos Reis. Assim foi no dia 25 de Abril de 1974, mas este dia não aconteceu por acaso e durante os 48 anos da ditadura há uma longa história de sangue derramado que importa não seja olvidado em nome da memória dos que lutaram, foram presos, torturados e que morreram até ao dia do qual Sophia de Mello Breyner nos diz: “Esta é a madrugada que eu esperava/O dia inicial inteiro e limpo/Onde emergimos da noite e do silêncio/E livres habitamos a substância do tempo.”

Até chegar “o dia inicial inteiro e limpo”, morreram às mãos do aparelho repressivo do fascismo português assassinados na rua, nas instalações prisionais, nas frentes de guerra os soldados portugueses, mas também os combatentes das lutas de libertação e as populações das colónias alvo das mais diversas sevícias e massacres. Desconheço os números na sua totalidade, mas atrevo-me a afirmar que são várias centenas de milhares os mortos provocados, diretamente, pelo regime instaurado a 28 de maio de 1926 em Portugal o qual, em 1933, pela mão de Salazar se estruturou num regime fascista. 

A Revolução portuguesa não aconteceu por acaso e há toda uma história de resistência, luta e sangue derramado que contribuiu para que o derrube do fascismo português tivesse acontecido. Se é verdade que a revolta militar teve na sua origem causas de ordem corporativa dentro das Forças Armadas, não é menos rigoroso afirmar que no seio do Movimento das Forças Armadas (MFA) existia um conjunto de oficiais (milicianos e do quadro) com consciência social e política, e que esse facto foi determinante para que o programa do MFA tivesse os contornos progressistas que o caraterizaram e aos quais o povo português aderiu massivamente, também não é menos verdade que a oposição organizada e clandestina, com particular destaque para o PCP, quer se goste ou não, mas factos são factos, foi uma das variáveis determinantes, de entre outras, para o derrube do regime fascista em Portugal.

O que ficou dito não pretende retirar os atributos que caraterizaram o dia em que o regime foi derrubado, a Revolução do 25 de Abril foi e continuará a ser uma revolução marcada pelos cravos que a Celeste Caeiro, num gesto simples e agradecido, deu aos soldados que se dirigiam para o Largo do Carmo, mas não podemos obliterar, ou branquear, tudo o que lhe esteve na origem. As lutas dos trabalhadores e do povo português, a resistência e as prisões do fascismo, a luta armada dos povos colonizados e a guerra colonial que sacrificou mais de 10mil jovens portugueses, estropiou mais de 30mil e afetou a generalidade das famílias portuguesas.

A maioria do povo português sentiu e viveu os acontecimentos do dia 25 de Abril de 1974 com alegria. Uma incomum aura de felicidade parecia envolver os cidadãos, mas ainda nesse dia houve quem se encarregasse de iniciar um processo, nem todos ficaram satisfeitos com o contentamento popular, que pretendia travar as transformações que se adivinhavam. Não é o lugar e o tempo para dissertar sobre o conservadorismo de alguns membros da Junta de Salvação Nacional, presidida pelo general António de Spínola, mas sempre deixo como sugestão: procurem apurar as razões pelas quais os presos políticos só foram libertados, dois dias depois do 25 de Abril e a sua libertação só se consumou devido à forte mobilização popular.

Com a Revolução dos Cravos Portugal sofreu profundas transformações e o poder político e económico passou a ter os trabalhadores e o povo como os principais protagonistas, daí resultaram melhorias substantivas para a vida da generalidade dos portugueses e algumas dessas conquistas que hoje temos como adquiridas foram consagradas na Constituição da República Portuguesa (aprovada a 2 de abril de 1976) que apesar de ter vindo a ser desvirtuada por sucessivas revisões mantém, no essencial, as principais conquistas de Abril.

A herança de Abril está bem viva e hoje faz parte das nossas vidas o que não significa que nos limitemos a celebrar sem lutar pois, em muitos aspetos da vida política, económica, social e cultural registam-se retrocessos preocupantes.  A precariedade, o desemprego, a pobreza, a exclusão social, a concentração da riqueza, o desinvestimento nos serviços públicos e a privatização dos setores públicos estratégicos não esgotam os recuos na construção de uma democracia avançada (política, económica, social e cultural) que quero para o meu país e para o meu povo, mas constituem-se como um conjunto de inquietações para as quais nos devemos mobilizar, sob pena, de nos afastarmos cada vez mais do espírito de Abril, com todos os perigos que isso encerra para a Liberdade e a Democracia. 

Manter um espírito crítico, de oposição e luta em relação às opções políticas dos sucessivos governos que são diretamente responsáveis pelo afastamento dos princípios constitucionais, é defender o espírito da Revolução e contribuir para que Abril seja mais futuro e não apenas uma data histórica que festejamos em dia de feriado.

Ponta Delgada, 30 de abril de 2024 

Aníbal C. Pires, In Diário Insular, 1 de maio de 2024

as mulheres na Revolta do Leite (1936) - a abrir maio


Esta publicação assinala o 1.º de Maio com referência a uma luta dos trabalhadores e do povo madeirense realçando no papel das mulheres na Revolta do Leite.

As mulheres trabalhadoras tiveram e têm um papel que nem sempre é devidamente valorizado, desde logo pelas próprias mulheres. 



Os movimentos feministas esquecem e obliteram algumas lutas onde as mulheres tiveram um papel preponderante, como seja, a Revolta do Leite na Madeira. Este levantamento popular, em 1936, foi um dos episódios mais violentos da repressão sobre os trabalhadores e o povo madeirense perpetrado pelo regime fascista.

As hiperligações inseridas no texto remetem para informação sobre esta revolta.