foto de Madalena Pires |
As praças, ruas e avenidas de Portugal, com maior ou menor adesão dos cidadãos, juntaram gente, muita gente, para celebrar os 50 anos do 25 de Abril. Mais do que comemorar uma efeméride foi a afirmação da defesa dos valores de Abril e uma grande determinação, das vozes que ecoaram no espaço público, clamando pelos valores da Liberdade e da Democracia. Abril está vivo e a maioria dos portugueses reconhece as importantes transformações que a Revolução dos Cravos nos proporcionou, mas pelas quais é necessário (hoje e sempre) continuar a lutar.
No contexto político e parlamentar que vivemos essa determinação e demonstração assumem um significado que vai muito além da celebração de uma data, foi um dia de luta. É um tempo de luta! Luta com os olhos postos no porvir e no sonho de um país mais justo onde a democracia política, económica, social e cultural sejam uma realidade.
As comemorações dos 50 anos do 25 de Abril têm assumido diferentes formatos e vão prolongar-se no tempo, durante este ano e nos anos vindouros. Os filhos e netos da Revolução aí estão para continuar esta construção, por agora, embargada e, para manter a memória de um tempo novo e transformador.
Diz-se da Revolução de 25 de Abril que foi uma revolução de cravos e sem derramamento de sangue, não fossem os quatro cidadãos mortos (ao fim da tarde), pelos disparos provenientes da sede da PIDE/DGS, e assim teria sido. Em jeito de homenagem deixo aqui o nome dos cidadãos assassinados pela PIDE/DGS no dia 25 de Abril de 1974: Fernando Carvalho Giesteira, José James Harteley Barneto, João Guilherme Rego Arruda e Fernando Luís Barreiros dos Reis. Assim foi no dia 25 de Abril de 1974, mas este dia não aconteceu por acaso e durante os 48 anos da ditadura há uma longa história de sangue derramado que importa não seja olvidado em nome da memória dos que lutaram, foram presos, torturados e que morreram até ao dia do qual Sophia de Mello Breyner nos diz: “Esta é a madrugada que eu esperava/O dia inicial inteiro e limpo/Onde emergimos da noite e do silêncio/E livres habitamos a substância do tempo.”Até chegar “o dia inicial inteiro e limpo”, morreram às mãos do aparelho repressivo do fascismo português assassinados na rua, nas instalações prisionais, nas frentes de guerra os soldados portugueses, mas também os combatentes das lutas de libertação e as populações das colónias alvo das mais diversas sevícias e massacres. Desconheço os números na sua totalidade, mas atrevo-me a afirmar que são várias centenas de milhares os mortos provocados, diretamente, pelo regime instaurado a 28 de maio de 1926 em Portugal o qual, em 1933, pela mão de Salazar se estruturou num regime fascista.
A Revolução portuguesa não aconteceu por acaso e há toda uma história de resistência, luta e sangue derramado que contribuiu para que o derrube do fascismo português tivesse acontecido. Se é verdade que a revolta militar teve na sua origem causas de ordem corporativa dentro das Forças Armadas, não é menos rigoroso afirmar que no seio do Movimento das Forças Armadas (MFA) existia um conjunto de oficiais (milicianos e do quadro) com consciência social e política, e que esse facto foi determinante para que o programa do MFA tivesse os contornos progressistas que o caraterizaram e aos quais o povo português aderiu massivamente, também não é menos verdade que a oposição organizada e clandestina, com particular destaque para o PCP, quer se goste ou não, mas factos são factos, foi uma das variáveis determinantes, de entre outras, para o derrube do regime fascista em Portugal.
O que ficou dito não pretende retirar os atributos que caraterizaram o dia em que o regime foi derrubado, a Revolução do 25 de Abril foi e continuará a ser uma revolução marcada pelos cravos que a Celeste Caeiro, num gesto simples e agradecido, deu aos soldados que se dirigiam para o Largo do Carmo, mas não podemos obliterar, ou branquear, tudo o que lhe esteve na origem. As lutas dos trabalhadores e do povo português, a resistência e as prisões do fascismo, a luta armada dos povos colonizados e a guerra colonial que sacrificou mais de 10mil jovens portugueses, estropiou mais de 30mil e afetou a generalidade das famílias portuguesas.
A maioria do povo português sentiu e viveu os acontecimentos do dia 25 de Abril de 1974 com alegria. Uma incomum aura de felicidade parecia envolver os cidadãos, mas ainda nesse dia houve quem se encarregasse de iniciar um processo, nem todos ficaram satisfeitos com o contentamento popular, que pretendia travar as transformações que se adivinhavam. Não é o lugar e o tempo para dissertar sobre o conservadorismo de alguns membros da Junta de Salvação Nacional, presidida pelo general António de Spínola, mas sempre deixo como sugestão: procurem apurar as razões pelas quais os presos políticos só foram libertados, dois dias depois do 25 de Abril e a sua libertação só se consumou devido à forte mobilização popular.
Com a Revolução dos Cravos Portugal sofreu profundas transformações e o poder político e económico passou a ter os trabalhadores e o povo como os principais protagonistas, daí resultaram melhorias substantivas para a vida da generalidade dos portugueses e algumas dessas conquistas que hoje temos como adquiridas foram consagradas na Constituição da República Portuguesa (aprovada a 2 de abril de 1976) que apesar de ter vindo a ser desvirtuada por sucessivas revisões mantém, no essencial, as principais conquistas de Abril.
A herança de Abril está bem viva e hoje faz parte das nossas vidas o que não significa que nos limitemos a celebrar sem lutar pois, em muitos aspetos da vida política, económica, social e cultural registam-se retrocessos preocupantes. A precariedade, o desemprego, a pobreza, a exclusão social, a concentração da riqueza, o desinvestimento nos serviços públicos e a privatização dos setores públicos estratégicos não esgotam os recuos na construção de uma democracia avançada (política, económica, social e cultural) que quero para o meu país e para o meu povo, mas constituem-se como um conjunto de inquietações para as quais nos devemos mobilizar, sob pena, de nos afastarmos cada vez mais do espírito de Abril, com todos os perigos que isso encerra para a Liberdade e a Democracia.
Manter um espírito crítico, de oposição e luta em relação às opções políticas dos sucessivos governos que são diretamente responsáveis pelo afastamento dos princípios constitucionais, é defender o espírito da Revolução e contribuir para que Abril seja mais futuro e não apenas uma data histórica que festejamos em dia de feriado.
Ponta Delgada, 30 de abril de 2024
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