quarta-feira, 5 de fevereiro de 2025

Manter a ligação

Seminário Abertos "migrações" - Universidade Aberta
    Não é uma novidade, mas não deixa de ser uma temática que tem alguma relevância e é uma forma, como outras, de sustentar qualidade de vida quando já estamos livres das obrigações profissionais e dispomos de tempo para continuar a desenvolver atividades que nos mantêm ligados ao mundo, ainda que tenhamos por opção uma vida mais recatada e, por conseguinte, menos exposta. 

    Sim, uma vez mais trago a questão do envelhecimento, mas desta vez farei, para além, de valorizar a importância de manter atividade física, intelectual e participação cívica, algumas alusões, sem ajuizar, à visão que diferentes culturas têm dos idosos e do seu papel.

    E o tema surgiu naturalmente, não foi propriamente uma epifania, devido à minha participação em diversas atividades na passada semana para as quais foi solicitada a minha presença e intervenção, o que também não é novidade pois, desde que me aposentei/jubilei mantive as ligações com estruturas e organizações sindicais e políticas nas quais militei durante toda a minha vida adulta, mas também algumas ligações académicas e de colaboração com as organizações e instituições que se preocupam, estudam e agem na defesa dos migrantes, aqui ou em qualquer outro lado pois, como sabemos o direito a migrar está consagrado na “Declaração Universal dos Direitos Humanos”. Depois da jubilação ainda acrescentei mais algumas atividades, físicas, intelectuais e cívicas sobre as quais sempre tive interesse, mas que o tempo não permitia desenvolver como o faço agora. 

imagem retirada da internet
Não vou deixar receitas para o envelhecimento ativo que prolongue por mais tempo a qualidade de vida, pois nunca gostei, nem gosto, de colonizar a vida de outros, cada um encontra o seu próprio caminho e disfruta das diferentes fases da vida como muito bem entende, desde que as suas opções não firam a liberdade e o bem-estar de outros, todavia, sempre direi que é consensual que a participação em atividades sociais e culturais contribui para reduzir o risco de algumas maleitas indesejáveis, por outro lado o exercício físico, não necessita mais do que simples caminhadas e alguns exercícios para tonificar os músculos e manter a flexibilidade são, igualmente, essenciais para promover a saúde cardiovascular e o comodidade física geral,  por fim, mas não menos importante a atividade intelectual: ler e nunca deixar de procurar mais, e mais, conhecimento, ou seja estimular a cognição reduz substancialmente o risco de desenvolvimento de algumas doenças do foro neurológico.

    Manter os idosos ativos e participativos é uma prática que o ocidente “desenvolvido” tem vindo a perder com um claro prejuízo para as comunidades pois, abdicar da participação de cidadãos que são portadores de um vasto conhecimento é, parece-me, um desperdício. 

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    Os cidadãos mais idosos podem constituir-se como importantes mediadores geracionais, assim como estabelecer as pontes entre a ancestralidade e a modernidade, afinal eles assistiram a importantes alterações científicas e tecnológicas e, souberam adaptar-se. Mas não é só, a presença ativa de idosos em iniciativas sociais e culturais pode, também, contribuir para a coesão e para o reforço da identidade e solidariedade comunitária.

    Manter os idosos ativos e integrados socialmente não é apenas benéfico para os próprios, mas também para a sociedade da qual fazem parte por direito. Afigura-se, assim, que as abordagens às questões relacionadas com este importante segmento da sociedade sejam traduzidas em políticas públicas que os valorizem enquanto depositários de saberes que devem ser partilhados com os seus concidadãos. Ficar apenas por garantir a abertura de centros de dia, lares de acolhimento, ou casas de repouso, ou seja, lares para a terceira idade é muito pouco e, sobretudo, redutor.

    Se as sociedades “ocidentalizadas” e a cultura da atomização social desperdiçam os seus idosos e até os apelidam de “peste grisalha”, outras, porém, valorizam os anciãos e têm por eles respeito e deferência. Não temos sequer de seguir os exemplos de outas culturas como as do Japão, da China ou da Coreia, ou mesmo de algumas culturas nativas das Américas ou de África onde os idosos são olhados como referências e devidamente integrados e cuidados no seio da família e da comunidade de pertença, mas não podemos, nem devemos, desaproveitar todo o capital social e cultural de que são detentores, marginalizando-os e depreciando-os.

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    A atomização social resulta de processos relacionados com o progresso e a modernidade, como por exemplo: a) a migração para as áreas urbanas e, por conseguinte, o crescimento das cidades e a desertificação das áreas rurais; b) promoção do sucesso individual com um claro prejuízo das realizações coletivas e comunitárias; c) as plataformas de informação e comunicação que ao invés de unir promovem o isolamento e o encapsulamento, contribuindo para o enfraquecimento das relações sociais; d) os efeitos do globalismo (desemprego, migrações e trabalho precário; e) fragilidade e perda de confiança nas instituições tradicionais (família alargada, ausência do estado); e, f) a constante mobilidade (por trabalho, estudo, migração forçada) que desmorona as comunidades. Sendo caraterísticas dos nossos tempos, será bom que tenhamos consciência que a atomização social nos aparta das comunidades de pertença e nos torna (velhos e novos) mais vulneráveis. Julgo, por isso, que devemos estar atentos aos efeitos perversos deste fenómeno social e construir estratégias que o contrariem, sob pena de, em nome da liberdade individual, se acentuar a manipulação, a modelação do pensamento e o individualismo e, por conseguinte, o aprofundamento do domínio que podendo ser individual tem reflexos negativos na construção de soluções coletivas que podem, essas sim, abrir caminhos à libertação e à transformação que exigimos para a sustentabilidade da vida no planeta e para a justiça social e económica.

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    Regressando ao tema central desta semana pode, não direi concluir-se, pois, as conclusões são sempre de quem lê, acrescentar-se mais umas palavras que poderão contribuir para aprofundar a reflexão sobre os idosos e o envelhecimento e o que devemos ou não fazer para que as políticas públicas atendam às necessidades, mas também ao capital social que representam os idosos (mais de 65 anos), mantendo-os ativos na vida das suas comunidades, aliás como muitos procuram fazê-lo em várias frentes.

    As diferentes culturas e civilizações refletem como as sociedades encaram o envelhecimento e o papel dos idosos na sociedade. E a forma como o entendem é visível nas políticas públicas, com os devidos reflexos na esperança de vida com qualidade e bem-estar, mas se algumas culturas contam com os seus idosos como pilares da comunidade e fontes de sabedoria, outras, como a nossa, tendem a marginalizá-los e optam por políticas mais consentâneas com supostos e hodiernos modelos de valorização de tudo o que é novo esquecendo o passado. Há, contudo, alguns sinais de esperança que se manifestam no crescente reconhecimento da importância de manter os idosos integrados e ativos de maneira significativa, e isto verifica-se independentemente dos contextos culturais, embora o neoliberalismo se vá sistematicamente opondo a isso. As sociedades ocidentalizadas, não é uma referência geográfica, ou as que o pretendem ser continuam a olhar para os idosos não como um importante ativo, mas como uma despesa pública dispensável.

Ponta Delgada, 4 de fevereiro de 2025 

Aníbal C. Pires, In Diário Insular, 5 de fevereiro de 2025

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