quarta-feira, 8 de fevereiro de 2012

Perplexidades

Não sou especialista da ciência económica e talvez por isso a minha dificuldade em perceber o alcance de algumas afirmações e opiniões que vou ouvindo e lendo, aliás assim como não compreendo as opções políticas e económicas que o atual governo português tem vindo tomar para sair do ciclo recessivo em que a economia nacional se encontra. Como tenho dificuldade, reconheço-o com todo o à-vontade, ando a ler assim como uma espécie de manual de economia que dá pelo título: “Compreender a Economia”, do académico Jacques Gouverner; ainda não concluí a leitura e, talvez por isso, as perplexidades e dificuldades subsistam e, num aspeto ou outro até se agudizaram.
Fico preocupado quando ouço o primeiro-ministro falar em aliviar o peso do Estado para disponibilizar apoios financeiros para as empresas, a preocupação aumenta quando, na mesma linha de pensamento e ação constato que a Dra. Berta Cabral anunciou que o PSD vai propor, com caráter de urgência, uma recomendação para a criação de um Fundo de Reestruturação Empresarial dos Açores (FREA), clonando um sistema criado no continente em 2009. A data é importante, por duas ordens de razão, primeira: foi criado pelo governo de José Sócrates; segunda: os resultados estão à vista - a economia nacional daí até agora continuou a afundar-se numa profunda recessão.
Estes são apenas dois exemplos que, na minha modesta opinião de leigo, considero contraditórios. Vejamos: quer Passos Coelho, quer Berta Cabral são adeptos confessos do Estado minimalista e das virtualidades do livre mercado, porém quer um quer outro pretendem utilizar os fundos do Estado para interferir no mercado.
Por outro lado e quando analisamos os contributos para a receita do Estado e da Região verificamos que são os impostos sobre os rendimentos do trabalho (IRS) e o imposto sobre o consumo (IVA) que mais contribuem para receita pública, sendo que os impostos sobre o capital representam a parte com menos significado na formação da receita pública.
Será que posso concluir que aquilo que Passos Coelho e Berta Cabral pretendem é utilizar a receita pública proveniente dos rendimentos do trabalho e do consumo para apoiar o setor empresarial privado!? Não deve ser assim, devo ter percebido mal, afinal o modelo económico defendido pelo primeiro-ministro e pela líder do PSD Açores é um modelo liberto da tutela do Estado e onde as empresas competem entre si transacionando serviços, bens e produtos, gerando desta forma as suas próprias receitas e mantendo a sua independência face a uma indesejada estatização da economia.
Não sendo um especialista em ciências económicas, como já referi, esse facto não me inibe de ter e emitir opinião e, neste caso tentar perceber o que se pretende com a tão propalada liberalização da economia, designadamente com os setores sociais, que constitucionalmente são uma competência que cabe ao Estado, mas também com setores estratégicos da economia como são a energia e os transportes. A propósito não posso deixar de constatar que alguns neoliberais menos consistentes deitaram as mãos à cabeça e gritaram - “aqui d’el-rei” que agora a EDP está sobre controlo estrangeiro. Pois!
Que a riqueza é gerada pelo trabalho ninguém tem dúvidas, que a acumulação do capital resulta, no essencial, da exploração do trabalho também não oferece grandes dúvidas, que grande parte da receita pública provém diretamente dos impostos do trabalho e do consumo é, igualmente, um facto mensurável.
Assim, e por conseguinte, a liberalização não pretende mais do que acentuar a exploração do trabalho (veja-se o mais recente “acordo” laboral), aumentar a receita pública através do agravamento dos impostos sobre o consumo e o trabalho, para depois exigir, ao tal Estado que não quer, apoios para as suas dificuldades de tesouraria e para a reestruturação das dívidas das empresas. Claro que não é só isto, mas também o é.
O apoio às empresas pode e deve ser objeto de políticas públicas. Sem dúvida, a minha divergência situa-se na metodologia, mais do que apoios financeiros públicos, por vezes, de eficácia duvidosa as empresas necessitam de clientes, clientes com rendimento disponível para consumir.
Tendo-se verificado uma quebra brutal no rendimento do trabalho e das famílias, naturalmente, o consumo sofreu a proporcional retração e as dificuldades das empresas aumentaram. No assalto aos rendimentos do trabalho e no agravamento fiscal reside grande parte das dificuldades do setor empresarial regional. Parte da solução está à vista e ao alcance das competências autonómicas.
Ponta Delgada, 06 de fevereiro de 2012

Aníbal C. Pires, In Diário Insular, 08 de fevereiro de 2012, Angra do Heroísmo

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