As obras que ainda decorrem no porto da Madalena pretendem dotar aquele porto de infraestruturas que o adaptem às exigências da modernização do transporte marítimo e de uma adequada gare de passageiros. Estamos todos de acordo quanto à necessidade. A solução encontrada já não recolhe unanimidade. É voz corrente entre os homens do mar que o novo molhe de proteção e o novo cais de acostagem trarão alguns problemas de operacionalidade, não sei se assim será. Sei, contudo, que a voz avisada de quem vive e trabalha no mar costuma ser a voz da razão, como se tem comprovado ao longo do tempo e de muitos milhões de euros na correção de obras marítimas. Sei, também, que essas e outras vozes foram, em devido tempo, alertando para esse facto. Os decisores fizeram “orelhas moucas” e os técnicos, não sei. Não sei, eles lá saberão. Mas lá que houve quem colocasse dúvidas, lá isso houve.
E se sobre a decisão técnica não me pronuncio, apenas me interrogo, o mesmo não se passa com a volumetria da nova gare de passageiros e não me refiro à sua localização, pois essa ficou, julgo eu, inevitavelmente dependente do novo cais de desembarque. Sei que com o passar do tempo todos nos vamos habituar àquilo, mas não gosto. Não gosto, nem nunca gostarei de obras, públicas ou privadas, que limitem o acesso ao mar. Parece um paradoxo, não é. Afinal estamos a falar de uma infraestrutura construída para possibilitar o acesso ao mar, e eu a afirmar que o confina. E assim é, aquele espaço ficou irremediavelmente perdido para uso público sem reservas.
Os autarcas e a população aceitam, cada um lá terá as suas razões, com serenidade as decisões do poder regional. Como poderiam recusar perguntarão, trata-se de investimento público que se aqui não for realizado irá ser canalizado para outros territórios, não se pode perder a oportunidade. Dirão, mesmo tendo a consciência que a solução que lhes foi apresentada, quando é, não é a mais adequada à necessidade e à reivindicação da autarquia e das populações. E eu pergunto, mas porquê, porque raio é que isto acontece. E acontece muitas vezes, demasiadas vezes. Os exemplos estendem-se por todas as ilhas, quiçá por todos os concelhos.
Só encontro uma justificação para esta falta de capacidade de discutir as soluções apresentadas para satisfazer necessidades e reivindicações locais. A falta de participação cívica e o envolvimento na tomada de decisões, aliás mal de que enferma a democracia na Região e no País. Reduzir a intervenção política à escolha eleitoral, escolhas cíclicas que legitimam representantes, mas não legitimam tudo o que os representantes decidem.
A democracia sai enriquecida e fortalece-se se for participada, a democracia definha e torna-se asfixiante se a reduzimos ao ato de delegar a nossa opinião, de quatro em quatro anos, neste ou naquele partido ou coligação, neste ou naquele protagonista. A participação cívica e política deve ser uma atitude tão natural como respirar e, a nossa democracia precisa de arejar com opiniões diversas, precisa saber ouvir, precisa de saber dialogar, sob pena de se extinguir e transformar em qualquer outra coisa. Outra coisa que não será certamente um sistema político fundado na vontade e na participação popular.
Madalena (Pico), 11 de Novembro de 2013
Aníbal C. Pires, In Diário Insular, 13 de Novembro de 2013, Angra do Heroísmo
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