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foto by Aníbal C. Pires |
Hoje comemora-se o Dia da Independência de Cabo Verde. Para assinalar esta data republico um texto escrito e publicado em julho de 2004.
Cabo Verde visto de fora
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foto by Aníbal C. Pires |
Seja pela imensidão dos espaços continentais, pela peculiaridade e beleza das regiões insulares, da cultura e encantamento dos seus povos, pela guerra colonial com que, mesmo sem a viver, com ela cresceu, ou, apenas, pelo mítico magnetismo que exerce sobre quem a sonha. Quem sente os sons, cheiros e sabores desta terra fascinante a que ninguém fica indiferente e que todos os portugueses da minha geração, independentemente dos seus percursos de vida, têm no seu imaginário, África, Quem a sente não lhe fica indiferente.
O meu fascínio por África, e em particular por Cabo Verde, surgiu e foi-se desenvolvendo durante a minha infância, vá-se lá saber porque é que uma criança nascida e criada em terras do interior do continente português, e de onde só saiu quando jovem adulto, se sentia atraída por uma terra, um povo e uma cultura tão distantes, não disse diferente, nem digo, porque sempre senti pelo povo de Cabo Verde e pela sua cultura uma grande proximidade, talvez mesmo identificação, ainda que, por ser uma criança do interior, me faltasse o azul do mar e a sua imensidão.
Não sei se pela dolência das mornas, se pela harmonia das mazurkas, se foi a alegria do funaná e da coladeira, ou os ritmos alucinantes da tabanca e do batuque que o fascínio por esse povo, moldado pelo vento Leste, pelo imenso Atlântico, pela chuva que não cai e pela dor da hora di bai, foi crescendo e ganhando uma cada vez maior admiração.
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foto by Aníbal C. Pires |
Só muito recentemente o sonho de menino se concretizou, conhecer Cabo Verde. A afeição reforçou-se e, ainda que embargado pelos sentidos, compreendi porque, desde sempre, senti grande identificação com este povo e a sua cultura. A interioridade onde nasci e cresci, a insularidade e o viver ilhéu, de mais de vinte anos, facilitaram a compreensão e o estabelecimento de paralelismos, semelhanças e vivências que unem, e de diferenças que não afastam, antes se complementam e me aproximam mais do povo de Cabo Verde.
A estabilidade política, a consolidação do regime democrático e um exemplar aproveitamento da ajuda externa e, sobretudo, a dignidade e a vontade de um povo, catapultaram Cabo Verde para o grupo de países com um Índice de Desenvolvimento Humano médio. O percurso trilhado nos últimos vinte nove anos por este pequeno país africano, insular e arquipelágico e, a que os técnicos do Banco Mundial vaticinaram a inviabilidade económica, é exemplar para África e, em particular, para os restantes Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa.
Cabo Verde, micro estado insular, arquipelágico e Atlântico, comemorou, no passado dia 5 de Julho, o vigésimo nono aniversário da sua independência, em vez de apreciações sobre percurso trilhado ou, de uma análise prospetiva sobre o futuro deste jovem país no quadro da Macaronésia, das relações com os Açores e da estratégia de aproximação à União Europeia, e para além do que já ficou dito, gostaria de deixar algumas linhas de homenagem à comunidade transnacional cabo-verdiana – os cabo-verdianos da terra-longe.
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foto by Aníbal C. Pires |
Para os cabo-verdianos, o que hoje parece ser fruto das modernas tecnologias e da globalização, o transnacionalismo, tem sido um modo de vida desde o século XV. As comunidades cabo-verdianas encontram-se dispersas por quatro continentes e 18 países, sendo que, a comunidade da Nova Inglaterra é considerada a mais antiga e maior. As semelhanças da emigração cabo-verdiana com a emigração açoriana, para os Estados Unidos, estão descritas em estudos académicos, na história da baleação e na literatura. Dias de Melo, em Pedras Negras, não por mero acaso ou qualquer razão de ordem literária, coloca no convés da barca baleeira que levaria o Francisco Maroco e o João Peixe-Rei para a aventura americana um cabo-verdiano, “(…) António, Tony me chamam aqui a bordo, e nasci em Cabo Verde. É melhor vocês mudarem também os nomes p’ra americano. John… Frank…. Venham comigo. (…)
A dispersão dos cabo-verdianos pelo mundo tem origem nas clássicas motivações da emigração, comuns a muitos outros povos. E, também, como muitos outros povos o ideário de retorno à terra-mãe está sempre presente, embora, como se sabe, poucos retornem. A coesão e pujança da comunidade transnacional cabo-verdiana assentam em dois pilares, que foram, igualmente, basilares na construção da própria cabo-verdianidade e identidade nacional. O crioulo, língua nacional, e a representação coletiva do território, a relação com a terra-mãe, que nos cabo-verdianos tem um acentuado carácter mágico-religioso.
Para os cabo-verdianos da terra-longe e, em particular aos que vivem e trabalham na Região Autónoma dos Açores, aqui fica a minha homenagem e os votos de que Cabo Verde possa continuar na senda do progresso e do desenvolvimento.
Ponta Delgada, 08 de Julho de 2004