quinta-feira, 2 de junho de 2022

Incongruências

imagem retirada da internet
Os Estados Unidos e as suas dependências (também pode ser lido colónias) construíram um cenário de confrontação na Ucrânia, com a Rússia e a China, alicerçado em premissas erradas e, naturalmente, os efeitos que daí resultam estão a ser devastadores, desde logo para o povo ucraniano, mas para a União Europeia que, uma vez mais se ajoelhou perante a estratégia hegemónica dos Estados Unidos.

A opinião pública, atrevo-me a afirmar, continua a surfar a narrativa ocidental e a responsabilizar, em particular, a Rússia pelas consequências económicas e financeiras das opções dos seus governos e da Comissão Europeia, mas a hiperinflação e a escassez alimentar que se está a configurar, por muito que nos digam o contrário, é da responsabilidade dos Estados Unidos e da União Europeia. Vejamos o caso dos cereais.

As vias de entrada das armas ocidentais de ajuda à Ucrânia podem ser utilizadas para a saída dos tão desejados cereais ucranianos. O que coloca em causa a ideia “martelada” de que os russos não deixam que a Ucrânia exporte os seus cereais. Mais eficaz, para os russos, seria impedir a entrada de material bélico em território ucraniano. A saída de cereais ucranianos pelos portos do Mar Negro só não acontece em virtude de as águas circundantes ao porto de Odessa terem sido minadas pelas forças armadas ucranianas, ainda assim a Rússia está disponível para encontrar soluções que permitam a saída de cereais ucranianos por via marítima. Os fertilizantes e cereais russos estão, como se sabe, impedidos de serem adquiridos pelos países que impuseram sanções. A Rússia só não vende fertilizantes e cereais por lhe estar vedada essa possibilidade. Isto sou eu que digo que não percebo nada de import-export e muito menos de guerras, mas gosto de fazer alguma reflexão sobre o que leio e ouço na comunicação social.

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Se com os cereais e, por conseguinte, a escassez anunciada nos mercados internacionais devido à intervenção russa na Ucrânia não será bem como nos dizem, aliás as questões da segurança alimentar mundial não decorrem diretamente deste conflito. As organizações mundiais já previam, ainda antes da pandemia, problemas com a escassez de alimentos e tinham identificado as razões que lhe estão na origem. Opções das políticas agrícolas de alguns países, mas também secas longas e severas, e, o uso indevido do solo. Sem querer retirar a importância que tem, pode afirmar-se com segurança, que o conflito na Ucrânia é apenas parte de um problema mundial que, há muito, urge por decisões que garantam a segurança alimentar dos habitantes do planeta.

A propaganda já não consegue esconder os paradoxos da narrativa estado-unidense e dos seus acólitos. Atente-se às questões energéticas e aos discursos incongruentes da senhora presidente da Comissão Europeia. Sanções à Rússia sim, mas gás e o petróleo temos de continuar a comprar, pois, não existem, para já, alternativas. A Rússia vende, mas o pagamento tem de ser em rublos uma vez que as sanções financeiras impostas assim o exigem. Não pagamos em rublos, diz a União Europeia, ainda que a decisão não tenha sido unânime, mas pagam ainda que para isso tenham encontrado um esquema que não infringe, segundo os próprios, as sanções financeiras impostas à Rússia.

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As sanções económicas e financeiras e o esforço militar estão, sem dúvida, a afetar a economia russa, mas os países que as decretaram estão visivelmente em pior situação e a tendência é de agravamento. A União Europeia depende da Rússia e o inverso não se verifica. A tentativa de isolamento da Rússia foi um fracasso, desde logo, pela dependência da União Europeia, mas, sobretudo, pela procura, com sucesso, de novos mercados e alianças por parte da Rússia e pelo facto, nada despiciente, da maioria dos países do mundo não terem acompanhado a chamada “comunidade internacional” nas sanções à Rússia.

O sistema financeiro mundial sofreu igualmente um revés, o dólar tem-se desvalorizado em relação ao rublo face à procura internacional da moeda russa. Em fevereiro 1 dólar valia 134 rublos, por estes dias 1 dólar vale menos de 60 rublos e o euro tem-se desvalorizado face ao dólar.

O guião mediático e o rodopio de personalidades do mundo do espetáculo, mas também político, que têm passado por Kiev já não são suficientes para esconder o fracasso das políticas ocidentais, por outro lado, a digressão mediática de Volodymyr Zelensky, por parlamentos e festivais, tem servido, a momentos, para a opinião pública europeia se aperceber das fragilidades do argumento, para europeu ver, construído pelos Estados Unidos. Hollywood já não é o que era.

Quem entrou na “Sala de Espera” e se manteve até aqui já me apelidou, no mínimo, de putinista. Eu direi que o facto de ser, como sabem, comunista, é incompatível com qualquer simpatia política pelo atual presidente da Rússia. O que ficou registado são factos que me preocupam e que partilho com os frequentadores deste espaço, não pretendo mais do que se reflita sobre uma série de eventos paradoxais que colocam em causa a nossa segurança e bem-estar. Apenas isso!

Ponta Delgada, 31 de maio de 2022

Aníbal C. Pires, In Diário Insular, 1 de junho de 2022

2 comentários:

Emilio Antunes Rodrigues disse...

Hoje a lucidez além de ser rara é quase clandestina e criminalizada pelos que nos querem impor a versão oficial, por mim fico agradecido a quem nos vai permitindo compreender que o mundo não é a preto e branco. Obrigado caro amigo pelos seus comentários que leio com regularidade

Aníbal C. Pires disse...

Meu caro amigo!
Obrigado pelo comentário e pelo retorno.

Abraço