sexta-feira, 15 de julho de 2022

Acreditar

imagem retirada da internet
Um novo líder, uma nova consigna, procurando afirmação no espaço público nacional. Luís Montenegro e o PSD propõem-nos que acreditemos. Mas convenhamos, é preciso ter fé, muita fé, para acreditar que o passado passista possa ter futuro em Portugal, digo eu que sou uma pessoa com memória e ando arredado da fé. Esperança tenho, e sendo velha, como homem e os dogmas, aponta para o porvir e para a diferença transformadora, a fé alimenta-se no pretérito, cristaliza o tempo e o pensamento. A fé perpetua modelos arcaicos de domínio, embora com as novas roupagens da modernidade ou pós-modernidade, mas que continuam a promover a desumanização em nome do culto da atomização social que produz pobreza e exclusão. 

O discurso liberal, do qual o PSD e Luís Montenegro são, como outros, intérpretes, pois, não há monopólios partidários desta velha ideia, o que existe são vários protagonistas e outras vestes, quiçá mais informais, mas todos bebem na mesma taça, todos veneram o deus do mercado, todos servem o mesmo senhor e todos propõem a privatização do lucro e a socialização do prejuízo, ou seja, o povo que pague os devaneios e as perversões do liberalismo económico.  

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Quando olhei para o novo outdoor do PSD exposto numa das rotundas da cidade onde vivo, a leitura imediata remeteu-me para o passado e, nem mesmo o lettering que aponta para 2026 me convenceu de que aquele rosto e aquela consigna terão futuro tal é a carga passista que carregam.

Considerando que, tal como eu, a maioria dos portugueses tem memória o retorno ao passado passista que Luís Montenegro e o “seu” PSD encarnam não passará de um apelo malsucedido, a não ser que a fé faça vencimento entre os que mais penalizados foram com o governo de Passos Coelho que, à boleia da troika, desbarataram o património público empobreceram os portugueses e tornaram Portugal, ainda mais dependente. Claro que Luís Montenegro e os seus acólitos contam com a curta memória do eleitorado e a estupidificação promovida pela comunicação social de massas para que os eleitores voltem a “Acreditar”, no quê não se sabe. O que eu sei é que Luís Montenegro está indelevelmente ligado a Passos Coelho e a um projeto político que, como se verificou, entre 2015/2019, não era uma inevitabilidade nem a única opção. A rutura, ainda que incipiente, com as políticas troikistas, exponenciadas pelo governo de Passos Coelho demonstraram que existiam, e existem, alternativas à barbárie neoliberal.

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O PSD, com ou sem Luís Montenegro e para além desta ligação ao passado passista, tem no atual espetro partidário português pouco espaço para se reafirmar como uma alternativa política, desde logo ao PS com quem comunga o essencial da doutrina liberal que impera na maioria do governos da União Europeia e, naturalmente, no Conselho e na Comissão Europeia, por outro lado o crescimento e a capacidade de penetração da Iniciativa Liberal em largos setores da sociedade portuguesa constituem-se como barreiras, eu não diria inultrapassáveis, mas como fatores determinantes para impedir que o PSD possa reganhar a confiança e o apoio eleitoral que já teve e lhe permitiu governar o país.

As opções política e eleitorais dos portugueses têm contribuído para alargar o quadro parlamentar, embora essa diversidade da representação da vontade eleitoral não corresponda, de todo, a alterações significativas nas opções políticas necessárias para reduzir a crónica dependência externa do país, aumentar a produção nacional e aumentar o investimento nos serviços públicos, com particular urgência no SNS e na Escola Pública.

A diversidade parlamentar é uma falácia, não acrescenta nenhuma mais valia à democracia portuguesa e perverte as prioridades políticas com agendas dirigidas a tendências criadas artificialmente para retirar do espaço público a discussão das questões verdadeiramente essenciais para o nosso futuro coletivo.

Não vos vou deixar exemplos, mas sugiro que verifiquem as votações parlamentares na Assembleia da República sobre algumas propostas e tirem as vossas próprias conclusões. Não estarei longe da verdade se disser que, no essencial, o PS, o PSD e a IL têm o mesmo sentido de voto nas propostas estruturantes que poderiam contribuir para a melhoria das condições de vida dos portugueses. O que significa que é mais o que une estes três partidos do que aquilo que os separa. Resta saber qual será destes partidos o que se afirmará como o eleito do capital nacional e europeu, uma vez que a escolha depende muito mais desse pequeno pormenor do que da vontade (pouco) esclarecida dos eleitores.  

Santa Cruz (Flores), 11 de julho de 2022

Aníbal C. Pires, In Diário Insular, 13 de Julho de 2022

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