Apresentação
do livro
Vivências, Aníbal Raposo, Letras Lavadas, 2022“
Biblioteca Pública e Arquivo Regional de Ponta Delgada, 3 de fevereiro de
2023, 18h Açores
Se escassa for a água o barco voa.
Aníbal Raposo, In Vivências, Letras
Lavadas, 2022
Quando o Aníbal, a quem agradeço
a confiança em mim depositada, me convidou para apresentar o seu livro
“Vivências”, convite ao qual anuí sem reservas, fui invadido por sensações contraditórias.
Por um lado, a inquietude que tamanha responsabilidade implica, por outro a
surpresa do convite, afinal em comum partilhamos o primeiro nome e pouco mais.
É certo que sempre acompanhei, à distância, o trabalho criativo do Aníbal, mas
nunca com ele privei. Alguns encontros fugazes onde houve sempre lugar à troca
de palavras que versavam sobre o lugar e o evento, mas pouco mais que isso.
Sempre admirei e respeitei o cidadão e o artista, mas é a primeira vez que o
digo publicamente. Da sua obra conhecia alguns poemas, algumas canções e, mais
recentemente, alguns trabalhos pictóricos que tive oportunidade de apreciar
numa exposição que teve lugar num espaço de animação noturna de Ponta Delgada,
mas também de cultura, e onde aconteceu uma dessas breves conversas, nesse dia,
naturalmente, sobre as incursões do poeta e músico nas artes de combinar as
cores e as formas diluindo-as ao sabor dos seus amores e inquietações.
Ao receber o livro que hoje
publicamente se apresenta regressou a minha inquietação. O que dizer, sobre o
Aníbal e o livro, se está tudo dito. O excelente prefácio da Paula Sousa Lima
diz-nos da estrutura do livro e da lírica dos seus versos, ou seja,
apresenta-o. A badana informa o leitor do essencial sobre o autor. Que fazer!?
Talvez ler alguns dos seus poemas. Também não. A Eleonora e o Sidónio têm essa
tarefa a seu cargo e, o autor em parceria com o “Maninho” vão cantar algumas das
poesias que foram musicados.
Ao mergulhar na leitura dos
poemas do Aníbal Raposo foi regressando alguma tranquilidade ao meu espírito. A
cada poema uma descoberta, a cada estrofe um homem novo, a cada verso a
rebeldia do poeta.
E aqui estou, na vossa agradável
companhia, para tentar acrescentar algumas palavras ao muito que outros e o
próprio autor já disseram sobre “Vivências”. Palavras que não
têm a pretensão de se constituir como uma recensão e, muito menos como uma
análise de índole literária, são apenas palavras que resultam da minha opinião
de leitor. Palavras cujo propósito é contribuir para divulgar o livro,
mas também despertar um justo interesse pelo seu autor e a sua obra.
sobre o autor
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imagem retirada da internet |
Procuramos planícies de entendimento,
Encontramos muralhas de distância. (…)
Aníbal Raposo, In Vivências, Letras Lavadas, 2022
Aníbal Raposo é, antes de mais,
um cidadão que não abdica da verticalidade que a coluna vertebral confere a
alguns humanos. Não será por acaso que nos seus versos encontramos bastas vezes
as palavras: prumo; aprumado; ereto. Como, por exemplo neste verso:
“(…) que se ergue aprumado,
forte (…)
O seu modo de estar na vida, a
sua verticalidade, não o impedem de olhar e ver o que brota do chão, o voo dos
milhafres a riscar o céu, ou os horizontes utópicos que desenha para os lugares
e as gentes que ama.
O autor é um espírito irrequieto,
a sua precoce intervenção artística confirma esta apreciação. Na sua juventude
integrou o orfeão da sua escola (Antero de Quental), bem assim como o coro da
Igreja de Nossa Senhora do Carmo, para o qual compôs alguns temas, ao tempo,
inovadores. A sua vida académica está, também, marcada por uma intensa
atividade artística ligada ao Teatro Universitário do Porto (TUP) e ao seu
coro, do qual foi cofundador.
O desassossego do Aníbal Raposo
não se quedou pela juventude e pela entrada na idade adulta. A sua atividade
criativa na poesia e na música prolongou-se, para nosso contentamento, ao longo
da sua vida que lhe desejo longa e profícua, seja na música, seja na poesia,
seja noutros territórios de intervenção artística, de que a capa do livro
“Vivências” é, apenas, um exemplo das suas obras pictóricas.
“(…) sou um barco singular/amo a
tempestade.”, diz o autor num dos seus poemas. E é desta singularidade e
deste amor que tem nascido a sua vasta obra. Compositor, poeta, cantor, ou se
preferirem cantautor, mas também artista plástico.
Aníbal Raposo é um criador
cultural multifacetado, reconhecido pela generalidade do público e agraciado
pelos órgãos de governo próprio da Região Autónoma dos Açores.
sobre a sua obra
(…) Ai, quem me dera ser garça E voar
no canal (…)
Aníbal Raposo, In Vivências, Letras Lavadas, 2022
A produção artística de Aníbal
Raposo é vasta, como já referi, e merecida de maior divulgação. A edição deste
livro vem, para além do seu valor intrínseco, contribuir para a difusão da vida
e obra do autor e, por consequência, potenciar a conquista de outros públicos
para a música e a poesia do obreiro de “Vivências”.
A minha geração conhece bem o
papel que o Aníbal Raposo, sozinho, ou acompanhado, teve na recriação do
cancioneiro popular açoriano. Quem não se lembra do “Tema para Margarida”,
letra e música do Aníbal e popularizado, na voz de Piedade Rego Costa, na série
“Mau Tempo no Canal” adaptado para televisão, por Zeca Medeiros, a partir do
romance homónimo de Vitorino Nemésio. Mas este tema, de que gosto muito, mesmo
muito, foi também utilizado na banda sonora do filme “A Antropóloga”, do
realizador brasileiro de Santa Catarina, Zeca Pires. A voz foi, neste caso, de
Helena Margarida Silva Lavouras. Este filme teve o apoio institucional da Casa
dos Açores de Santa Catarina, possivelmente sustentado nos fundos da Direção
Regional das Comunidades, ou seja do Governo Regional. “A Antropóloga” nunca
passou nos Açores, embora toda a estória se desenrole num dos redutos
açorianos, a Costa da Lagoa, Lagoa da Conceição, na ilha de Santa Catarina. O filme, para quem estiver interessado, está disponível no Youtube.
Este foi assim como um aparte.
Pelo meu apego ao poema e à música, mas também para que se fique com uma ideia
mais precisa e aprofundada da dimensão da obra do autor que hoje aqui partilha
connosco o seu livro de poesia “Vivências”.
Mesmo considerando não haver
necessidade pois, a sala está recheada de amigos e admiradores do Aníbal
Raposo, e a badana do livro contém essa informação, ainda assim, deixo algumas
referências à sua obra discográfica e poética.
O autor está representado em
várias antologias de poesia contemporânea, e editou, em 2009, o livro de poemas
“Voos da Minha Fajã.”
Colaborou em várias produções
televisivas, tem participação em inúmeros trabalhos discográficos e regista
seis discos editados.
Maré Cheia, 1999; A palavra e o
canto, 2006; Rocha da Relva, 2013; Mar de Capelo, 2017; Falas & Afetos,
2021; e, Luz do Tempo, 2022.
A obra do autor não se esgotam
nestes registos. O contributo do Aníbal Raposo para as artes em que se expressa
conferem-lhe uma dimensão de referência na cultura açoriana.
o livro e os poemas
(…) O palco onde me revelo
O covil onde me encubro.
Aníbal Raposo, In Vivências, Letras Lavadas, 2022
Ler os poemas reunidos neste
livro foi uma descoberta, hoje posso afirmar que conheço melhor o autor. Quem
é, o que sente, o que ama, as suas inquietações e convicções, as suas insurgências,
os lugares que habita, as suas utopias, os ritmos e a musicalidade poética do
músico e compositor, e dei-me conta da tranquilidade que habita o espírito
irrequieto que faz do Aníbal Raposo um cidadão que não deixa a vida passar-lhe
ao largo.
Sei que pode parecer abusivo, mas
ler os poemas reunidos em “Vivências”, foi como se lesse a autobiografia do
Aníbal Raposo, sim porque as autobiografias também podem ter a forma de poemas
e não são, necessariamente, uma mera narrativa de memórias datadas. A
apreciação é minha e outros olhares são possíveis e legítimos.
A organização temática dos poemas
está construída como de uma peça musical se tratasse, ou não fosse o autor um
conceituado músico e compositor. Os 10 temas, ou andamentos deste livro,
agrupam poemas construídos com a métrica e o formalismo lírico clássico, passa
por alguns acordes populares, mas também por momentos de improvisação que
libertam o poeta. E é então que o autor se espraia como um rio livre do aperto
castrador das margens que, não poucas vezes, limitam o ato criador.
Outras leituras e interpretações
são, naturalmente, possíveis, ou não fosse a leitura, em particular da poesia,
um exercício e espaço de liberdade.
Tenho evitado, ao longo desta
apresentação, o recurso à citação de poemas ou de pequenos excertos para
ilustrar algumas das afirmações. É uma opção minha pois, não quero retirar aos
leitores o prazer da descoberta e, muito menos tentar colonizar as vossas apreciações
e leituras, contudo é chegado o momento de me socorrer de algumas estrofes e
versos que à medida que fui lendo sublinhei e que me ajudaram a construir a
opinião que estou a partilhar convosco.
O poeta, mesmo sem rima ou talvez
por isso, é um sonhador:
“(…) Voa, sem medos e
liberto,
pois é sempre do ar que
se vislumbra
a toca do saber, que é
presa esquiva,
e os ramos onde se
ocultam na folhagem,
os frutos mais saborosos
da loucura. “
O poeta é atento e capaz de se
insurgir:
“As velas da esperança não
chegam à costa
Cospem-nos em cima e a
gente gosta.
Mil e uma peças, os
mesmos atores,
Duas mil mentiras, três
mil impostores.
Vamos enriçados em
patranhas tantas…
Oh mar de capelo quando
te levantas?”
A glória é efémera, diz-nos o
poeta:
“Nasce do chão
aponta ao céu
e ao chão regressa…”
O Aníbal sabe o que quer:
“Apontada a norte
Por ser o meu rumo.”
Não tenho dúvidas que poeta sabe
que o Norte é o seu rumo, mas quando navega num corpo de mulher é no Sul que se
encontra, sem se ter perdido.
“Batuques africanos no
balouçar do teu corpo de gazela.”
Ou,
“Há como um tango argentino
no desafio da tua cintura estreita.”
Ou ainda,
“E danças peruanas nas
tuas ancas pela alba.
Há calor dos trópicos no
aperto dos teus braços tão sinceros.”
O amor tem destas coisas, acontece
quando e onde tem de acontecer.
E para terminar as citações
deixo-vos estes versos que escolhi, não pela sua estética ou lirismo poético, mas
para vos tentar abrir um sorriso, como convém no fim desta apresentação. E
cito:
“Quem tem medo,
não cria:
- ou mia
ou compra
um cão.
Ao Aníbal Raposo e à Editora Letras Lavadas, enquanto cidadão e leitor, só posso estar grato pela publicação
deste livro que, espero eu, não esgote a produção literária e poética do autor
e a sua edição.
Obrigado pela Vossa atenção!
Aníbal C. Pires, Ponta Delgada, 3
de fevereiro de 2023