quinta-feira, 23 de fevereiro de 2023

Ilusões e escolhas

foto by Madalena Pires
Liberdade, escolha e livre arbítrio, estes conceitos foram objeto de reflexão por pensadores tão diversos como Santo Agostinho, Karl Marx e Jean Paul Sartre, de entre muitos outros, pois, a liberdade, a escolha e o livre arbítrio, são muito caros aos cidadãos. Não direi que são conceitos tão antigos como o homem, mas acompanham a evolução histórica e social da humanidade. Também diferentes correntes religiosas abordam implícita ou explicitamente estes conceitos. A sua importância e pertinência continuam a manter estes ideias na ordem do dia, seja por óbvios interesses do mercado, seja no discurso político de atomização social, seja na produção de pensamento para a sua desconstrução enquanto instrumento de manipulação dos costumes e dos hábitos de consumo. Ou seja, sendo princípios que valorizamos e prezamos devemos, contudo, prestar-lhe alguma atenção para não sermos as vítimas das nossas próprias escolhas e do uso do livre arbítrio que a liberdade individual nos permite.  

foto by Madalena Pires

A liberdade permite escolher, o livre arbítrio é a tomada de decisão e a possibilidade de escolha em perfeita liberdade. Isto de dito de uma forma simples e pouco elaborada pois, a “Sala de Espera” não pretende ser um espaço para dissertações e desconfortável, desde logo, para o anfitrião, mas também para os visitantes que por aqui podem, ou não passar, a escolha é vossa. Em bom rigor, como diz um querido amigo da ilha Terceira, o que o anfitrião deseja é que, pela “Sala de Espera” passem muitos visitantes, mas não se espere que o faça a qualquer preço o que significaria abdicar dos princípios com que pauta a sua vida e as relações interpessoais, porquanto não é expetável que o responsável por este espaço se prostitua com o objetivo de aumentar o número de visitantes. Há por aí muito quem o faça indo ao sabor da corrente. É tão mais fácil. 


O assunto que hoje trago à vossa e minha reflexão, tendo sido apresentado no início do parágrafo anterior com simplicidade, é, porém, muito complexo. 

imagem retirada da internet
A possibilidade de escolher decorre da liberdade, sem dúvida, mas as minhas opções (escolhas) dependem de outras variáveis que também caraterizam a qualidade da minha liberdade. Quando eu escolho o pão para alimentar a família opto por uma qualidade rica em fibras e nutrientes que possam corresponder às necessidades dietéticas das pessoas que vivem comigo. Mas isso tem um preço que nem todos podem pagar, embora todos sejamos igualmente livres (será!?). Quem tem uma família numerosa e tem como rendimento apenas o salário mínimo, opta por uma qualidade de pão mais barata, mas que talvez não seja a mais aconselhável para as necessidades alimentares da família, ou então ativa o livre arbítrio e furta o que considera ser, para si, a melhor escolha. A escolha e o livre arbítrio, dependem da liberdade individual. No caso das escolhas (opções) a liberdade está condicionada, com já referi, por algumas variáveis como por exemplo: educação, conhecimento, rendimento, emoções, crenças, etc..., mas também no livre arbítrio que é, também, uma escolha, podem ser consideradas algumas condicionantes que nos impedem de fazer uma escolha em detrimento de outra. No exemplo que tem vindo a ser usado o que pode condicionar o roubo, e, por conseguinte, a aquisição de pão ao alcance da bolsa em detrimento da qualidade nutritiva e dietética do produto, é a penalização criminal e tudo o que lhe está associado moral, social e economicamente.

O paradigma do pão com que tenho vindo a ilustrar esta reflexão pode generalizar-se a outras escolhas e ao livre arbítrio que a liberdade nos permite, porém, do que já foi dito ficou, também, claro que as escolhas, as melhores opções, dependem de um conjunto de variáveis que não resultam da liberdade enquanto conceito abstrato. A liberdade para se materializar tem de ter associados um conjunto de atributos que garantam a independência e a segurança ao cidadão. Vou-me dispensar de os listar, mas podem aceder a essa enumeração consultando a Declaração Universal dos Direitos Humanos que, não sendo tudo, poderiam constituir, se total e universalmente assegurados, um significativo avanço na qualidade da democracia e, por consequência, da liberdade individual e coletiva.

O direito ao trabalho, à segurança no trabalho e a uma remuneração que permita viver com dignidade não é uma ideia retirada de um manual marxista, é um direito humano como é o direito à educação e aos cuidados de saúde. Os cidadãos que não têm estes e outros direitos garantidos não são verdadeiramente livres. Alguns iluminados da nossa praça dirão que as oportunidades são iguais para todos e que só não se realiza quem faz escolhas erradas. Eu diria que existem cidadãos mais iguais que outros e para quem o percurso do sucesso está facilitado, para esses as oportunidades e o exercício livre da escolha, para os outros a escolha possível e oportunidades que não chegam a sê-lo.


Ponta Delgada, 21 de fevereiro de 2023

Aníbal C. Pires, In Diário Insular, 23 de fevereiro de 2023

quarta-feira, 22 de fevereiro de 2023

será que somos!?

imagem retirada da internet



Excerto de texto para publicação na imprensa regional (Diário Insular) e, como é habitual, também aqui no blogue momentos.




(...) A possibilidade de escolher decorre da liberdade, sem dúvida, mas as minhas opções (escolhas) dependem de outras variáveis que também caraterizam a qualidade da minha liberdade. Quando eu escolho o pão para alimentar a família opto por uma qualidade rica em fibras e nutrientes que possam corresponder às necessidades dietéticas das pessoas que vivem comigo. Mas isso tem um preço que nem todos podem pagar, embora todos sejamos igualmente livres (será!?). (...)

terça-feira, 21 de fevereiro de 2023

unidos não os vergam

imagem retirada da internet
Já durante este mês foi publicado, no Jornal Oficial, uma Convenção Coletiva de Trabalho (CCT) (N.º 4/2023), assinada pela Câmara de Comércio e Indústria de Angra do Heroísmo e o Sindicato dos Profissionais dos Transportes, Turismo e outros Serviços de Angra do Heroísmo. Esta CCT destina-se ao setor dos Escritórios e Comércio e levanta dúvidas sobre a sua legalidade pois, o sindicato que a subscreveu não é representativo do setor e não tem legitimidade para a subscrição deste acordo.

Os trabalhadores dos Escritórios e Comércio já manifestaram o seu desagrado por esta ilegalidade, aliás na sequência de uma luta que teve visibilidade pública pela manifestação realizada pelos trabalhadores, pelo SITACEHT/Açores e pela União de Sindicatos da Ilha Terceira.

Alguns dos empresários terceirenses manifestaram o seu desagrado, junto da Câmara do Comércio de Angra do Heroísmo, pela forma e termos da CCT, ou seja, alguns empresários sentem-se lesados pois o acordado, entre o “sindicato unipessoal” e a Câmara do Comércio, coloca em causa a concorrência empresarial no setor.

imagem retirada da internet

A unidade dos trabalhadores na luta pelos seus direitos, melhoria das condições de trabalho e rendimento, quando acontece é sinónimo de conquistas. Tem sido pela luta dos trabalhadores e das organizações sindicais que os representam, nada cai do céu a não ser a chuva, que a regulamentação dos tempos de trabalho, o direito a férias, e as remunerações foram consagradas em lei. Tem havido retrocessos nos direitos e conquistas, mas também esses têm sido minimizados pela luta e unidade dos trabalhadores para posteriormente serem reconquistados.

A unidade dá força à luta dos trabalhadores. As organizações patronais não gostam pois, sabem que se os trabalhadores estiverem unidos, não vergam.

As estratégias para subverter as lutas dos trabalhadores são várias e conhecidas e, por vezes, dão resultado se os trabalhadores não estiverem atentos e não desconstruírem e eliminarem os agentes, sejam indivíduos ou organizações constituídas para o efeito, ou já existentes, mas desajustadas da realidade e, quase sempre desprovidas de representatividade e até sem legitimidade para negociarem em nome dos trabalhadores do setor que dizem representar.

As associações patronais, mas não só, fomentam e mantêm esses agentes/organizações para utilizarem contra os interesses dos trabalhadores, e, também para atacar as estruturas sindicais representativas e que atuam, sem tréguas, em defesa dos trabalhadores, como é o caso do movimento sindical unitário, ou seja, não tenhamos medo das palavras, os sindicatos da CGTP.

Os exemplos de indivíduos e organizações que interferem no espírito de unidade dos trabalhadores podem ser encontrados em diferentes setores de atividade. É só estar atento para perceber quem são e qual é o seu papel, seja na saúde, seja na educação, seja, como foi o caso a que me referi no início deste texto nos Escritórios e Comércio de Angra do Heroísmo.


Aníbal C. Pires, Ponta Delgada, 21 de fevereiro de 2023


quarta-feira, 8 de fevereiro de 2023

notas de viagem (1)

foto by Madalena Pires

As viagens, de lazer ou de trabalho, podem constituir-se como excelentes oportunidades de aprendizagem. Não visitei tudo o que gostaria e, a vida, não tendo sido madrasta, também, não me bafejou com os meios para concretizar alguns sonhos, impôs-me prioridades de onde resultaram compromissos. Não é um lamento, é, tão-somente, uma constatação. Orgulho-me das minhas escolhas e do que daí resultou. Não viajei tanto quanto gostaria, mas conheço algumas partes do mundo, e sendo certo que as minhas opções me privaram de conhecer alguns lugares e gentes que povoavam o meu imaginário enquanto jovem, hoje são as dores nas articulações, o aumento dos juros e a carestia de vida que defraudam os sonhos de juventude. Agora sim estou a queixar-me, não das dores nas articulações, são o que são, mas das opções políticas que nos estão a conduzir para uma crise, cujos efeitos sociais e económicos se afiguram devastadores.   

As viagens que vão para além do dolce far niente associado ao turismo do tudo incluído, embora também estas possam enriquecedoras do ponto de vista das aprendizagens, se o espírito for aberto, atento e, sobretudo, disponível para ir além do torpor dos excessos alimentares, do consumo de drinks com elevado teor alcoólico e das fronteiras do resort, mas como dizia viajar é (pode ser), sempre, sinónimo de aprender o que só se aprende vendo e sentindo. 

Olhar a Union Square, em S. Francisco, não é bem a mesma coisa que por ali estar sentado, passear e observar o pulsar do lugar e da gente que passa apressada, ou quem aproveita o espaço para uma breve, ou mais demorada pausa. Não basta olhar é preciso ver.

imagem retirada da internet
Já que estamos por S. Francisco vamos aproveitar o tradicional elétrico e vaguear pelas colinas desta urbe, que todos conhecemos das produções cinematográficas de Hollywood, e parar nas margens da baía mesmo no coração de um dos seus mais pitorescos e conhecidos bairros, o Fisherman's Wharf, com a Golden Gate mesmo ali ao lado, olhando para oeste, e, mesmo ali defronte, a ilha de Alcatraz que albergou o famoso presídio com o mesmo nome, para Este, do outro lado da baía, vemos Oakland e a ponte que liga as duas cidades, bem assim com a ilha Yerba Buena, onde a OakLand Bridge tem implantado um dos seus pontos de apoio. Foi no Fisherman's Wharf que descobri o excelente músico, Robert Culbertson, mas também o instrumento - Chapman stick - do qual se libertavam sons melodiosos, mais tarde soube tratar-se de uma música e dança celta (An Dro). 

S. Francisco é muito mais do que a Golden Gate, o Fisherman’s Wharf, as suas colinas e elétricos. O espaço urbano é um misto de arquitetura vitoriana e moderna. A população é diversa e coexistem uma multiplicidade de culturas que conferem à cidade caraterísticas únicas. Não será por acaso que S. Francisco é (foi) uma das cidades mais vanguardistas dos Estados Unidos. 

Lawrence Ferlinghetti - imagem retirada da internet

Entrar na livraria e editora City Lights, fundada em 1953 por Lawrence Ferlinghetti e Peter Martin, e usufruir do espaço que albergou e editou os poetas da geração beat é sentir que a poesia e a literatura, para além do belo, podem contribuir para a revolução do pensamento. Quando por ali andei podia bem ter acontecido ter-me cruzado com Ferlinghetti ou Hirschman, o que não foi o caso, mais tarde tive oportunidade de participar, online, no festival de poesia “Red Carnation”, promovido pelo World Poetry Movement, em que Jack Hirscham marcou presença. A geração beat para além da rutura estética da sua poética e literatura assumiu-se como uma das vozes contra o macartismo, um período de perseguições políticas e de desrespeito pelos direitos civis (fim da década de 40 até meados da década de 50 do século passado). A City Lights situa-se na Chinatown (Columbus, Av.), na zona adjacente a North Beach.

imagem retirada da internet
Já que estamos na Chinatown vamos conhecer um pouco mais deste bairro que teve como primeiros residentes os trabalhadores chineses das empresas que construíram a linha ferroviária que ligou a costa Leste à costa Oeste, no final da década 60 do século XIX. A importância destes trabalhadores é reconhecida pela cidade de S. Francisco que celebra o dia 10 de maio como o “Dia dos Trabalhadores Chineses da Construção das Vias Ferroviárias”. Percorrer as ruas do bairro, que será um dos maiores fora da China, e entrar nas lojas de comércio é sempre um interessante exercício de descoberta de vidas tão distantes do pensar e sentir ocidental.


imagem retirada da internet

Se a City Lights é uma das catedrais de S. Francisco, outras há que merecem igual atenção e, de entre elas a Grace Cathedral (igreja anglicana). Desta vez optei por ir a pé a partir da Union Square e subindo a Powel St. até onde esta via se cruza com a California St., é preciso pulmão que a colina da Powel é íngreme, voltar à esquerda, como convém, e dois quarteirões depois eis que surge a fachada da catedral onde uma rosácea gótica prende o olhar, para logo descer às portadas conhecidas como as “Portas do Paraíso”. O interior da catedral convida a ficar e a percorrer todos os recantos contornando as colunas góticas e admirando os belíssimos vitrais. Uma original e moderna estátua de S. Francisco, cuja réplica pode ser vista noutros locais da cidade, é também um bom motivo, se outros não houvesse, para visitar este templo que é mais, muito mais do que um lugar de culto religioso. A Grace Cathedral é, também, um espaço dedicado à fruição das artes. Exposições, música e artes performativas estão na agenda desta igreja de e a S. Francisco.

imagem retirada da internet
A gastronomia, também ela, diversa como diversa é a cidade pode proporcionar excelentes descobertas. A opção por um espaço onde os sabores se fundem com o jazz pode ser uma excelente forma de fechar o dia na cidade de S. Francisco. Os visitantes e os residentes têm à sua disposição muitas outras opções que se prolongam pela noite dentro. Recolher ao local de pernoita é, também, e neste caso, a opção. O dia seguinte é de viagem até ao Vale de S. Joaquim onde os compromissos são muitos, o tempo de permanência é curto.





Ponta Delgada, 7 de fevereiro de 2023

Aníbal C. Pires, In Diário Insular, 8 de fevereiro de 2023

terça-feira, 7 de fevereiro de 2023

do que era para ser e não foi

vista aérea de Las Palmas, Gran Canaria
foto by Aníbal C. Pires





Excerto de texto para publicação na imprensa regional (Diário Insular) e, como é habitual, também aqui no blogue momentos.







As viagens, de lazer ou de trabalho, podem constituir-se como excelentes oportunidades de aprendizagem. Não visitei tudo o que gostaria e, a vida, não tendo sido madrasta, também, não me bafejou com os meios para concretizar alguns sonhos, impôs-me prioridades de onde resultaram compromissos. Não é um lamento, é, tão-somente, uma constatação. Orgulho-me das minhas escolhas e do que daí resultou. Não viajei tanto quanto gostaria, mas conheço algumas partes do mundo, e sendo certo que as minhas opções me privaram de conhecer alguns lugares e gentes que povoavam o meu imaginário enquanto jovem, hoje são as dores nas articulações, o aumento dos juros e a carestia de vida que defraudam os sonhos de juventude. Agora sim estou a queixar-me, não das dores nas articulações, são o que são, mas das opções políticas que nos estão a conduzir para uma crise, cujos efeitos sociais e económicos se afiguram devastadores. (...)

segunda-feira, 6 de fevereiro de 2023

atrasado, mas terá o seu final

foto by João Pires




Pequeno fragmento de um trabalho em construção.







(…) O encontro de amigos é, sempre, um encontro de festa. De alegria pela partilha do tempo e do pensamento, conversa-se de tudo e de nada. Tudo é importante, tudo tem valor, mesmo que nem sempre se esteja de acordo. Importante é o que nos aproxima. Importante é o tempo que partilhamos, sem querer mais nada do que o tempo em que estamos juntos. E quando chega a hora de partir é do próximo tempo que falamos. Do reencontro, talvez já amanhã, numa das piscinas naturais que ponteiam por toda a orla da ilha. (…)


sexta-feira, 3 de fevereiro de 2023

poesia da escarpa aprumada e da fajã de encantamentos. poesia do mundo.





Apresentação do livro

Vivências, Aníbal Raposo, Letras Lavadas, 2022“

Biblioteca Pública e Arquivo Regional de Ponta Delgada, 3 de fevereiro de 2023, 18h Açores

 




Se escassa for a água o barco voa.

Aníbal Raposo, In Vivências, Letras Lavadas, 2022

Quando o Aníbal, a quem agradeço a confiança em mim depositada, me convidou para apresentar o seu livro “Vivências”, convite ao qual anuí sem reservas, fui invadido por sensações contraditórias. Por um lado, a inquietude que tamanha responsabilidade implica, por outro a surpresa do convite, afinal em comum partilhamos o primeiro nome e pouco mais. É certo que sempre acompanhei, à distância, o trabalho criativo do Aníbal, mas nunca com ele privei. Alguns encontros fugazes onde houve sempre lugar à troca de palavras que versavam sobre o lugar e o evento, mas pouco mais que isso. Sempre admirei e respeitei o cidadão e o artista, mas é a primeira vez que o digo publicamente. Da sua obra conhecia alguns poemas, algumas canções e, mais recentemente, alguns trabalhos pictóricos que tive oportunidade de apreciar numa exposição que teve lugar num espaço de animação noturna de Ponta Delgada, mas também de cultura, e onde aconteceu uma dessas breves conversas, nesse dia, naturalmente, sobre as incursões do poeta e músico nas artes de combinar as cores e as formas diluindo-as ao sabor dos seus amores e inquietações.

Ao receber o livro que hoje publicamente se apresenta regressou a minha inquietação. O que dizer, sobre o Aníbal e o livro, se está tudo dito. O excelente prefácio da Paula Sousa Lima diz-nos da estrutura do livro e da lírica dos seus versos, ou seja, apresenta-o. A badana informa o leitor do essencial sobre o autor. Que fazer!? Talvez ler alguns dos seus poemas. Também não. A Eleonora e o Sidónio têm essa tarefa a seu cargo e, o autor em parceria com o “Maninho” vão cantar algumas das poesias que foram musicados.

Ao mergulhar na leitura dos poemas do Aníbal Raposo foi regressando alguma tranquilidade ao meu espírito. A cada poema uma descoberta, a cada estrofe um homem novo, a cada verso a rebeldia do poeta.

E aqui estou, na vossa agradável companhia, para tentar acrescentar algumas palavras ao muito que outros e o próprio autor já disseram sobre “Vivências”. Palavras que não têm a pretensão de se constituir como uma recensão e, muito menos como uma análise de índole literária, são apenas palavras que resultam da minha opinião de leitor. Palavras cujo propósito é contribuir para divulgar o livro, mas também despertar um justo interesse pelo seu autor e a sua obra.

sobre o autor

imagem retirada da internet

Procuramos planícies de entendimento,

Encontramos muralhas de distância. (…) 

Aníbal Raposo, In Vivências, Letras Lavadas, 2022

 Aníbal Raposo é, antes de mais, um cidadão que não abdica da verticalidade que a coluna vertebral confere a alguns humanos. Não será por acaso que nos seus versos encontramos bastas vezes as palavras: prumo; aprumado; ereto. Como, por exemplo neste verso:

“(…) que se ergue aprumado, forte (…)

O seu modo de estar na vida, a sua verticalidade, não o impedem de olhar e ver o que brota do chão, o voo dos milhafres a riscar o céu, ou os horizontes utópicos que desenha para os lugares e as gentes que ama.

O autor é um espírito irrequieto, a sua precoce intervenção artística confirma esta apreciação. Na sua juventude integrou o orfeão da sua escola (Antero de Quental), bem assim como o coro da Igreja de Nossa Senhora do Carmo, para o qual compôs alguns temas, ao tempo, inovadores. A sua vida académica está, também, marcada por uma intensa atividade artística ligada ao Teatro Universitário do Porto (TUP) e ao seu coro, do qual foi cofundador.

O desassossego do Aníbal Raposo não se quedou pela juventude e pela entrada na idade adulta. A sua atividade criativa na poesia e na música prolongou-se, para nosso contentamento, ao longo da sua vida que lhe desejo longa e profícua, seja na música, seja na poesia, seja noutros territórios de intervenção artística, de que a capa do livro “Vivências” é, apenas, um exemplo das suas obras pictóricas.

 “(…) sou um barco singular/amo a tempestade.”, diz o autor num dos seus poemas. E é desta singularidade e deste amor que tem nascido a sua vasta obra. Compositor, poeta, cantor, ou se preferirem cantautor, mas também artista plástico.

Aníbal Raposo é um criador cultural multifacetado, reconhecido pela generalidade do público e agraciado pelos órgãos de governo próprio da Região Autónoma dos Açores.

 

sobre a sua obra

(…)  Ai, quem me dera ser garça
E voar no canal (…) 

Aníbal Raposo, In Vivências, Letras Lavadas, 2022

A produção artística de Aníbal Raposo é vasta, como já referi, e merecida de maior divulgação. A edição deste livro vem, para além do seu valor intrínseco, contribuir para a difusão da vida e obra do autor e, por consequência, potenciar a conquista de outros públicos para a música e a poesia do obreiro de “Vivências”.

A minha geração conhece bem o papel que o Aníbal Raposo, sozinho, ou acompanhado, teve na recriação do cancioneiro popular açoriano. Quem não se lembra do “Tema para Margarida”, letra e música do Aníbal e popularizado, na voz de Piedade Rego Costa, na série “Mau Tempo no Canal” adaptado para televisão, por Zeca Medeiros, a partir do romance homónimo de Vitorino Nemésio. Mas este tema, de que gosto muito, mesmo muito, foi também utilizado na banda sonora do filme “A Antropóloga”, do realizador brasileiro de Santa Catarina, Zeca Pires. A voz foi, neste caso, de Helena Margarida Silva Lavouras. Este filme teve o apoio institucional da Casa dos Açores de Santa Catarina, possivelmente sustentado nos fundos da Direção Regional das Comunidades, ou seja do Governo Regional. “A Antropóloga” nunca passou nos Açores, embora toda a estória se desenrole num dos redutos açorianos, a Costa da Lagoa, Lagoa da Conceição, na ilha de Santa Catarina. O filme, para quem estiver interessado, está disponível no Youtube.

Este foi assim como um aparte. Pelo meu apego ao poema e à música, mas também para que se fique com uma ideia mais precisa e aprofundada da dimensão da obra do autor que hoje aqui partilha connosco o seu livro de poesia “Vivências”.

Mesmo considerando não haver necessidade pois, a sala está recheada de amigos e admiradores do Aníbal Raposo, e a badana do livro contém essa informação, ainda assim, deixo algumas referências à sua obra discográfica e poética.

O autor está representado em várias antologias de poesia contemporânea, e editou, em 2009, o livro de poemas “Voos da Minha Fajã.”

Colaborou em várias produções televisivas, tem participação em inúmeros trabalhos discográficos e regista seis discos editados.

Maré Cheia, 1999; A palavra e o canto, 2006; Rocha da Relva, 2013; Mar de Capelo, 2017; Falas & Afetos, 2021; e, Luz do Tempo, 2022.

A obra do autor não se esgotam nestes registos. O contributo do Aníbal Raposo para as artes em que se expressa conferem-lhe uma dimensão de referência na cultura açoriana.


o livro e os poemas

(…) O palco onde me revelo

O covil onde me encubro. 

Aníbal Raposo, In Vivências, Letras Lavadas, 2022

 Ler os poemas reunidos neste livro foi uma descoberta, hoje posso afirmar que conheço melhor o autor. Quem é, o que sente, o que ama, as suas inquietações e convicções, as suas insurgências, os lugares que habita, as suas utopias, os ritmos e a musicalidade poética do músico e compositor, e dei-me conta da tranquilidade que habita o espírito irrequieto que faz do Aníbal Raposo um cidadão que não deixa a vida passar-lhe ao largo.

Sei que pode parecer abusivo, mas ler os poemas reunidos em “Vivências”, foi como se lesse a autobiografia do Aníbal Raposo, sim porque as autobiografias também podem ter a forma de poemas e não são, necessariamente, uma mera narrativa de memórias datadas. A apreciação é minha e outros olhares são possíveis e legítimos.

A organização temática dos poemas está construída como de uma peça musical se tratasse, ou não fosse o autor um conceituado músico e compositor. Os 10 temas, ou andamentos deste livro, agrupam poemas construídos com a métrica e o formalismo lírico clássico, passa por alguns acordes populares, mas também por momentos de improvisação que libertam o poeta. E é então que o autor se espraia como um rio livre do aperto castrador das margens que, não poucas vezes, limitam o ato criador.

Outras leituras e interpretações são, naturalmente, possíveis, ou não fosse a leitura, em particular da poesia, um exercício e espaço de liberdade.

Tenho evitado, ao longo desta apresentação, o recurso à citação de poemas ou de pequenos excertos para ilustrar algumas das afirmações. É uma opção minha pois, não quero retirar aos leitores o prazer da descoberta e, muito menos tentar colonizar as vossas apreciações e leituras, contudo é chegado o momento de me socorrer de algumas estrofes e versos que à medida que fui lendo sublinhei e que me ajudaram a construir a opinião que estou a partilhar convosco.

O poeta, mesmo sem rima ou talvez por isso, é um sonhador:

“(…) Voa, sem medos e liberto,

pois é sempre do ar que se vislumbra

a toca do saber, que é presa esquiva,

e os ramos onde se ocultam na folhagem,

os frutos mais saborosos da loucura. “


O poeta é atento e capaz de se insurgir:

“As velas da esperança não chegam à costa

Cospem-nos em cima e a gente gosta.

Mil e uma peças, os mesmos atores,

Duas mil mentiras, três mil impostores.

 

Vamos enriçados em patranhas tantas…

Oh mar de capelo quando te levantas?”

 

A glória é efémera, diz-nos o poeta:

“Nasce do chão

aponta ao céu

e ao chão regressa…”

 

O Aníbal sabe o que quer:

“Apontada a norte

Por ser o meu rumo.”

 Não tenho dúvidas que poeta sabe que o Norte é o seu rumo, mas quando navega num corpo de mulher é no Sul que se encontra, sem se ter perdido.

“Batuques africanos no balouçar do teu corpo de gazela.”

Ou,

“Há como um tango argentino no desafio da tua cintura estreita.”

Ou ainda,

“E danças peruanas nas tuas ancas pela alba.

Há calor dos trópicos no aperto dos teus braços tão sinceros.”

 

O amor tem destas coisas, acontece quando e onde tem de acontecer.

E para terminar as citações deixo-vos estes versos que escolhi, não pela sua estética ou lirismo poético, mas para vos tentar abrir um sorriso, como convém no fim desta apresentação. E cito:

“Quem tem medo,

não cria:

- ou mia

ou compra

um cão.


Ao Aníbal Raposo e à Editora Letras Lavadas, enquanto cidadão e leitor, só posso estar grato pela publicação deste livro que, espero eu, não esgote a produção literária e poética do autor e a sua edição.

Obrigado pela Vossa atenção!

Aníbal C. Pires, Ponta Delgada, 3 de fevereiro de 2023

Anna Schetinina – a abrir fevereiro

imagem retirada da internet
O pioneirismo na história da luta das mulheres e da sua emancipação tem nas mulheres soviéticas, neste caso russa, vários exemplos.  Anna Schetinina, é uma das muitas mulheres que contribuiu para a causa feminista. 

A nacionalidade desta mulher e o contexto em que ocorreu a sua ascensão ao comando de navios mercantes, sendo a primeira mulher no mundo a ter essa responsabilidade, contribuem para que, como outras mulheres, as líderes dos movimentos feministas obliterem estes factos.

Não é de agora o contínuo esforço para reescrever a história, seja a das mulheres e das suas conquistas, seja de outros aspetos que mudaram o mundo.