quinta-feira, 23 de fevereiro de 2023

Ilusões e escolhas

foto by Madalena Pires
Liberdade, escolha e livre arbítrio, estes conceitos foram objeto de reflexão por pensadores tão diversos como Santo Agostinho, Karl Marx e Jean Paul Sartre, de entre muitos outros, pois, a liberdade, a escolha e o livre arbítrio, são muito caros aos cidadãos. Não direi que são conceitos tão antigos como o homem, mas acompanham a evolução histórica e social da humanidade. Também diferentes correntes religiosas abordam implícita ou explicitamente estes conceitos. A sua importância e pertinência continuam a manter estes ideias na ordem do dia, seja por óbvios interesses do mercado, seja no discurso político de atomização social, seja na produção de pensamento para a sua desconstrução enquanto instrumento de manipulação dos costumes e dos hábitos de consumo. Ou seja, sendo princípios que valorizamos e prezamos devemos, contudo, prestar-lhe alguma atenção para não sermos as vítimas das nossas próprias escolhas e do uso do livre arbítrio que a liberdade individual nos permite.  

foto by Madalena Pires

A liberdade permite escolher, o livre arbítrio é a tomada de decisão e a possibilidade de escolha em perfeita liberdade. Isto de dito de uma forma simples e pouco elaborada pois, a “Sala de Espera” não pretende ser um espaço para dissertações e desconfortável, desde logo, para o anfitrião, mas também para os visitantes que por aqui podem, ou não passar, a escolha é vossa. Em bom rigor, como diz um querido amigo da ilha Terceira, o que o anfitrião deseja é que, pela “Sala de Espera” passem muitos visitantes, mas não se espere que o faça a qualquer preço o que significaria abdicar dos princípios com que pauta a sua vida e as relações interpessoais, porquanto não é expetável que o responsável por este espaço se prostitua com o objetivo de aumentar o número de visitantes. Há por aí muito quem o faça indo ao sabor da corrente. É tão mais fácil. 


O assunto que hoje trago à vossa e minha reflexão, tendo sido apresentado no início do parágrafo anterior com simplicidade, é, porém, muito complexo. 

imagem retirada da internet
A possibilidade de escolher decorre da liberdade, sem dúvida, mas as minhas opções (escolhas) dependem de outras variáveis que também caraterizam a qualidade da minha liberdade. Quando eu escolho o pão para alimentar a família opto por uma qualidade rica em fibras e nutrientes que possam corresponder às necessidades dietéticas das pessoas que vivem comigo. Mas isso tem um preço que nem todos podem pagar, embora todos sejamos igualmente livres (será!?). Quem tem uma família numerosa e tem como rendimento apenas o salário mínimo, opta por uma qualidade de pão mais barata, mas que talvez não seja a mais aconselhável para as necessidades alimentares da família, ou então ativa o livre arbítrio e furta o que considera ser, para si, a melhor escolha. A escolha e o livre arbítrio, dependem da liberdade individual. No caso das escolhas (opções) a liberdade está condicionada, com já referi, por algumas variáveis como por exemplo: educação, conhecimento, rendimento, emoções, crenças, etc..., mas também no livre arbítrio que é, também, uma escolha, podem ser consideradas algumas condicionantes que nos impedem de fazer uma escolha em detrimento de outra. No exemplo que tem vindo a ser usado o que pode condicionar o roubo, e, por conseguinte, a aquisição de pão ao alcance da bolsa em detrimento da qualidade nutritiva e dietética do produto, é a penalização criminal e tudo o que lhe está associado moral, social e economicamente.

O paradigma do pão com que tenho vindo a ilustrar esta reflexão pode generalizar-se a outras escolhas e ao livre arbítrio que a liberdade nos permite, porém, do que já foi dito ficou, também, claro que as escolhas, as melhores opções, dependem de um conjunto de variáveis que não resultam da liberdade enquanto conceito abstrato. A liberdade para se materializar tem de ter associados um conjunto de atributos que garantam a independência e a segurança ao cidadão. Vou-me dispensar de os listar, mas podem aceder a essa enumeração consultando a Declaração Universal dos Direitos Humanos que, não sendo tudo, poderiam constituir, se total e universalmente assegurados, um significativo avanço na qualidade da democracia e, por consequência, da liberdade individual e coletiva.

O direito ao trabalho, à segurança no trabalho e a uma remuneração que permita viver com dignidade não é uma ideia retirada de um manual marxista, é um direito humano como é o direito à educação e aos cuidados de saúde. Os cidadãos que não têm estes e outros direitos garantidos não são verdadeiramente livres. Alguns iluminados da nossa praça dirão que as oportunidades são iguais para todos e que só não se realiza quem faz escolhas erradas. Eu diria que existem cidadãos mais iguais que outros e para quem o percurso do sucesso está facilitado, para esses as oportunidades e o exercício livre da escolha, para os outros a escolha possível e oportunidades que não chegam a sê-lo.


Ponta Delgada, 21 de fevereiro de 2023

Aníbal C. Pires, In Diário Insular, 23 de fevereiro de 2023

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