quarta-feira, 5 de abril de 2023

Dos pequenos ganhos tecnológicos à IA – 1/3

imagem retirada da internet
Os leitores mais atentos estariam na expetativa de hoje retomar o que ficou prometido no último texto, mas por razões que não têm justificação plausível não vai acontecer. O correr da pena que é como quem diz, o teclado do computador, enveredou por outros e longos caminhos. Mas as “fêmeas Alfa e os machos Beta”, ou vice-versa, estão no alinhamento e, uma destas quartas-feiras aqui chegarão. Hoje tem início a primeira de três publicações que abordam alguns aspetos dos avanços científicos e tecnológicos e os seus impactos no nosso quotidiano.


1. Não tenho por hábito, até evito, frequentar grandes espaços comerciais ou de serviços, mas não há como deixar de os utilizar, de quando em vez vou, é inevitável. Não será, de todo, impossível, todavia, por razões diversas, para o caso irrelevantes, não é fácil deixar de visitar esses espaços. Quando vou, tenho um objetivo preciso. Concretizada a finalidade da deslocação saio sem perder tempo, que o tempo é para ocupar com atividades mais prazerosas. Estar com as pessoas, passear à beira-mar, ou à beira-terra, conforme a perspetiva, usufruir dos lugares naturais ou urbanos, e evitar os não lugares como os grandes espaços comerciais e de serviços, desprovidos de alma onde, inexplicavelmente, ou talvez não, algumas pessoas gastam o seu tempo sem outro propósito, aparente, que não seja estar e olhar para as “meninas ou meninos do shopping”, estar e olhar sem ver, ou olhando e vendo, seja que for. Diferentes finalidades além das observáveis existem, algumas são de compreensão imediata, como sejam o ambiente climatizado e a anunciada “qualidade do ar”, outras são mais subjetivas, mas também não têm importância nenhuma para este relato! ou será que é uma reflexão!? quiçá uma breve confissão! ou mesmo, apenas e só, a partilha de algumas inquietações, desde logo sobre um comportamento que me perturba e ao qual a maioria dos cidadãos aderiu com a melhor das intenções, adotando um procedimento diferente do meu, admito até que a maioria estará certa e eu, e poucos como eu estaremos profundamente errados. Deixo o juízo à vossa consideração. 

imagem retirada da internet
Os poucos leitores aqui chegados, o parágrafo anterior foi fatal ao fim da segunda ou terceira frase a debandada foi geral, mas, como dizia, serão poucos os leitores, pois, a maioria já foi procurar uma alternativa de leitura mais aliciante, ou mesmo um vídeo do tiktok que é muito mais divertido, mas ao que parece perigoso, ouvi dizer que nos Estados Unidos querem proibir esta plataforma de entretimento infantojuvenil de origem chinesa. São poucos os leitores, mas bons, ou pelo menos pacientes, curiosos e resistentes. Resistir a este exercício delirante cujo propósito é servir de introdução ao tema, não é fácil e desmotiva até os mais obstinados, mas agora que comecei tenho de ir até ao fim: dirão os leitores mais teimosos. E eu farei tudo o que estiver ao meu alcance para não defraudar as expetativas criadas a quem obstinada e corajosamente se mantém por aqui.

A opção por esta espécie de prólogo foi um risco e constitui uma afronta aos cânones motivacionais da comunicação. O risco não foi calculado, aconteceu. A desfeita aos teóricos da comunicação imediata é consciente e tem uma intenção subjacente, nem tudo é tão simples e linear como aparenta, quer na comunicação, quer nas pequenas e grandes rotinas que a revolução científica e tecnológica introduziu no nosso quotidiano.

As emissões regulares de televisão em Portugal só tiveram o seu início já eu tinha nascido, o telefone era fixo e com fios, as mensagens enviavam-se por telegrama, na minha infância as locomotivas das composições ferroviárias funcionavam a vapor, o trabalho era, no essencial, feito com a força dos braços, as cadernetas bancárias eram atualizadas manualmente. E não passaram assim tantos anos. Se olho para esses tempos com saudade? Não. Tenho saudade das pessoas, dos lugares e das discussões prospetivas sobre os benefícios sociais, culturais e económicos que a revolução técnica e científica nos iria proporcionar. A automação e a robótica contribuíram para a libertação de tempos de trabalho e as mais valias daí resultantes teriam reflexo no aumento do rendimento do trabalho, nas acessibilidades, e, as comunicações seriam decisivas para quebrar isolamentos e facilitar a circulação de pessoas bens e serviços. Podia ter recuado à invenção da roda, à utilização e controle do fogo, ou à invenção da máquina a vapor o que poderia ser tão maçudo como o prólogo, por isso recuei apenas umas dezenas de anos. Para enquadramento do tema é suficiente.

Nem tudo aconteceu como era esperado, embora a revolução científica e tecnológica tivesse ultrapassado o que há cinco décadas, algumas utópicas discussões juvenis imaginavam pudesse vir a acontecer. Os tempos de trabalho não foram reduzidos, as mais valias não foram distribuídas, os dias de férias não aumentaram e a idade limite da vida ativa manteve-se, ou foi aumentada, de onde resultou a perda de postos de trabalho e, por consequência, o aumento do desemprego e, com ele, uma continuada e crescente desvalorização do trabalho, ou seja, os sonhos mais húmidos de velhos e novos liberais concretizaram-se, com a conivência e a deriva dos partidos sociais democratas e dos ditos partidos socialistas que enveredaram por vias de convivência pacífica com o mercado e a caminho da conhecida, mas branqueada, barbárie. 

É chegado o momento (finalmente!) de referir a situação que motivou esta confissão, ou reflexão, ou apenas uma mera opinião. A principal razão pela qual vou aos centros comerciais é a necessidade, pontual, de me alimentar fora de casa. Quando vou já sei o que quero, sou muito conservador, faço a encomenda e sento-me a degustar uma refeição que me dizem ser equilibrada e saudável, não fosse o molho de maionese e alho que envolve, a meu pedido, os ingredientes da salada. Enquanto usufruo da refeição olho ao meu redor e observo quem comigo partilha, sozinho ou em família, aquele espaço. É um exercício interessante e do qual se podem recolher vários registos, mas hoje vou apenas referir um aspeto observado que originou este conglomerado de palavras. A maioria das pessoas quando finaliza a sua refeição levanta-se pega no tabuleiro e dirige-se ao local destinado ao seu depósito para depois serem reencaminhados para a sua proveniência. É uma atitude que revela urbanidade e até solidariedade com os trabalhadores que ali estão para executar essa tarefa, mas que eu não adoto. E porquê!? Perguntam os leitores que me conhecem e têm a imagem de que sou uma pessoa bem-educada, bem formada e que cultiva a solidariedade com os trabalhadores, e não se enganam. Passo a explicar, não o faço por duas ordens da razão, a saber: substituir-me ao trabalhador a quem compete essa tarefa pode contribuir para a diminuição dos postos de trabalho naquele local e setor pois, os gestores de recursos humanos, a seu tempo, irão concluir que ao invés de x só são necessários x-n trabalhadores; em segundo lugar por colocar em risco a limpeza e higienização do local onde estive a deglutir a minha refeição. Se não é necessário levantar os tabuleiros, corre-se o risco, de um lugar ou outro, uma mesa ou outra, não serem devida e corretamente limpas e higienizadas. Não por incúria do trabalhador, mas por um lapso provocado pela rutura na rotina das suas funções.

Dir-me-ão que não será bem assim e que o exemplo é rebuscado, talvez, contudo vou manter o meu procedimento mesmo tendo consciência de que quem me observa, e nunca lerá este texto, irá achar que a minha conduta não é muito correta e não se adequa ao que de mim se ajuíza.

(continua)

Ponta Delgada, 4 de abril de 2023

Aníbal C. Pires, In Diário Insular, 5 de abril de 2023

1 comentário:

Emilio Antunes Rodrigues disse...

Como sou curioso e interessado em conhecer a opinião dos amigos que me habituei a ler por aqui, diria a revolução técnico-científica no regime capitalista serve principalmente para desvalorizar o trabalho visto que ela é imediatamente apreendida pelo sistema capitalista e arrumar o tabuleiro onde transportámos o prato da comida e na verdade eliminar postos de trabalho como a separação de resíduos sólidos inúteis que se forem já separados não são precisos trabalhadores para os separar assim como o trabalho pró bono nas IPSS da igreja, os bancos alimentares para quebrar a resistência dos abandonados à sua sorte para não assaltarem lojas à procura de comer. O sistema neoliberal que inferniza a vida dos dominados cria logo mecanismos para os controlar, desculpe o tamanho do comentário.