quarta-feira, 3 de maio de 2023

Dos pequenos ganhos tecnológicos à IA – 3/3

 (continuação)

imagem retirada da internet
Os avanços da ciência e da tecnologia são bem-vindos e não me inquietam, o que me perturba e preocupa são os efeitos perversos que provocam no tecido social, na precarização das relações laborais, na economia, na cultura e na política e a sua utilização para fins que desumanizam e tendem a perpetuar modelos de desenvolvimento ancorados na servidão de uma imensa maioria em proveito de poucos, muito poucos, e que essa imensa maioria viva na ilusão de que não pertence às vítimas. Mas esse é um outro assunto, embora simples, mas não de fácil compreensão pela imensa mole de trabalhadores a quem é criada a ilusão de poder vir a pertencer ao clube dos que dispõem dos meios de produção sendo, porém, os principais sacrificados do sistema que se baseia na sua própria exploração,

3. A Inteligência Artificial (IA), de que tanto se fala, não é propriamente uma novidade, já Alan Turing, no pós-II Guerra Mundial e com o advento das ciências computacionais, falou e escreveu sobre o conceito e a possibilidade de criar máquinas “inteligentes”, ou se preferirmos máquinas que aprendem. A expressão IA foi, digamos, cunhada, em 1956, por Herbert Simon, Allen Newell, John McCarthy, Warren McCulloch, Walter Pitts e Marvin Minsky. Se olharmos para a história constamos que alguns automatismos mecânicos não são tão recentes assim e, por outro lado, o fascínio do homem pela construção, ficcionada ou mística, de “seres” dotados de inteligência é bem mais antiga.

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A IA há muito que faz parte das nossas vidas. Os telefones inteligentes, os assistentes pessoais digitais, a publicidade e as compras na internet, as traduções automáticas, a pesquisa na internet, equipamentos domésticos que se ajustam às nossas rotinas, enfim um sem número de aplicações que utiliza a IA. E sim, tudo isso nos facilita a vida, ou seja, nos traz conforto. Mas será que a nossa qualidade de vida melhorou!?, ou para aceder a estes benefícios temos de aumentar o número de horas de trabalho, para acrescentar mais rendimento ao parco salário, mesmo que seja bem acima da média, para ter poder adquirir e usufruir de tudo o que nos “oferecem “e, assim, diminuir o tempo para ser: amigo, mãe, pai, cidadão com direito à fruição do lazer, da cultura e da diversão e entretenimento, ou melhor dizendo, ter a qualidade de vida a que legitimamente ansiamos durante todos os períodos da nossa existência.

Com o uso, ou melhor com o mau uso das novidades tecnológicas corremos riscos elevados, isto não significa a inexistência de importantes benefícios em diferentes áreas como, por exemplo a saúde. Por outro lado, os serviços públicos e privados tendem a afastar-se dos cidadãos remetendo para as plataformas e aplicações tecnológicas o atendimento. Se tem vantagens? Claro que sim, mas os efeitos do encerramento de postos de atendimento presencial, para além da diminuição de postos de trabalho, provoca a desertificação populacional do território e contraria a tão necessária coesão territorial. Esta é apenas uma constatação, as assimetrias são bem visíveis, as causas que lhe estão na origem conhecidas e não resultam, apenas, das novas tecnologias. Mas este, como outros exemplos, não será o pior dos riscos quando sabemos que nos Estados Unidos, e quiçá noutras potências que detêm arsenais de armas nucleares, se discute a criação de mecanismos legais para impedir que a IA possa decidir por um ataque com armas atómicas, seja ele de retaliação ou não. Neste intervalo entre os limites ou extremos do conjunto de variáveis da IA cabem muitos benefícios, mas também muitos perigos.

Noam Chomsky - imagem retirada da internet
Numa recente (28 de abril) entrevista de Noam Chomsky ao suplemento (Ípsilon) de um diário nacional exclusivamente dedicada às questões da IA, aconselho vivamente a ler, ficam claras todas as interrogações que tenhamos sobre o assunto. Depois de ter lido as respostas de Noam Chomsky pensei para comigo que este meu último texto, dedicado à IA, deixava de fazer sentido, contudo os leitores merecem todo o meu respeito e, conquanto, com um formato e conteúdo diferente, do que estava mentalmente arquitetado, optei por levar a obra até ao final. Não trago novidades, nem acrescento nada ao muito que nos últimos tempos se tem escrito e dito sobre a IA. A minha abordagem ao tema é, como nos dois textos anteriores, provocar alguma reflexão sobre um tema que já faz parte das nossas vidas e que, dependendo de quem detém “o meio de produção”, pode direcionar-se para o bem comum, ou para a perpetuação do poder instalado (financeiro) com todos os efeitos perversos que a IA pode proporcionar.

O melhor exemplo vem mesmo do Parlamento Europeu (PE) que é, dirão os leitores um órgão político legitimado pelo voto popular, mas que está subjugado aos oligopólios financeiros, digo eu e as práticas demonstram-no à saciedade, mas vamos então a um dos exemplos das vantagens  que o PE enumera:  “A IA pode ajudar os fabricantes europeus a tornarem-se mais eficientes e a trazer as fábricas de volta à Europa através da utilização de robôs na fabricação, da otimização dos circuitos de comercialização, ou da previsão em tempo real da manutenção e falhas em fábricas inteligentes.”

Um outro exemplo da utilização da IA que, segundo o PE, pode trazer vantagens, desta vez para a produção de alimentos e agricultura. Vejamos: “A IA pode ser utilizada na criação de um sistema alimentar sustentável na UE pois, permite garantir alimentos mais saudáveis, minimizando a utilização de fertilizantes, pesticidas e irrigação, assim como contribuir para a produtividade e a redução do impacto ambiental. Os robôs poderiam remover ervas daninhas, por exemplo, o que teria como consequência a diminuição do uso de herbicidas.” Como se vê as vantagens, nestes dois exemplos, são muitas e atrevo-me a dizer que uma ampla maioria dos cidadãos concordará, inequivocamente, com estes e outros benefícios da IA nos processos produtivos, aliás os princípios estão desenhados para a obtenção do apoio generalizado da população. Quem é que não concorda com a necessidade de reindustrializar a União Europeia, ou libertar a produção agrícola intensiva do uso de herbicidas, ou seja, centrada na defesa da qualidade ambiental. Numa leitura mais atenta, não deixando de concordar com os princípios, pode questionar-se o PE sobre o destino que será dado aos trabalhadores que venham a ser substituídos pelos robôs!? se o trabalho vai ser valorizado por via do aumento dos salários, da diminuição dos tempos de trabalho e da idade limite para a reforma!? Não encontrarão resposta a estas legítimas preocupações.

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A revolução científica e tecnológica dispensou, num primeiro momento, muitos trabalhadores indiferenciados e pouco qualificados, mas o desemprego e, por conseguinte, a desvalorização do trabalho já há muito atinge trabalhadores qualificados e altamente qualificados, a IA vai acentuar ainda mais e atingir outros. O desemprego e a precarização irão atingir, segundo alguns estudos prospetivos, profissões como: profissionais de telemarketing, professores universitários de língua e literatura inglesa, de língua estrangeira, de história e de direito, de entre outras profissões “intocáveis” e pouco solidárias com as clássicas lutas dos trabalhadores. Um outro aspeto que representa uma ameaça da IA é a tecnologia “deepfake” (não encontrei tradução).  Que consiste na manipulação da voz e da imagem e é já uma realidade. Procure saber mais sobre este assunto, pesquisando na internet e/ou veja uma série inglesa (Capture) disponível nas plataformas de transmissão contínua de dados (streaming).

Com o presente texto encerro este pequeno ciclo de publicações em que procurei introduzir alguns elementos de reflexão sobre as alterações que a revolução científica e tecnológica produziu e vai continuar a gerar nos hábitos das populações. 

Ponta Delgada, 2 de maio de 2023

Aníbal C. Pires, In Diário Insular, 3 de maio de 2023 

2 comentários:

Emilio Antunes Rodrigues disse...

A gula irreprimível do capital por lucros cada vez mais elevados vai cavar a sua própria sepultura, sendo o homem fruto do trabalho, a sua falta desumaniza a sociedade e será o regresso à selva na medida em que os robots podem produzir mas não podem consumir os produtos que resultam da sua acção mecânica, ora sem meios para os humanos comprarem as mercadorias que a máquina produziu, quem os vai consumir? Ora nesta perspectiva a robótica deve estar ao serviço do bem estar de toda a humanidade, libertando-a para mais tempos livres, para alguma ociosidade, para a sua valorização cultural e convivência social participando dos benefícios da libertação de tempo de trabalho.

Aníbal C. Pires disse...

Meu caro Emílio!
Boa tarde,

Agradeço os seus comentários.
As suas observações pertinentes enriquecem as publicações.

Grande abraço,

Aníbal C. Pires