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A expressão fêmeas/machos Alfa tem vindo a aplicar-se ao Homo sapiens transpondo um conceito da zoologia para as sociedades humanas. O termo macho Alfa resulta de estudos sobre as hierarquias e organização no mundo animal, em particular os lobos. Se nos lobos (bando) existe um macho dominante, nas abelhas a estrutura da colmeia depende de uma fêmea, a Rainha. A liderança no mundo animal varia conforme as espécies e chega mesmo a verificar-se a existência, no mesmo grupo, de fêmeas e machos dominantes.
A zoologia abandonou a designação de macho Alfa substituindo-a por outras denominações mais adequadas à realidade observada, mas alguns humanos importaram para a categorização dos seus semelhantes esta expressão animalesca caída em desuso nos estudos zoológicos. Enfim! Não sei, nem vou perder tempo a procurar entender como se compatibilizam estas expressões com outros modismos linguísticos, como sejam os que pretendem incluir pela linguagem, dita neutra, sem nada fazerem pela inclusão das maiorias excluídas pela pobreza.
A expressão “machos Alfa”, ou se preferirem “fêmeas Alfa”, recupera para a nossa contemporaneidade uma teoria do século XIX, a que se chamou “Darwinismo social” e que consiste na aplicação da teoria da evolução aplicada às sociedades humanas, alguns apoiantes desta corrente de pensamento atribuem ao próprio Darwin os seus fundamentos, tendo com base a sua obra “A Origem do Homem”. Esta teoria procura justificar a existência de humanos capazes (ricos) e incapazes (pobres) e serviu para construir as bases da eugenia, do racismo, do imperialismo europeu, do fascismo e do nazismo. Depois da II Guerra Mundial caiu, naturalmente, em desuso o que não significa que tenha sido abandonada. Esteve latente durante algumas décadas e tem vindo a recrudescer como se comprova com a adesão de muitos cidadãos a grupos supremacistas e neonazis, mas também, ou talvez por isso, à sua normalização pela comunicação social dominante.
A expressão Alfa e Beta, ou ainda outras como, Gama e Ómega, associadas à caraterização de fêmeas e machos humanos, para além de animalizante e hierárquica tem uma conotação sexualizada que, salvo melhor e douta opinião, afronta o feminismo, ou mesmo as questões de identidade de género, por outro lado podemos associar a expressão à promoção da competitividade e do individualismo, em detrimento do espirito colaborativo que, esse sim, permite os avanços coletivos e repercute os benefícios pelos indivíduos.A evolução humana não deixou, nem deixará de ter, uma forte componente animal, e os instintos continuam a determinar muitas das nossas escolhas, mormente as que se relacionam com a seleção dos parceiros para procriar. No entanto, a evolução humana introduziu novas variáveis que influenciam a seleção dos nossos parceiros sexuais, o desenvolvimento da inteligência, o conhecimento científico, a institucionalização de princípios de convivência social e os valores transformaram as sociedades humanas. Sociedades, em particular as ocidentalizadas, nas quais emergem sinais preocupantes de um retrocesso evolutivo sob o manto da pós-modernidade, mas que eu considero estar diretamente relacionada com aquilo a que se designa por pós-verdade, ou seja, com o abandono do que é factual em detrimento das crendices e das emoções com que a comunicação social dominante e corporativa alimenta as massas e promove a estupidificação.
A utilização das expressões ou alusões a machos ou fêmeas Alfa não me incomoda e este escrito não resulta de outra inquietação para além dos eventuais efeitos que, o conceito associado à expressão, pode gerar na promoção da misoginia, do patriarcado e da perpetuação das desigualdades sociais, por serem aceites como naturais. Admito que possa estar errado e que o meu olhar seja parcial fruto da minha formação política e humanista, mas a utilização da expressão “machos Alfa e fêmeas Beta” é simplista e está ancorada em estereótipos de género e não pode, nem deve, ser aceite como uma verdade absoluta pois, as relações humanas caraterizam-se por uma diversidade e complexidade que não é compaginável com visões redutoras como a que a hierarquização subjacente à utilização da expressão “macho Alfa” induz no nosso quotidiano.
A recuperação, para o nosso tempo, de conceitos como o “Darwinismo social” e das teses liberais embrulhadas numa linguagem dirigida a segmentos da população formatada pelo pensamento dominante e, como tal permeável a ideias e conceitos que promovem a atomização social e constitui-se como mais uma agenda política, pretensamente, despida de ideologias, mas que quando analisada se verifica estar contaminada pelo neoliberalismo.
Ponta Delgada, 16 de maio de 2023
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