sábado, 15 de julho de 2023

o moscatel está inocente

Foto de Aníbal C. Pires

O tempo é de férias. O calendário assim o dita, mas nem todos podemos, nem todos gozamos os merecidos dias de descanso anual quando as temperaturas e os longos dias de Verão a isso convidam. Seja por opção, seja por obrigação contratual, ou outras razões que o justifiquem. As férias no Verão não são para todos, embora o sentimento generalizado seja de algum desprendimento e alheamento da realidade. É como se de uma reação inata se tratasse para compensar e recuperar das violentas agressões mediáticas, sociais, políticas e profissionais a que estamos sujeitos ao longo do ano. 

Estando, ou não, de férias este é um tempo que convida a ir ao mar no fim da tarde ou pela manhã, conforme o gosto e a disponibilidade, calcorrear trilhos, a dedicar mais tempo aos amigos, a conversar sobre os festivais de Verão, sobre a sustentabilidade do destino turístico Açores, a procurar ler os livros que se foram acumulando nas prateleiras, ou podemos mesmo optar por não fazer, rigorosamente, nada; o que podendo parecer não será, dizem os entendidos, a melhor forma de repor energias e lavar a alma.

imagem retirada da internet
Nunca é fácil, mas em julho e agosto é sempre mais espinhoso encontrar um tema que se acomode à estação, isto é, que não retire os leitores da letargia em que estão mergulhados, mas não seja, de todo, desinteressante. A ação individual e coletiva do Governo Regional e dos seus fiéis acólitos é uma fonte temática inesgotável sobre os quais se pode dissertar, alguns factos e decisões até são hilariantes não fossem os custos presentes e futuros que daí resultam, outros que pelo seu alcance colocam em causa a sustentabilidade financeira da Região, são dramáticos e por isso não se adequam à época estival, que se quer e deseja tranquila. Mas a principal razão pela qual não vou abordar questões da política regional é, no essencial, por entender que nem agora, nem no Outono, no Inverno, ou na Primavera, a ação governativa merece a minha atenção. Tenho opinião, mas não gasto o meu tempo a escrever sobre as imbecilidades políticas protagonizadas pelos departamentos governamentais e apoiadas pelos indefectíveis subsídio-dependentes do poder instalado (não me refiro aos beneficiários do RSI, esses merecem todo o meu respeito pois, são as vítimas do sistema). 

O tempo passa, as instituições ficam, os atuais protagonistas da coligação governamental, serão a seu tempo afastados, quando os eleitores manifestarem nas urnas o enfado e o descontentamento que expressam em surdina, não vá o diabo tecê-las se levantarem a voz. Sim, pois esta solução governativa conseguiu, em tempo recorde, instalar um clima de medo que os governos do PSD e o PS levaram mais de uma década a aparelhar, e ainda assim caíram, como este cairá ao que se julga e deseja, também, em tempo recorde, outubro de 2024 parece-me uma excelente data, se for antes tanto melhor. Sei que as generalizações são injustas e nem todos os titulares dos departamentos governamentais merecem o epíteto político que atribuí ao coletivo que forma o governo, mas a exceção que faço à Secretária da Educação e dos Assuntos Culturais, não da Secretaria que Sofia Ribeiro tutela, apenas confirma o que fica dito sobre o atual governo e os seus indefetíveis servos.

Os leitores, neste momento, se ainda se mantiverem por aqui, já perguntam: afinal vais escrever sobre o quê? E eu não tenho o que lhes responder e, não é aconselhável dizer-lhes que não sei, logo o melhor é deixar correr a pena que alguma coisa se vai amanhar, conquanto a situação, face a tudo o que já foi dito, se esteja a tornar cada vez mais penosa e o espaço escasseie para tratar de um qualquer assunto que me venha a ocorrer e que se enquadre no contexto da estação estival, isto é, possa ser aliciante e não obrigue o autor e os leitores a esforços desnecessários. 

Sou uma pessoa bem-humorada e bem-disposta, mas não fui fadado para escrever textos que provoquem o riso, ou mesmo um esboço de qualquer expressão facial e labial que se aproxime de um sorriso, se assim fosse poderia tentar descrever algumas histórias leves e bem-humoradas a que assisti ou, que eu próprio protagonizei. Seria, sem dúvida, uma excelente opção para amarrar os leitores ao texto e uma contribuição para manter os espíritos afastado das inquietações adiadas para setembro quando tudo voltar ao ritmo do ano escolar, do ano judicial e do ano político, ainda que nem as escolas e os tribunais estejam fechados, nem o exercício do poder político tenha suspendido a sua atividade para balanço.

Não sendo um humorista, como ficou a saber-se pela confissão feita no parágrafo anterior, também não sou “influenciador” (vulgo: influencer), apesar de ter perfis e publicações em diversas redes sociais, mas por prezar a liberdade e a diversidade de pensamento autónomo, não gosto de colonizar o gosto e a opinião dos meus concidadãos. Mais uma declaração de princípios a somar a outras que, por vezes, se podem encontrar dispersas nos textos que escrevo e partilho neste e noutros espaços.

imagem retirada da internet
O senhor Presidente da República teve uma indisposição e desmaiou, naturalmente, esse incidente foi notícia. O estado de saúde do Presidente é do interesse de todos os portugueses, mesmo dos que nutrem pouco simpatia pela personalidade que atualmente desempenha o cargo. Já as declarações de Marcelo Rebelo de Sousa foram descabidas ao atribuir ao “moscatel”, a causa da sua indisposição, por outro lado caberia à equipa médica que o assistiu, se fosse caso disso, qualquer nota sobre o estado clínico do presidente. Não sou produtor nem comercializo “moscatel”, ou qualquer outro tipo de bebidas espirituosas, mas se fosse tinha-me sentido prejudicado. A(s) causa(s) terão sido outras, o “moscatel” pode ter contribuído, mas a constatada desidratação e não ter almoçado, associada ao calor, à idade e ao histórico clínico, isso sim, justifica a indisposição e o desmaio do Presidente da República. O moscatel tem de ser ilibado desta responsabilidade pelo desmaio de Marcelo Rebelo de Sousa. O moscatel está inocente!

O personagem que ocupa a Presidência da República continua a ser o eterno comentador televisivo, daí não vem mal ao mundo, face à arquitetura do Estado português, mas não se espere que os portugueses lhe deem o crédito que é devido a um chefe de estado. Infelizmente Marcelo Rebelo de Sousa não é caso único, não faltam por aí presidentes e primeiros-ministros, e outros tantos comentadores, a fazerem o papel de capacho de organizações cuja legalidade democrática não foi sufragada pelos povos, mas que decidem sobre o nosso presente e futuro como se tivessem essa legitimidade.

imagem retirada da internet

A lista destas personagens é longa, mas como está tacitamente assumido pelo autor que durante a estação estival os temas são tratados com alguma leveza, deixo uma curta lista de três nomes: Christine Lagarde, Presidente do Banco Central Europeu, Ursula von der Leyen, Presidente da Comissão Europeia, e Josep Borrell, Alto Representante da União Europeia para os Negócios Estrangeiros e a Política de Segurança. Sobre estas três “conhecidas” personalidades, hoje, abstenho-me de tecer outras considerações que não seja reforçar a ideia de que exercem cargos para os quais não foram eleitos, mas cuja ação coloca em causa o bem-estar, presente e futuro, dos povos da União Europeia.

Quanto ao narcisismo de Marcelo Rebelo de Sousa pouco há a acrescentar a não ser mais uns autorretratos (selfies) e, para nosso sossego antes isso que um monólogo de mais de dez minutos sobre o seu desmaio e o moscatel quente que o terá provocado. 

Madalena (Pico), 11 de julho de 2023 

Aníbal C. Pires, In Diário Insular, 12 de julho de 2023

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