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imagem retirada da internet |
A pequena Jénifer ficou sem esperar, conquanto fosse uma sonhadora, no centro das atenções. Nos Açores e, ainda que com menos impacto, pela capital deste triste país que continua a produzir pobres e emigrantes.
Houve quem gostasse e quem não gostasse do livro de Joel Neto que deu à estampa com o título: “Jénifer, ou a princesa de França – As ilhas (realmente) desconhecidas”; é o que normalmente acontece quando é lê um livro, se visita uma exposição de pintura ou fotografia, se visiona um filme, se assiste a um concerto, enfim é natural e não tem nada de estranho a diversidade de opiniões é saudável e contribui para enriquecer o debate público.
No caso de “Jénifer, ou a princesa de França – As ilhas (realmente) desconhecidas” as opiniões divergentes geraram alguma polémica no espaço público regional. Os contornos são conhecidos e, sobre eles, nada tenho a opinar.
Este texto não intenta, desde logo, alimentar qualquer polémica que é como quem diz atirar achas para a fogueira, já não tenho idade nem paciência para essas estéreis disputas e, por outro lado não pretende ser uma crítica literária, nem poderia, pois, não estou habilitado a fazê-lo. A leitura de “Jénifer, ou a princesa de França – As ilhas (realmente) desconhecidas”, aconteceu apenas por estes primeiros dias de setembro e não tendo sido estimulado pela controvérsia que gerou, não posso negar que essa foi, também, uma motivação, embora mais tarde ou mais cedo chegasse lá. Tenho uma longa lista de livros que aguardam a leitura e este ultrapassou alguns devido à polémica que a sua publicação gerou e que, sem dúvida, ajudou a popularizá-lo.
Pode gostar-se mais, ou menos, das construções literárias e das narrativas de Joel Neto, mas quem tem por hábito a leitura reconhece valor à sua estética e não lhe fica indiferente. Não li toda a obra do Joel, mas li todos os seus livros publicados desde que regressou aos Açores e, apesar do que politicamente nos separa, reconheço o seu valioso contributo para as letras açorianas, como, no passado, tive oportunidade de tornar público.
Li, reli, e fiquei sem compreender algumas das reações negativas ao livro. A estória é apenas a constatação de uma realidade que afeta um número considerável de açorianos, sem acusações diretas a esta ou àquela formação partidária, a este ou a outro governo regional, aliás o “pecado” do Joel, a existir, está ancorado nas generalizações, quando atribui aos políticos a responsabilidade por uma situação que nos envergonha e que a autonomia regional não resolveu. Nem todos os partidos e protagonistas políticos têm responsabilidade direta pelo retrato dramático, mas pouco conhecido, que o Joel Neto procura dar a conhecer, em forma de novela, e que tanto alvoroço provocou.
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A situação de pobreza, a exclusão, os bairros sociais que albergam os marginalizados que o poder político esconde do olhar da classe média e do postal ilustrado que vende o destino Açores. A iliteracia, o abandono escolar, a gravidez precoce, e nos últimos anos o crescimento exponencial de consumo e dependências de novos psicotrópicos, não são responsabilidade direta do atual governo, ainda que alguns dos seus membros sejam militantes e dirigentes de um dos partidos que governou os Açores durante 20 anos, por outro lado importa, se quisermos ter uma visão holística do problema, olhar para a história e para a origem ancestral da pobreza e da exclusão nos Açores. O modelo de povoamento, o anacrónico sistema da posse da terra, o fascismo português e, só depois para o regime autonómico que se tem mostrado incapaz de resolver esta, como outras questões estruturais da sociedade açoriana, como seja a excessiva sujeição externa da nossa economia e a insistência, historicamente errada, de promover apenas uma atividade económica em detrimento dos necessários equilíbrios dos diferentes setores da economia regional. Mas voltemos às responsabilidades na incapacidade, ou opção política consciente, do período autonómico. A responsabilidade, como já disse, não é do atual governo que está no poder há menos de três anos, embora considere que a Região ao fim deste ciclo político, que se espera e deseja curto, estará ainda mais pobre e com os indicadores sociais e económicos a afundarem. Não é com o assistencialismo e caridadezinha que se resolvem os graves problemas que nos afligem, não é derramando dinheiro público sobre o setor privado que a atividade económica do segundo setor se fortalece, aliás com a dimensão dos apoios ao setor privado é legítimo afirmar-se que: a Região é “acionista” da generalidade das empresas privadas regionais; deve ser por isso que os liberais e outros que tais se querem livrar do peso do setor público na economia.
Com a revolução de abril e a consagração do sistema autonómico os indicadores sociais e económicos nos Açores melhoraram consideravelmente, é indiscutível. Não vou comparar os dados do princípio da década 70 do século anterior, com os atuais indicadores sociais e económicos, hoje vive-se melhor, muito melhor, nos Açores. A evolução foi significativa nas áreas da saúde, da educação, das infraestruturas, das acessibilidades, de entre outras, mas estamos muito longe de se terem resolvido algumas das questões estruturais que caraterizam a sociedade açoriana.
Já referi que alguns dos atuais protagonistas do poder executivo pertencem a um partido que governou durante vinte anos, mas aquele que é hoje o maior partido da oposição fofinha governou vinte e quatro. É, por conseguinte, legítimo inferir que nestes quarenta e sete anos de autonomia constitucional a responsabilidade pela dramática situação social e económica de muitos milhares de açorianos vai por inteiro para o PSD e para o PS.
Não há uma varinha de condão para resolver, no curto tempo da governação do atual governo, os problemas que o retrato escrito Joel Neto expõe. As medidas para a resolução do problema, se é que se quer resolver, deveriam ter sido tomadas há muito.
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foto Aníbal C. Pires |
A narrativa de Joel Neto situa-se em 2020, quiçá prolongando-se para 2021, as alusões ao grave problema de saúde pública que, por essa altura, nos afetou permite ao leitor inferir essa conclusão, ou seja, a novela narra as vivências de uma comunidade marginalizada na fase de transição do último governo do PS para a híbrida solução do governo atual. Outros motivos, que desconheço por completo, poderão estar na origem da polémica à volta do livro e do seu autor, mas não encontro nas páginas de “Jénifer, ou a princesa de França – As ilhas (realmente) desconhecidas”, nenhuma razão que possa justificar, por si mesmo, a polémica que se instalou.
Ignorar e esconder a pobreza e a exclusão remetendo para as periferias as populações e afetar algumas migalhas do erário público, como se de esmolas se tratasse, não é solução. Não tenho soluções milagrosas, mas a intervenção multidisciplinar, a educação parental, a formação e a educação, o acesso ao trabalho com direitos (sem precariedade e com salários dignos), o fim da utilização indevida e generalizada dos “programas ocupacionais”, transformando-os no que realmente são: postos de trabalho efetivos; talvez se constituam como um bom princípio. É mais caro e, mais difícil viver nos Açores, os tais custos da insularidade que o discurso político abandonou, por isso foram criados complementos remuneratórios e apoios fiscais no princípio do século. Os custos do viver insular são permanentes, o que se esfumou foi o discurso político que sustentou a criação de apoios específicos que urgem em ser atualizados. Não é tudo, mas é uma prioridade.
Ponta Delgada, 05 de setembro de 2023
Aníbal C. Pires, In Diário Insular, 6 de setembro de 2023
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