sábado, 2 de dezembro de 2023

em dezembro com "O Barbilho"


Aníbal C. Pires (foto do arquivo pessoal)
A edição de dezembro de “O Barbilho”, boletim informativo da CDU Fundão, já está disponível. Podem aceder clicando aqui.

No âmbito das comemorações do cinquentenário de Abril, “O Barbilho” tem vindo a publicar algumas sugestões de fundanenses, ou ao Fundão ligado, sobre o que deveriam ser as celebrações no concelho, mas também alguns testemunhos das vivências pessoais.

Foi-me pedida colaboração e, naturalmente, anuí.

Esta publicação no blogue reproduz os dois pequenos textos que, a este propósito, enviei para “O Barbilho” e que constam da edição de dezembro.




Abril, do povo e para o povo

Cresci no Fundão e foi no Fundão que vivi o 25 de Abril de 1974, embora esteja ausente a cidade, que era vila, está no meu coração pois, foi à sombra da Gardunha, com a Estrela no horizonte, que cresci e vivi intensamente o tempo das utopias da juventude, mas também a utopia da revolução.


A comemoração formal em sessões solenes nos salões do poder não é, nunca será, a melhor forma de comemorar o 25 de Abril. Principiou por ser uma revolta militar, mas foi com o apoio popular que se construiu o projeto transformador que a Constituição de 1976 consagrou. As comemorações do cinquentenário devem estender-se ao longo do ano, em todas as freguesias, aldeias e lugares do concelho, envolvendo as populações e os agentes culturais locais. Cumpra-se Abril, do povo para o povo.


imagem retirada da internet




Amor em Abril

Quando me levantei e durante as rotinas que antecediam a minha ida para a Covilhã, onde frequentava o ensino secundário, notei que a emissão de rádio estava diferente. A música e o noticiário anunciavam uma inusitada quinta-feira. Alguma coisa inusual acontecia e, parecia bom.
Quando cheguei à estação dos caminhos de ferro do Fundão, sempre no limite horário, entrei de rompante na carruagem já em movimento e procurei os colegas que comigo faziam, diariamente, a viagem até à Covilhã. Já tínhamos percecionado que o país estava a viver um dia invulgar e, conquanto, não houvesse muita informação disponível adivinhava-se um país novo.

Não tínhamos consciência política, mas a consciência social já despontava em alguns de nós e as questões da pobreza, da estratificação social, da emigração e da guerra colonial eram assunto de apaixonadas discussões.
O dia foi-se enchendo de novidades e, uma estranha e inexplicável sensação de felicidade foi-nos invadindo. O dia escolar sofreu algumas alterações. Era necessário ir para a rua expressar apoio ao “movimento dos capitães”. E fomos. 
Ao fim da tarde regressei ao Fundão e subi em LIBERDADE a Avenida Salazar. Quando entrei em casa a minha mãe abraçou-me e chorou, como terão chorado de felicidade muitas outras mães nesse dia em que se anunciou o fim da guerra colonial, e disse-me: - Já não vais para a guerra filho. Enlaçado nos braços de minha mãe, chorei com ela.

Em 2008, ano da morte de minha mãe, escrevi um poema sobre este momento e que vos deixo como parte deste testemunho sobre o 25 de Abril.

amor em Abril

em Abril
as lágrimas
soltaram-se
dos teus olhos
rolaram pela tua face
o choro embargou-te a voz
mas o teu semblante
irradiava uma alegria incontida
abraçaste-me, Mãe
chorei contigo
a tua exultação prenunciava
que os teus receios, os teus medos
que cresciam comigo
findavam
naquele Abril

sabes, Mãe
nunca mais deixei
de celebrar o teu Amor em Abril
e... por Ti, Mãe
fiz-me um dos homens
que nunca
nunca deixarão
Abril morrer

In “O Outro Lado – palavras livres como o pensamento”, Aníbal C. Pires, Letras Lavadas, 2014

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