Se fiquei satisfeito, não. Se fui surpreendido, também não. Claro que se for olhando para os pormenores poderei encontrar alguns motivos de satisfação e algumas perplexidades, mas não são suficientes para contrariar a ideia geral que pouco, ou nada, vai mudar no rumo que a União Europeia tem vindo a trilhar.
O Partido Popular Europeu (PPE) e o Partido Socialista Europeu (PSE) continuam a ser as duas maiores famílias políticas do novo PE e, ainda que sem maioria dos assentos parlamentares, encontrarão nos Liberais, ou num outro parceiro de ocasião, o necessário apoio para dar continuidade às políticas de desvalorização do trabalho e dos trabalhadores, de concentração de riqueza, de escalada armamentista e belicista, com os inerentes custos sociais e económicos para os trabalhadores e povos dos países membros, mas também para o mundo. Nada de novo, nem de bom, se configura para o futuro próximo, ou seja, mais do mesmo. Nem mesmo o crescimento da extrema-direita, aquém do que foi projetado e alimentado, chega a ser motivo para tecer outras considerações, para além da que se segue: os tumores, mais tarde ou mais cedo, serão extirpados.
Os efeitos produzidos na política interna de cada um dos membros da União Europeia (UE) são diversos e sujeitos a leituras políticas, igualmente distintas, que produziram e irão produzir efeitos colaterais, uns mais catastróficos que outros. Se é verdade que a natureza dos atos eleitorais é diferente existem, contudo, efeitos presentes e futuros nas políticas internas dos Estados membros que resultaram ou resultarão diretamente dos resultados eleitorais para o PE, ainda que e como já referi, não se prevejam alterações ao rumo neoliberal que tem vindo a caraterizar as políticas internas dos Estados membros e da União Europeia. Rumo que só será invertido, mais tarde ou mais cedo, com a luta dos trabalhadores e dos povos.Não deixa, contudo, de ser interessante quando olhamos para os resultados de cada um dos Estados membros e tentar perceber as lógicas eleitorais que levaram às “vitórias” e “derrotas” de alguns agrupamentos políticos que atualmente exercem(ciam) o poder. As razões da derrota de Macron, em França, podem justificar a vitória de Meloni, em Itália, ou seja, ambos apoiam a escalada armamentista da EU, e não ajuízo sobre as escolhas dos franceses nem dos italianos, embora me preocupe. Quero com isto dizer que em relação às políticas internas e externas da União Europeia não são claras as diferenças entre Meloni e Macron, sendo que os dois comungam de ideais de direita, ainda que Meloni tenha a marca da extrema-direita e Macron, sendo-o, tem evitado essa distinção em grande parte devido a Marine Le Pen que assume e vocifera aos sete ventos que o é, retirando a Macron esse estatuto. Quer um quer outro foram subscrevendo as políticas da União Europeia da qual Ursula von der Leyen tem sido o rosto e almeja continuar a ser, ou quiçá, a assunção de um qualquer outro cargo de servente da política externa dos Estados Unidos ou do seu braço armado.
Não pretendo enfastiar os leitores com leituras país a país ou servir de mediador na leitura dos resultados eleitorais para o PE, mas sempre direi que, com uma ou outra exceção, a direita e a extrema-direita saiu, como era expetável, reforçada. Os efeitos desse aumento não vão contribuir para alterações substantivas, apesar dos discursos inflamados dos partidos populistas em campanha eleitoral pois, como todos compreendemos a “governação” da UE depende mais dos “arranjos” entre as maiores famílias políticas e os parceiros de ocasião, do que da intervenção dos deputados no PE.
O discurso oficial do PPE e do PSE denota alguma preocupação com o crescimento da extrema-direita, mas têm a sido as opções políticas destas duas famílias políticas que criaram as condições para o crescimento da extrema-direita nos países da UE e agora no aumento da sua representação no PE. As preocupações que o PPE e o PSE perante este fenómeno são um exercício de hipocrisia e de desculpabilização pelas responsabilidades que lhe podem ser imputadas, ao longo de dezenas de anos, pela desestabilização e promoção de conflitos bélicos (Líbia, Iraque, Síria, Ucrânia de entre outros), a queda dos pilares fundacionais deste projeto social e económico ao qual se pode juntar a gradual perda de soberania dos estados-membros e a sempre anunciada, mas inatingível coesão social e económica.
A deriva neoliberal que os governos dos estados-membros liderados por partidos ditos populares, sociais democratas e “socialistas” e a sua sujeição aos interesses dos Estados Unidos, a permeabilidade da governação da UE aos grandes grupos económicos e financeiros apátridas e uma incompreensível, ou não, sujeição aos interesses dos Estados Unidos escancararam as portas à extrema-direita neofascista, ou seja, à penetração dos discursos nacionalistas, de intolerância e de culpabilização do outro que alimentam as frases curtas e repetitivas tão características dos partidos populistas e neofascistas.
A UE tem vindo a abandonar a ideia de um espaço de liberdade, igualdade e cooperação, eu diria, que as atuais proclamações e atuação das diferentes instâncias políticas da EU escalam uma crescente restrição das liberdades e dos direitos sociais e laborais, mas também direitos políticos e culturais. As operações de falsificação da história impõem o pensamento único e difundem conceções fascizantes através dos meios propagandísticos oficiais, promovendo conceitos racistas xenófobos, chauvinistas e discriminatórios, ou seja, coloca em causa o princípio da igualdade consagrado nas cartas dos direitos humanos.
A pandemia, a inflação, a guerra e as sanções têm justificado um acentuado aumento das desigualdades e da injustiça social, seja pela desvalorização do trabalho (desemprego, precariedade e baixos salários), seja pelo aumento da inflação e das taxas de juro.
As opções políticas da UE provocam a acumulação e concentração da riqueza sendo que os principais beneficiários têm sido os grupos financeiros, farmacêuticos, de armamento, de energia, do agro-negócio e da grande distribuição.
Os efeitos destas opções políticas manifestaram-se de forma diferente nos estados-membros, mas todos sentiram o peso da inflação, o aumento dos custos da energia e os ataques aos direitos sociais e laborais.
Existem bastas razões para os cidadãos estarem descontentes com os seus governos e com a UE, a forma como manifestaram esse desagrado ou apoio foi diversa, o que não me surpreendeu, como referi anteriormente, mas também não me deixou satisfeito pois, o novo quadro parlamentar não vai inverter o rumo de empobrecimento dos cidadãos da UE.
Ponta Delgada, 11 de junho de 2024
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