sábado, 13 de julho de 2024

notas da época estival

foto de Aníbal C. Pires
Os assuntos do momento, para além das temperaturas do ar e do mar, da humidade relativa, dos dias mais ou menos ensolarados, das festas, que divertem, mas também matam, centram-se, ainda, na participação da seleção portuguesa no europeu de futebol, em particular se o Cristiano Ronaldo deveria ter sido, ou não, selecionado e a opção pela sua utilização a tempo inteiro, incluindo os períodos suplementares nos dois últimos jogos, os resultados da eleições inglesas e francesas e o circo eleitoral nos Estados Unidos, o relatório sobre o incêndio do HDES, a nomeação de um novo presidente para o Conselho de Administração da SATA e a criação de um Conselho Estratégico, este último por encomenda expressa nos jornais da Região e, ainda e sempre, o turismo: a atual galinha dos ovos de ouro, como já houve outras, cujos ciclos de postura que, naturalmente, chegam ao fim.

Temas não faltam a quem, como eu, vai partilhando opinião e, tentando promover reflexão, no espaço público regional. Apesar da proliferação de assuntos, todos eles interessantes e alguns de grande importância para o nosso bem-estar comum, julgo que dos que enunciei e de todos os que ficaram por referir, igualmente relevantes, vou apenas fazer tecer algumas considerações sobre o europeu de futebol e, quiçá sobre os resultados eleitorais no Reino Unido e em França, mas também do circo eleitoral estado-unidense. 

Comprometo-me, desde já, a fazer um esforço acrescido no controle do correr da pena, embora, de tanto contrariar os impulsos naturais esteja há algum tempo com uma incómoda tendinite que dificulta, ainda mais, o livre exercício da escrita ou, melhor dizendo: vou ter em devida conta os condicionalismos da época estival que aconselham temas e refeições ligeiras e a devida manutenção do estado de hidratação, aconselhado em todas as épocas do ano para não me sujeitar às consequências que daí podem advir.

foto retirada da internet

Acompanho o fenómeno futebolístico à distância. As razões que me afastam do futebol relacionam-se com o facto de se praticar pouco desporto e se comentar em demasia, mas também por este “desporto” ser cada vez mais espetáculo e cada vez menos desporto e ser cada vez mais uma indústria financeira, por vezes, com contornos pouco claros. Como não acompanho com proximidade é-me difícil qualquer comentário que não vá além do óbvio, ainda que possa ir contra a corrente dominante dos muitos entendidos que têm vindo a público opinar sobre as opções do selecionador nacional, em particular, sobre a utilização de Cristiano Ronaldo. Não tenho como contrariar a opção de Martinez pois, ele é que conhece jogadores e o seu potencial físico e técnico, por outro lado, e isto é um facto não é uma opinião Cristiano Ronaldo na época de 2023/2024 fez todos os jogos da sua equipa, o Al-Nassr da Arábia Saudita e marcou mais de 50 golos, o que dá uma média superior a um golo por jogo disputado. Destes factos resulta que, em minha opinião, não existem motivos plausíveis, apesar dos 39 anos de Cristiano Ronaldo, para que a opção do selecionador não fosse a de aproveitar o facto de no plantel ter um jogador com as caraterísticas do madeirense que tantas alegrias deu aos adeptos portugueses.

As discussões em torno do assunto têm sido apaixonadas e para todos os gostos, não vale a pena, sequer, tentar rebater as alegações mesmo considerando que muitas das opiniões não estão devidamente fundamentadas, resultam das emoções do momento e não têm sustentação. Há, no entanto, um argumento sobre o qual valerá a pena alguma reflexão e que se corresponder, no todo ou em parte, à razão pela qual Cristiano Ronaldo fez parte da seleção e jogou todos os jogos deveria ser esclarecida. Li algures por aí que a presença de Ronaldo na seleção portuguesa e a sua participação integral em todos os jogos se deve aos valores contratuais e, consequentes, receitas astronómicas que a Federação Portuguesa de Futebol arrecada devido à presença do CR7. Esta “teoria” faz algum sentido face à imagem mundial do capitão da seleção portuguesa, afinal nenhum outro jogador, no mundo, tem a projeção de Cristiano. Se isto tem alguma coisa a ver com desporto, Não. Se o futebol profissional deixou, há muito, de ser uma competição desportiva para se transformar num enorme conglomerado financeiro, não é novidade. Esta foi uma das razões que me levou a afastar do futebol e a fazer afirmações como a que abriu este tema e da qual o leitor ainda estará recordado.

Da eliminação de Portugal pela França procurei encontrar algo de positivo e encontrei. Marine Le Pen, durante o período que antecedeu a segunda volta das eleições francesas, afirmou que não se revia nesta seleção francesa, os eleitores e jogadores franceses deram-lhe uma resposta que, estou certo, lhe provocou muita azia e amargos de boca. Não posso deixar de dizer que fiquei satisfeito, não com a derrota de Portugal, mas com a vitória da esquerda nas eleições francesas.

Sobre as eleições em França muito mais poderá ser dito, mas fico-me apenas pela azia da senhora Marine Le Pen, o que me parece suficiente. 

Os resultados das eleições no Reino Unido também foram interessantes, os trabalhistas (uma espécie de PSD/PS na versão britânica) obtiveram uma vitória esmagadora (412 deputados eleitos) sobre os conservadores (121 deputados eleitos) que exerceram o poder durante os últimos catorze anos, sendo que há muito tinham perdido a legitimidade democrática, ou seja, desde a demissão de Boris Johnson que os conservadores se mantiveram no poder sem terem sido sujeitos ao veredito popular, mas como se trata de um dos “faróis da democracia” ninguém colocou em causa este facto.

Numa abordagem superficial aos resultados eleitorais no Reino Unido e em França poderá afirmar-se que se verifica uma tendência que contraria a ascensão da extrema-direita, o que significa que as lutas destes povos tiveram alguma tradução eleitoral, mas não significa, de todo, uma alteração substantiva das políticas internas e externas destes dois países, embora em França, se vier a concretizar-se um governo da Frente Popular, as alterações que vierem daí a advir poderão contribuir para inverter o rumo neoliberal e belicista que caraterizou a política interna e externa francesa nos últimos anos. Os resultados eleitorais não conferiram maioria absoluta à Frente Popular e a solução governativa está por definir. Resta-nos, pois, aguardar pela constituição do novo governo francês ou, não havendo entendimentos, por um novo ato eleitoral.

Por fim uma ou duas considerações sobre o circo eleitoral nos Estados Unidos que se centra apenas em dois de vários candidatos. É sabido que as possibilidades dos candidatos fora da esfera dos republicanos e dos democratas serem eleitos é quase nula. A arquitetura eleitoral e o financiamento dos candidatos são, apenas, duas das variáveis que inviabilizam que qualquer outro candidato possa chegar à Casa Branca, mas seria interessante que a comunicação social nos desse conta da sua existência o que valorizaria o debate político e, por outro lado evitava o triste espetáculo dos debates entre dois ineptos que, pensando o mesmo, se digladiam com insultos e conteúdos acessórios.

Ponta Delgada, 9 de julho de 2024 

Aníbal C. Pires, In Diário Insular, 10 de julho de 2024

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