segunda-feira, 29 de setembro de 2025

economia circular ou o círculo imperfeito

imagem retirada da internet
Chamam-lhe economia circular, como se a palavra encerrasse um feitiço antigo: o ciclo sem fim, o retorno eterno, a promessa de que nada se perde. Um círculo perfeito onde o consumo se purifica e os excessos se redimem pela reciclagem, pela reparação, pela reutilização.

Mas a realidade não é tão redonda. Há sempre perdas, há sempre sobras, há sempre cicatrizes escondidas. Na fundição de metais raros, no lixo tóxico das tecnologias verdes, nos corpos invisíveis que trabalham nas minas e nos aterros. O círculo, afinal, tem algumas arestas, e fere.

A narrativa da circularidade é um dos mitos convenientes. É um consolo para continuar a produzir e a consumir sem pôr em causa o essencial: a lógica do crescimento sem limites. Reciclar tornou-se indulgência, selo de consciência tranquila, mas que pouco altera a voracidade do sistema.

Há, contudo, na chamada economia circular algumas sementes de verdade. Prolongar a mais vida aos objetos, ou transformá-los é uma boa prática e abre algumas clareiras no modelo dominante se ousarmos ver a circularidade não como um ritual de purificação, mas sim como uma prática de contenção no consumo.

A economia circular nasceu como promessa de contenção: menos consumo, mais reparação, reutilização e partilha. Mas depressa o capital a transformou em negócio. O que antes era gesto comunitário, remendar, trocar, reaproveitar, tornou-se num serviço pago, certificado e rentável. Desta forma o círculo não se fecha, pois, ao invés em vez de pôr em causa o excesso, abre-se um novo mercado, onde até a reciclagem se vende como mercadoria. O risco é por demais evidente, a circularidade deixa de ser alternativa ao modelo de crescimento e converte-se na sua nova face, polida, verde e lucrativa.

A economia circular não é, por si só, a salvação pode, porém, ajudar-nos a desenhar um caminho menos devastador. Para caminhar para a utopia anunciada com a economia circular é necessário quebrar alguns mitos, desde logo, que a transição para modelos de desenvolvimento sustentáveis não é apenas tecnológica ou de consciencialização individual, a transição terá de ser coletiva e, como tal, civilizacional.


Aníbal C. Pires, Ponta Delgada, 29 de setembro de 2025


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