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Seria importante clarificar o conceito de democracia, mas vou focar-me, apenas, nos modelos que vigoram na maioria dos países ditos democráticos, ou seja, nos modelos de democracia representativa e liberal e, em particular nos Estados Unidos da América (EUA) e na União Europeia (UE).
Existem diferenças na arquitetura dos diferentes estados que integram estes dois espaços. Monarquias e repúblicas, regimes presidencialistas e semipresidencialistas, leis eleitorais assentes no voto universal e em votos colegiais, uma maior ou menor separação de poderes, e, se é verdade que estas diferenças, com maior ou menor visibilidade, conferem aos diferentes estados ou federações de estados particularidades que as podem distinguir, todas elas estão ancoradas na representação e, todas elas, têm vindo, diga-se com algum sucesso, a afastar as organizações sociais e laborais da participação nas decisões políticas que conformam a vida dos seus cidadãos, isto é, a participação cidadã tem vindo a ser cerceada, ou então, manipulada por via de organizações e movimentos permeáveis a agendas financiadas pelos mesmos agentes que, com maior ou menor visibilidade, suportam as organizações partidárias que, até agora, detêm o poder nos EUA e na UE.
A erosão democrática manifesta-se sobretudo na captura institucional pelo poder económico e financeiro apátrida.
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A liberdade de escolha, tantas vezes invocada, perde consistência quando o leque de opções políticas disponíveis se limita a gerir os mesmos consensos neoliberais. A democracia reduz-se, assim, ao ritual do voto, enquanto as decisões estruturais, como a política económica, a regulação digital, a energia, a segurança e os pilares do Estado Social são condicionadas por centros de poder externos à soberania popular.
A abstenção crescente nas eleições é um reflexo direto dessa perceção de inutilidade: votar para quê? se tudo fica na mesma. Mas os efeitos da erosão democrática e do descontentamento dos cidadãos, a par de uma cultura de estupidificação, abre portas largas ao discurso populista para o qual há uma grande permeabilidade que veio a ser construída nas últimas décadas.
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Em Portugal não é diferente. O país vive amarrado a uma dependência estrutural de Bruxelas e de Washington, onde se definem políticas económicas, financeiras, energéticas e militares que os órgãos de poder nacionais acolhem acriticamente. O espaço público está cada vez mais condicionado por interesses económicos concentrados, visíveis na comunicação social e no financiamento partidário, com a já referida exceção. O resultado é uma cidadania desmobilizada e fragilizada resumida aos atos eleitorais, ao mero consumo passivo de discursos prontos-a-servir e ao regurgitar de opiniões, sem base que as fundamente, nas chamadas redes sociais.
A erosão democrática não aconteceu nos últimos anos, é um processo gradual que tem vindo a ser construído ao longo de décadas, diria que a partir de 1947, e que se acentuou a partir da implosão da União Soviética. Deixo apenas um exemplo de uma conhecida iniciativa, que perdurou alguns anos (1966 a 1979), da manipulação e do condicionamento do pensamento: o Congress for Cultural Freedom. Outros exemplos existem e mantêm-se assumindo variadas formas, mas tendo sempre os mesmos objetivos de domínio e imposição de um modelo único de pensamento e de padronização dos hábitos de consumo.
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Não basta, portanto, denunciar a influência dos oligopólios ou a manipulação algorítmica. Há que reconhecer que a fragilização democrática tem sido acompanhada por um processo deliberado de estupidificação social. Reduzidos a consumidores de slogans e de entretenimento, os cidadãos foram progressivamente afastados do exercício crítico da política e, assim, tornaram-se terreno fértil para discursos simplistas e messiânicos. O populismo não surge do nada, o populismo alimenta-se do vazio deixado por quem deveria ter defendido a justiça social e a participação cidadã.
E sim! Estou a referir-me à responsabilidade histórica dos partidos socialistas e sociais-democratas europeus que, ao abandonarem a matriz social que os legitimava, se transformaram em gestores dóceis do consenso neoliberal, mas também aos partidos comunistas que enveredaram pela via do eurocomunismo, seja lá o que isso for, e se afundaram eleitoralmente, mas também na perda da influência social e sindical que tinham. O descontentamento popular, que deveria encontrar resposta em alternativas de esquerda consequentes, com a exceção já referida do PCP, é hoje manipulado por forças que usam as mesmas técnicas de marketing político e de comunicação emocional dos populistas de direita e extrema-direita.
Se em relação aos Estados Unidos existe um amplo consenso sobre a imbecilidade que carateriza o seu atual presidente, é bom que olhemos com o mesmo olhar crítico para os dirigentes da EU, como por exemplo Kaja Kallas e Ursula von der Leyen, e de alguns dirigentes dos seus Estados, Macron, Merz e Stubb, de entre outros, para nos consciencializarmos de que tudo isto não acontece por acaso e a mediocridade que promove o caos estado-unidense e a decadência das instituições da UE têm a mesma origem, ou seja, resultam do esvaziamento da democracia e da ilusão de liberdade, como se alguém que não tem onde viver ou pão para colocar na mesa, fosse livre.
A democracia só poderá sobreviver se recuperar o seu conteúdo social e popular, se deixar de ser mera formalidade institucional para voltar a ser projeto coletivo. Caso contrário continuaremos a caminhar alegremente para o abismo.
Ponta Delgada, 16 de setembro de 2025




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