Diz-se: “Portugal virou à direita!” Não acho. As eleições de 5 de Junho não alteraram o rumo político do país, continuamos como estamos há muito: à direita.
Os resultados eleitorais apenas nos dão conta da já esperada mudança de protagonista. A dúvida, se é que havia alguma, era saber se o protagonista tinha de dividir as pastas ministeriais com aquele senhor que conseguiu passar incólume de responsabilidades e sobre o qual parece haver assim, como uma espécie de amnésia colectiva sobre os efeitos das suas efémeras passagens pelo poder.
A surpresa - Sim, acabei por ser surpreendido! -, foi a elevada abstenção com que os eleitores uma vez mais brindaram o seu país e, se é certo que também corresponde a uma manifestação de vontade ou até, com algum esforço e compreensão, a uma atitude política, a verdade é que face à grave situação de crise que Portugal está a viver esperava mais participação dos cidadãos.
Era um desejo meu, certamente que sim e, por se constituir como uma ambição minha que não vi concretizada, talvez por isso, surpreendeu-me uma vez mais esta demissão do povo português.
Passados que são mais de 24 horas sobre os resultados eleitorais e depois de os digerir calmamente procuro entender todos os indicadores que deles resultam.
O que mais me preocupa, talvez porque tenha criado uma falsa expectativa, é o aumento da abstenção quando tudo levava a crer que este perverso fenómeno enquistado na democracia portuguesa iria diminuir. A expectativa foi construída com o que fui ouvindo na rua durante a campanha eleitoral e com os movimentos de apelo à participação eleitoral que proliferaram nas redes sociais.
Sendo certo que estes são indicadores carregados de subjectividade e que o descrédito e o desânimo também se verificavam em doses maciças, ainda assim, algo era distinto de outros momentos pré-eleitorais e tudo levava a crer que desta vez seria diferente no que à abstenção diz respeito, porque quanto aos resultados eleitorais a minha previsão, não andava muito longe do que na realidade veio a acontecer, o que não é de todo coincidente com o que eu gostaria que tivesse acontecido. Mas essa ambição num resultado eleitoral de ruptura, que mantenho por inteiro, essa ambição, dizia, tinha eu consciência que não era atingível neste contexto político, social e económico. O mesmo não direi, como já disse, da minha expectativa num esperado aumento da ida às urnas.
E sou levado a dizer que sim. Estou convictamente convencido que houve muitos novos eleitores, poderá ser apenas mais uma representação, mas só assim é possível compreender os resultados eleitorais obtidos pelos diferentes partidos e coligações que se submeteram a sufrágio.
Tenho cá para mim que a abstenção desta vez poderia ter diminuído, não fora o facto de tradicionais e convictos eleitores terem penalizado o(s) partido(s) a quem habitualmente dão apoio eleitoral abstendo-se, ao invés de terem procurado alternativas de voto e de projectos políticos.
A abstenção responsabiliza os agentes políticos mas não deixa de ser, em si mesma, um acto de profunda irresponsabilidade individual que penaliza a vida colectiva. Mas se a abstenção é da responsabilidade dos agentes políticos e da inércia dos cidadãos, não deixa de haver outros factores, nada despicientes, que contribuem para a acomodação dos eleitores e alguns deles são: a construção mediática da bipolarização; a antecipação mediática dos resultados; e, no contexto actual, a ingerência externa que condicionou a vontade e a consciência dos cidadãos e levou a que muitos eleitores tivessem optado por não ir votar.
As vozes a favor do voto obrigatório vão de novo levantar-se para dar uma “mãozinha” à democracia. Não sou adepto de tal medida e julgo que se a democracia funcionar sem alguns destes perversos condicionantes não precisa, neste nem noutros casos, de “mãozinhas” para funcionar como um poder, verdadeiramente, popular.
Horta, 06 de Junho de 2011
Aníbal C. Pires, In Diário Insular, 08 de Junho de 2011, Angra do Heroísmo
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