O debate em torno da autonomia é, não só actual, como premente. Tenho vindo a afirmar que uma aparente decorrência da crise está a constituir-se numa ofensiva, sem precedentes, ao adquirido autonómico. E esta afirmação não é gratuita, bastaria como exemplo o que até hoje já era do domínio público e que passo a recordar: i) a imposição da redução da diferenciação fiscal e, a consequente, alteração à Lei da Finanças Regionais (LFR) imposta pela troika; ii) a redução da emissão e produção da RTP Açores para 4h diárias; iii) a afectação das receitas ao Orçamento de Estado (OE) do imposto extraordinário sobre o subsídio de Natal de 201, receita que, por direito próprio, cabe à Região, isto fazendo fé que vivemos, ainda, num estado de direito. Estes 3 exemplos a par do contínuo desinvestimento dos serviços do Estado na Região sinalizam, de forma preocupante, que a autonomia deixou de ser encarada como um projecto político nacional.
Com a apresentação do OE para 2012 se dúvidas restavam elas ficam completamente esclarecidas quanto à natureza centralista do governo do PSD/CDS e do profundo desrespeito pela Constituição, pelo Estatuto e pela LFR, diria mesmo que o PSD e o CDS/PP estão a protagonizar um autêntico golpe de estado.
Neste contexto e quando alguns dirigentes do PS Açores e do governo regional mostram satisfação pelo valor, segundo os próprios, sem significado da diminuição das transferências do OE para a região, não posso deixar de afirmar que o PS está a ser cúmplice do PSD e do CDS/PP nesta ofensiva à autonomia, como está a ser cúmplice na destruição do País.
Do OE para 2012 constam, para além da redução das transferências, normas que são tão ou mais graves que a ultrapassagem da LFR por via do “memorando de entendimento”. Vejamos: art. 7.º, ponto 3 (…) podem, em situações excepcionais e transitórias, ser estabelecidos, por lei, limites à prática de actos, pelos órgãos próprios das Regiões Autónomas, que determinem assunção de encargos financeiros (…), depois enumera em 3 alíneas os actos que podem ser alvo de limites. Bem, se isto não é um ataque à autonomia e ao estado de direito então não sei o que será.
Mas o OE, no que concerne às autonomias, vai mais longe quando introduz (art.º 202) uma norma interpretativa que deduz, a participação variável de 5% no IRS a favor das autarquias locais das Regiões Autónomas, à receita cobrada na respectiva Região Autónoma, devendo o Estado proceder directamente à sua entrega às autarquias locais. Norma interpretativa!? Mas desde quando é que uma norma interpretativa se sobrepõe a leis de valor reforçado como seja a LFR.
Não posso, antes de terminar, deixar de salientar os contornos de terrorismo político e social das brutais medidas anunciadas recentemente e, sobre as quais o povo português em nenhum momento foi chamado a pronunciar-se.
Os cidadãos votaram, nas últimas eleições legislativas, com o pressuposto de que não haveria mais sacrifícios dos que os já anunciados nessa altura. O PSD e o CDS/PP mentiram aos portugueses! E, como tal, não têm qualquer legitimidade para impor os sacrifícios que pretendem. Ao fazê-lo, subvertem a natureza do sistema representativo, desvirtuam o alcance do seu mandato e prostituem a democracia colocando-se ao serviço da especulação financeira internacional.
Horta, 17 de outubro de 2011
Aníbal C. Pires, In Diário Insular, 19 de outubro de 2011, Angra do Heroísmo
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