quarta-feira, 7 de novembro de 2012

O "gene" da pobreza


Neste texto trago à reflexão um tema que tem sido profusamente objeto de estudos e de campanhas de esclarecimento. Mas, porque em minha opinião, o preconceito e a discriminação continuam a constituir verdadeiras ameaças ao bem-estar e ao desenvolvimento humano, penso que terão alguma utilidade as notas que em seguida deixo à vossa consideração.
As agências noticiosas dão-nos conta diariamente de graves questões sociais relacionadas com atitudes individuais e coletivas, cuja origem é motivada pelo preconceito e pela discriminação. Por outro lado, a história passada e recente é igualmente rica em factos que hoje reconhecemos como crimes contra a humanidade e que tiveram a sua génese em construções sociais fundamentadas em atitudes preconceituosas, que provocaram comportamentos discriminatórios. A escravatura, a inquisição, o antissemitismo, a eugenia ou o sexismo e, mais recentemente, o idadismo são alguns dos muitos exemplos que tristemente ilustram os resultados do preconceito e da discriminação.
O preconceito, segundo a psicologia social, é uma categoria particular de atitude e pode ser definido como, “... atitude favorável ou desfavorável em relação a membros de algum grupo baseada sobretudo no facto da pertença a esse grupo e não necessariamente em características particulares de membros individuais.” Ou ainda como, “...uma generalização errada de uma categorização de um grupo (estereótipo) para um membro individual do grupo, independentemente quer da veracidade do estereótipo do grupo, quer da aplicabilidade da caracterização do estereótipo do grupo ao indivíduo em questão.”  
O preconceito surge, portanto, se um sujeito é avaliado tendo em conta a sua pertença a um grupo particular e não tanto por traços ou características individuais. 
Enquanto categoria particular de atitude o preconceito tem para além das componentes afetiva e cognitiva, uma componente comportamental que se refere às formas como agimos em relação aos grupos alvo de preconceitos. Quando as intenções se concretizam em ações estamos perante discriminação.
A discriminação é, por consequência, a manifestação comportamental do preconceito.
A discriminação ocorre quando membros de grupos particulares são tratados de modo positivo ou negativo por causa da sua pertença a determinado grupo.
Os comportamentos discriminatórios podem manifestar-se a diferentes níveis que vão desde o evitamento, à exclusão (emprego, ensino, alojamento, etc.), ou, levado ao extremo, a manifestações violentas sobre os alvos do preconceito.
Os preconceitos, independentemente da sua índole, são construções sociais que refletem os contextos sociais, históricos e económicos da sociedade e de que certos grupos humanos se servem para instaurar ou expandir o seu domínio sobre outros grupos.
É neste âmbito que nalguns meios científicos se desenvolveram novas teorias racistas, já não baseadas nas diferenças morfológicas e culturais, mas assentes na diferenciação da realização económica dos cidadãos, individualmente considerados, e de diferentes grupos humanos. 
Os “sem terra”, os “sem emprego”, os “pobres”, produto das políticas neoliberais e da globalização que caracterizaram economia mundial nas últimas décadas são, na opinião de alguns autores como, Hernstein e Murray, as novas “raças inferiores”, possuidoras do “gene da pobreza”.
Os autores defendem a teoria no seu livro, The Bell Curve, que as diferenças raciais e de classe são causadas por fatores genéticos, ou seja, as pessoas são pobres por causa das suas características genéticas. Assim, segundo estes cientistas, os brancos pobres ou os afro-americanos partilhariam características genéticas inferiores.
A busca de suporte “científico” para a explicação do fracasso do paradigma económico neoliberal não é mais que uma repetição histórica, que tem como objetivo perpetuar um modelo de pensamento que assenta na superioridade de um grupo humano sobre outro.
Esta é a velhíssima modernidade que diariamente nos servem os grandes meios de comunicação social – sempre ao serviço do “dono”, claro está – e com que se pretende justificar diferenças entre os que têm e os que queriam ter, entre o Norte e o Sul. Agora já não no Mundo mas na Europa, dividida outra vez por uma muralha, uma nova cortina de ferro de preconceito, separando ricos e pobres.
Horta, 05 de novembro de 2012

Aníbal C. Pires, In Diário Insular, 07 de novembro de 2012, Angra do Heroísmo

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