segunda-feira, 12 de novembro de 2012

Os arautos da desgraça


Não deixa de ser interessante constatar como a narrativa política tem vindo a evoluir quando se fala de crise e das políticas de austeridade.
À unanimidade inicial, quanto à necessidade absoluta do resgate e dos seus termos, até às medidas além troika, foi sucedendo a rutura e a dissidência das bem pagas vozes que pululam nos palcos do comentário das televisões nacionais. Também alguns dirigentes e ex-dirigentes do PSD e do CDS/PP fizeram ouvir as suas opiniões dissonantes com o radicalismo do governo dos seus partidos, sem consequência é certo mas, ainda assim, sempre disseram que não. Tanta austeridade não. E, segundo eles, talvez seja tempo de renegociar os juros e prazos da dívida.
Mas a evolução da narrativa nem sempre é de crítica e afastamento quanto à “receita”. Por exemplo Fernando Ulrich, presidente do BPI, fez a pergunta: Portugal aguenta mais austeridade? Não esperou pela resposta de ninguém, ele mesmo respondeu: Ai aguenta, aguenta!
Também a presidente do Banco Alimentar Contra a Fome, a curadora dos pobres, veio a terreiro verbalizar a necessidade de empobrecimento da sociedade portuguesa.
Fernando Ulrich e Isabel Jonet alimentam-se na crise é, por isso, natural que o primeiro defenda a intervenção do FMI e as políticas de austeridade que se abatem sobre o povo português, só o banco a que preside arrecadou 1200 milhões de euros, do resgate do país, para recapitalização. Quanto a Isabel Jonet, só tem trabalho, porque existem pobres. Está claro que, não será esta personalidade cuja atividade profissional depende da existência de pobres que quererá ver reduzida a pobreza e a exclusão em Portugal e na Europa, até por que, se isso viesse a acontecer estaria em perigo o seu próprio posto de trabalho, o que seria mais um drama nacional.

A “bola de Berlim”, de seu nome próprio Angela, vem passar umas horas a Lisboa para anunciar que Portugal não tem necessidade de renegociar com a troika as condições do resgate, porventura porque se prepara já uma segunda versão. Enfim! Nada de novo, é o discurso conhecido da ilustre senhora para os países periféricos do Sul da Europa. Mais e mais austeridade. 
Em Berlim o discurso é bem diferente. Aos alemães, a chanceler diz que é necessário aumentar a procura interna e que isso só é possível com a diminuição dos impostos e com o aumento dos salários. Pois!
Com o aprofundamento da discussão sobre a situação social, política, económica e financeira do país e, sobretudo, sobre as condições do resgate vai-se generalizando a ideia que a terapia indicada vai, a breve trecho, conduzir-nos para um estado terminal.
Dos 78 000 milhões de euros do resgate, 34 400 milhões são para suportar taxas e juros da “ajuda”, 12 000 milhões para a recapitalização da banca nacional (o banco do Ulrich levou 10% deste valor). Não houvesse necessidade de pagar juros da dívida e em 2012 não haveria défice. O FEEF (ou troika) financia-se nos mercados a taxas negativas e depois impõe, na “ajuda” aos países europeus, taxas e juros de usurário. Se isto não é o melhor negócio do planeta! Então não sei o que será um bom negócio.
E quem é que paga? O povo pá! Diminuem-se os salários e aumentam-se os impostos. Refunda-se o Estado e, já está.
Claro que a chanceler alemã prevendo que os habituais clientes vão deixar de lhe comprar submarinos e outros produtos afins preocupa-se, e faz bem em preocupar-se com o aumento da procura interna no seu país. Quanto os bancos alemães e sociedades afins, a chanceler, não tem com que se preocupar pois, por cá, há quem lhe continue a assegurar o pagamento da usura.
Ponta Delgada, 11 de novembro de 2012

Aníbal C. Pires, In Jornal Diário, 12 de novembro de 2012, Ponta Delgada

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