Foto - João Pires |
A inconstância das condições atmosféricas nos Açores é, para quem aqui vive, uma bênção. Temos chuva em todas as estações do ano, o verde permanece todos os dias, temos Sol e temperaturas amenas, no ar e no mar, em todas as estações do ano. Para nosso contentamento o bom e o mau tempo alternam ao ritmo das dinâmicas atmosféricas do Atlântico.
Se para nós, que aqui vivemos, esta versatilidade meteorológica a que estamos habituados mas que, sobretudo, sabemos gerir sem que “o aperto desta bruma que às vezes nos quer vencer” nos perturbe. Todos sabemos que depois de uma manhã chuvosa virá o Sol a iluminar o fim da tarde, depois da agitação marítima, que deixa os pescadores em terra, virá a acalmia e o regresso à faina, depois das densas neblinas que escondem os picos e as lagoas que habitam o mais íntimo das crateras virá a brisa que as dissipa. É o equilíbrio da natureza a funcionar. Se para nós que aqui vivemos é assim, não será para quem nos procura e visita no período de férias. Os Açores não são um destino de Sol e praias de areia dourada. Os Açores são um destino ambiental (em terra e no mar) de excelência, somos um destino procurado pela nossa singularidade. É na nossa singularidade que reside todo o potencial turístico da Região. Vulgarizar o destino irá, a prazo, colocar graves problemas de sustentabilidade para o setor.
A geografia e o clima faz destas ilhas um lugar diferente, um lugar único. Diferente mesmo de outras ilhas com as quais partilhamos semelhanças e proximidade. Madeira e Porto Santo, as ilhas Canárias e as ilhas de Cabo Verde. As ilhas da Macaronésia. Com estas ilhas partilhamos o mesmo oceano e algumas espécies de flora, pouco mais para além da história que em tempos foi comum e a importância que todas elas tiveram, e têm, como plataformas naturais entre as margens do Atlântico.
E porque os Açores são diferentes, são únicos, a importação linear de modelos estará sempre condenada ao fracasso. Sejam modelos económicos, ou de organização política e administrativa, sejam modelos de transportes, de turismo, industriais ou agrícolas. O que é diferente não pode nem deve ser tratado por igual. As políticas comuns que emanam da União Europeia, naturalmente desenhadas para espaços contínuos e com grande dimensão territorial e populacional dificilmente terão sucesso numa região insular como as caraterísticas das ilhas açorianas.
Hoje está um fim de tarde radioso, não sei como estará lá mais para o anoitecer quando chegar o voo S4 129 da SATA Internacional, mas os oficiais de operação de voo que o vão despachar e, os tripulantes que o vão realizar sabem, sabem quais as condições meteorológicas que vão encontrar em rota e à chegada a Ponta Delgada. E mesmo que se abatam densas neblinas sobre o aeroporto João Paulo II, que os ventos se levantem em Santa Maria e na Terceira e impossibilitem as operações aéreas e que o aeroporto alternante seja o Porto Santo, ou mesmo Lisboa (regresso à origem), a aeronave descola e ruma aos Açores, em segurança, mas com incerteza. Incerteza se à chegada a visibilidade lhe permitirá a aterragem. Mas vem, a SATA Internacional vem, Vem porque é uma empresa pública açoriana, vem mesmo sabendo que o destino final pode ser o Porto Santo, ou Lisboa, e que aquela viagem pode resultar num encargo acrescido para a companhia, vem porque a SATA existe para servir os Açores e o seu Povo. Mesmo considerando as críticas legítimas que se podem fazer à transportadora aérea açoriana, porque há por aí muitas outras que visivelmente são instrumentalizadas, nenhuma companhia de transportes aéreos servirá melhor os Açores e os açorianos que a SATA. E, a talhe de foice, direi que considero politicamente ridículo que o maior partido da oposição tenha vindo a público congratular-se com um anúncio feito pelo CEO de uma companhia “low cost”. Anúncio onde foi manifestado o interesse em realizar 3 voos diários para S. Miguel pelo aliciante preço de 19,99€. Não somos ingénuos e muito menos estúpidos.
Foto retirada daqui |
E a grande questão é, e a partir do próximo verão IATA, a partir da entrada em vigor das novas Obrigações de Serviço Público (OSP), da consequente liberalização de algumas das rotas e da entrada de novas companhias de transporte aéreo no “mercado” açoriano, Virão, será que essas transportadoras virão sabendo que o alternante é o Porto Santo ou Lisboa (origem do voo). Não me parece, não me parece que cheguem, sequer, a descolar de Lisboa.
Tenho muito mais dúvidas que certezas mas, sobre as vantagens do novo modelo de transporte aéreo para os Açores, tenho poucas dúvidas. Este modelo não serve o perfil do passageiro ilhéu e pode colocar em causa a sobrevivência da SATA Internacional. Se isso é bom para os Açores e para os açorianos, não me parece.
Prefiro não ter alternativa à SATA do que ficar prisioneiro de uma “low cost”.
Ponta Delgada, 28 de Setembro de 2014
Aníbal C. Pires, In Jornal Diário et Azores Digital, 29 de Setembro de 2014
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