Aníbal C. Pires - foto by Catarina Pires |
O Parlamento Regional voltou a discutir e a aprovar mais uma alteração à Remuneração Complementar. Aconteceu, se a memória não me falha, pela terceira vez este ano. Parece talvez bizarro, a frequência algo frenética com que se tem alterado um regime que se destina a compensar os trabalhadores da administração regional e empresas públicas dos custos agravados de insularidade, ou seja, um apoio permanente. Não. A alteração não foi para aumentar a base da Remuneração Complementar.
Esta inconstância legislativa relaciona-se diretamente com decisões que são tomadas fora do Parlamento Regional, estas múltiplas alterações constituem uma reação a decisões externas à Região. Mas a verdade é que o facto do Governo Regional ter optado por esta bizarria vem dar razão a quem, como o PCP Açores, tem vindo a afirmar que esta não é a solução para compensar medidas que pela sua natureza são transitórias, ou seja, a Remuneração Complementar não é o veículo legislativo mais adequado para fazer a compensação dos cortes salariais.
Não é, assim, aceitável que se subverta um regime de apoio que é estável, que existe para minorar dificuldades que são permanentes, para compensar cortes salariais que são, por maioria de razão e por força de lei, temporários.
Ainda temos leis, ainda temos órgãos constitucionais, ainda temos direitos e garantias e o Estado está obrigado a cumprir os contratos que assume com os seus trabalhadores. Por isso os cortes salariais, impostos pela República, são temporários, ao contrário do que sucede com a Remuneração Complementar, que é permanente. E é permanente porque não se prevê que os movimentos das placas tectónicas da crosta terrestre nos aproximem do continente europeu, reduzindo a distância e, por conseguinte os custos do viver insular.
A Remuneração Complementar é, por mais que a tentem subverter, uma compensação permanente dos custos de insularidade. Não é o meio adequado de compensar o roubo nos salários dos trabalhadores da Administração Pública regional e nacional
Dito isto, importa ainda desmontar o enorme embuste político a que assistimos em torno da compensação aos cortes salariais.
E o primeiro embuste é a própria nomenclatura, é que não se tratam de cortes, trata-se de roubo puro e simples, à margem de todo o direito. Quando, à margem da Lei, à margem da Constituição e do Estado de Direito, o PS, o PSD e o CDS resolveram assaltar o vencimento dos trabalhadores, puseram-se a si mesmos fora da lei e fora de qualquer legitimidade democrática.
Na verdade, o assalto às remunerações dos servidores do Estado começou há muitos anos atrás, certamente mais de uma década. Basicamente não houve nenhum Governo, fosse rosa ou laranja, com ou sem a tonalidade azul, que não se dedicasse a atacar os funcionários públicos. Redução dos salários reais através de aumentos muito abaixo da inflação real, congelamentos de progressões e carreiras, aumentos de contribuições, limitações nos direitos, não cumprimento da lei em termos de formação profissional, barreiras a novas contratações, etc., etc., sempre acompanhada de uma enorme campanha caluniosa responsabilizando os funcionários públicos e os seus supostos privilégios pelos problemas do país. De onde resulta que não há nenhuma classe profissional neste país que tenha sido tão mal tratada pela sua entidade patronal como os funcionários da administração pública.
A alteração proposta pelo Governo Regional foi aprovada por unanimidade, o PCP Açores não faltou com o seu apoio, apesar de discordar da forma, e tal como aconteceu nos últimos anos irá, em sede de discussão e aprovação do Orçamento e Plano para 2015, propor que a compensação regional pelos cortes salariais seja dissociada da Remuneração Complementar.
Ponta Delgada, 02 de Novembro de 2014
Aníbal C. Pires, In Jornal Diário et Azores Digital, 03 de Novembro de 2014
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