segunda-feira, 23 de fevereiro de 2015

Beneficiários

Foto - Madalena Pires
Que o número de açorianas e açorianos desempregados atinge valores a que ninguém pode ficar indiferente, não é novidade. Que as respostas políticas do poder executivo se têm mostrado ineficazes para inverter este cenário de tragédia social, também já todos vamos percebendo, mesmo apesar do enorme esforço propagandístico do PS Açores, só não vê quem não quer ver que a ação governativa insiste no erro e, não dá mostras de querer inverter este ciclo de recessão económica. O Competir +, herdeiro do SIDER, ainda que com algumas alterações, mantém a premissa do apoio cego às empresas. 
As empresas necessitam de apoios, certamente que sim, mas o que se passa na Região é um abuso. A maioria das empresas sofre de dependência crónica do erário púbico. Sabendo-se que mais de 90% das empresas regionais produz bens e serviços para o mercado regional, sabendo-se que o rendimento das famílias foi alvo de um assalto, por via dos cortes salariais e das pensões mas também por via do aumento da carga fiscal, de onde resultou uma elevada quebra no consumo. Sabendo-se tudo isto com facilidade se conclui que as empresas da Região, em particular as micro, pequenas e médias, estão naturalmente em graves dificuldades. Sendo assim, só o aumento do rendimento das famílias, por via de uma política salarial que valorize o trabalho e os trabalhadores, bem assim como o alívio da carga fiscal e a reposição dos valores das pensões e reformas, pode contribuir para a retoma do consumo com os correspondentes ganhos empresariais e a redução da dependência das empresas privadas dos apoios provenientes do orçamento regional. Só com empresas a cumprir o seu objeto social será possível gerar emprego, gerar emprego sem artificialismos ancorados em programas de apoio que vão reproduzindo um modelo de economia virtual que compromete o futuro.
O Governo Regional promoveu recentemente mais uma ação de propaganda, desta vez na Aula Magna da Universidade dos Açores, ao incluir mais 2500 açorianas e açorianos nos programas ocupacionais. Se a estes juntarmos os 5 mil que em Dezembro de 2014, segundo o Instituto Nacional de Estatística (INE), já se encontravam enquadrados por programas ocupacionais então temos quase 8 milhares de açorianas e açorianos que estando desempregados, não o estão para fins estatísticos. Se considerarmos os diferentes programas de estágios, as indisponibilidades temporárias, o subemprego e o trabalho ilegal e as centenas, ou mesmo milhares de açorianas e açorianos que emigraram, então, Bem, então a situação social e económica tem contornos de uma tragédia. Se todos estes cidadãos que, efetivamente, não têm um vínculo laboral fossem estatisticamente considerados como desempregados a taxa de desemprego dos Açores seria muito, mas muito mais elevada que os 15,7% que o INE registava no final de 2014.   
Na Região como na República, estes programas têm, na ótica do
s governantes, uma enorme utilidade estatística. Contribuem para disfarçar a verdadeira dimensão do flagelo do desemprego e até permitem, a espaços, a emissão de comunicados que celebram, com um disparatado entusiasmo, supostos ganhos de décimas de ponto percentual na taxa de desemprego. Embora, sabemo-lo nós e sabem-no bem as açorianas e os açorianos, isso não represente qualquer recuperação do emprego nem da atividade económica.
Não se pode deixar de reconhecer que, para quem se encontra há muito desempregado e sem perspetivas, será uma sensação positiva encontrar uma ocupação útil. Mas a verdade é que não era um programa ocupacional que procuravam, não era um período de trabalho, breve e não renovável, sem esperança de continuar, sem direitos e, em boa verdade, sem salário. A sua “remuneração” é um caritativo subsídio. 
Porque é que estes trabalhadores, desempregados sem culpa própria, podem ser discriminados desta maneira. Como é que se tornou aceitável este miserável regime de exploração em que o trabalho, Direito Humano Fundamental, passou a ser considerado uma espécie de privilégio, atribuído por caridade a cidadãos necessitados. 
Estas são as relações de trabalho com que o capital sempre sonhou. Não há direitos, nem segurança laboral, apenas precariedade e curto prazo, Não há trabalho, apenas “ocupação”, Não há trabalhadores, apenas “beneficiários”, Não há já sequer salários, apenas “subsídios”.
Um admirável mundo velho que os partidos que nos governam conseguiram desenterrar do passado e impor novamente nos Açores e em Portugal.

Horta, 22 de Fevereiro de 2015

Aníbal C. Pires, In Jornal Diário e Azores Digital, 23 de Fevereiro de 2015

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